Rosana Hessel - Enviada Especial
postado em 04/06/2018 06:00
São Paulo ; A recuperação da economia brasileira, que será lenta e gradual, foi afetada significativamente pela greve dos caminhoneiros, avalia o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. Nas contas dele, as perdas chegarão a R$ 39 bilhões se o Produto Interno Bruto (PIB) crescer 1,9% neste ano, mas o prejuízo pode ser ainda maior, de R$ 66 bilhões, se a geração de riquezas no país registrar a tímida expansão de 1,5%.;A greve terminou, mas deixou essa sensação de terra arrasada na governança do país que deve continuar afetando negativamente as expectativas;, afirma. Ele avalia que Pedro Parente foi apenas um ;bode expiatório; dessa crise. O economista ressalta que, com quatro meses para as eleições, o emedebista fará muito pouco e dificilmente conseguirá aprovar as propostas prioritárias, entre elas, a privatização da Eletrobras. O especialista avisa que a prioridade zero do próximo presidente será a reforma da Previdência. ;Se vier com essa história de que Previdência não é prioridade, o mercado vai dar a resposta no primeiro dia;, alerta. A seguir, os principais trechos da entrevista de Vale concedida ao Correio.
Pedro Parente
Infelizmente, o Pedro foi um bode expiatório. O significado da sua queda faz parte de uma avaliação maior que aponta que o governo entrou em paralisia em maio do ano passado e a greve foi o ponto culminante. A gestão de Temer estava há muito tempo em dificuldade. A greve terminou, mas deixou essa sensação de terra arrasada na governança do país, que deve continuar afetando negativamente as expectativas.
Ivan Monteiro
Está em linha com o comando anterior da Petrobras, não vejo mudança de rota. Aqui, o problema maior foi como o Pedro caiu. Fica a impressão de que a empresa poderá ser alvo de interferências na governança, como ocorreu tantas vezes no passado. Está nas mãos do novo presidente mostrar que esse não é mais o caso.
Impacto da crise
Ajustei as previsões para o Produto Interno Bruto (PIB) pelas notícias ruins deste trimestre, especialmente, por conta dessa crise de maio e também pelo que pode vir pela frente. O resultado do PIB dos primeiros três meses do ano, apesar de mais favorável, na margem, quando comparado com trimestres anteriores, é preocupante. Os dados mostram uma desaceleração. Existe uma grande possibilidade de o primeiro semestre ser quase inteiramente perdido. O arranque esperado no fim do ano passado está se desvanecendo completamente. A crise atual é diferente da de maio do ano passado, com a delação da JBS. Essa crise é econômica, de fato, porque afeta a atividade. Agora, vamos até o fim do ano com todos os riscos de o governo ser emparedado mais uma vez. Esses riscos estão se acumulando e isso diminui as expectativas, diminui os investimentos e diminui o crescimento. Por isso que é difícil vermos uma retomada este ano. O crescimento vai ser fraco e vai ser muito difícil passar de 2%. É o cenário base, por enquanto. Se o governo continuar sendo nocauteado, vamos ver essa percepção de atividade enfraquecendo ainda mais.
PIB em 2018
No começo do ano, a gente estava com uma previsão de crescimento de 3,5%, depois baixamos para 3% e, recentemente, para 2,5%. Pelas minhas contas, por enquanto, o que a gente deixou de ganhar fica em R$ 39 bilhões se o PIB ficar em 1,9%, que é a nossa nova estimativa por conta da crise atual. Mas, para esse dado se concretizar, a economia precisará crescer muito no segundo semestre, algo em torno de 3% nos três últimos meses do ano. As consequências dessa revisão não se limitam à greve em si, mas também às expectativas de consumo e de investimentos. A esse risco, se junta a eleição, que abre mais espaço para choques abruptos de confiança sobre os candidatos que podem chegar no segundo turno. Se a crise se gravar e o PIB crescer só 1,5% neste ano, a perda na economia poderá chegar a R$ 66 bilhões. A greve derrubou o PIB e a confiança.
Previsões
Está difícil fazer previsões porque têm muitos elementos externos e internos, políticos e econômicos, tudo ao mesmo tempo, que estão jogando contra muito mais do que se imaginava. A reforma da Previdência morreu em maio do ano passado, após a denúncia da JBS. O governo não ia ter mais o que fazer porque acabou se defendendo. E esse cenário de um governo que morreu na economia e na política é o que estamos vendo agora. Talvez melhore se um dia o país conseguir voltar a ter uma estabilidade política melhor, como a que está acontecendo com a Colômbia, desde Álvaro Uribe (2002-2010).
Reformas
Exato. Mas isso é ruim e é bom ao mesmo tempo. Vai ser um baita pepino para um presidente que entra logo de cara. O novo governo eleito vai ter a faca e o queijo na mão para fazer o que precisa com a ajuda do Congresso, mas logo de início. O Temer conseguiu governar durante um ano, mas seu governo enfartou em maio do ano passado por conta da denúncia do Joesley (Batista, da JBS). Ficou na UTI até fevereiro (deste ano) e morreu quando enterrou a reforma da Previdência de vez com a intervenção militar no Rio, que acabou com qualquer possibilidade de reforma constitucional neste ano.
Teto de gastos
A regra do teto é em relação aos gastos. A meta fiscal estaria talvez sob risco. Mas o teto do deficit deste ano é de R$ 159 bilhões, que ainda não está ameaçado. A frustração neste ano virá por conta da receita se o crescimento for mais fraco ainda ao longo do ano. Para compensar essa despesa adicional de R$ 13,5 bilhões e cumprir a regra do teto, o governo vai ter que cortar despesa, provavelmente, o investimento. Não tem como não fugir disso. Regra do teto, por enquanto, também não está sob risco. Até agora, a arrecadação está indo bem por conta de receitas extraordinárias, principalmente. Mas, daqui para frente, haverá dificuldade. O mercado vai esperar a eleição para investir. Isso pode afetar a expectativa de arrecadação com concessões neste segundo semestre, que podem ser frustradas.
Eletrobrás
Esquece. Não sai mais absolutamente nada. Se o governo conseguir aprovar o cadastro positivo, está ótimo. A Copa está para começar, o Congresso fecha a partir das festas juninas e ainda tem eleição. Esquece. Agora é torcer para aprovarem o cadastro em junho e acho que passa sem muita dificuldade, porque é uma reforma importante para reduzir o spread bancário. Não dá para fazer mais do que isso.
Cadastro positivo
O cadastro tende a diminuir o spread bancário na média. Ele dá aquela possibilidade de o mercado poder oferecer taxas mais baixas. Hoje, quem tem o controle da informação do indivíduo, se ele é bom pagador ou não, é o banco em que ele tem conta, que tem todo o histórico dele. A partir do momento em que o sistema financeiro inteiro estiver aberto ao cadastro positivo, com a regulamentação das Fintechs, a tendência é que os juros caiam para os bons pagadores. Não vai baixar tudo, mas é o início para o setor reduzir um pouco o spread. A medida é extremamente positiva. Não tem o que defender contra, mas o governo não sabe fazer propaganda e vender para a população coisas que são boas. O marketing do governo é um desastre absoluto.
Governo Temer
Não é que está sendo mal-assessorado. Ele tem uma equipe econômica que é boa, mas o governo, como um todo, perdeu a legitimidade com a crise de maio do ano passado. Além das duas denúncias que foram votadas, há uma ameaça de uma terceira em andamento. Agora, com a crise dos caminhoneiros, o governo ficou completamente na lona. Não tem entidade, não tem assessoria política que consiga salvar o governo a esta altura. Infelizmente, ele vai assim, sangrando, até o fim do ano.
Comunicação
Com tudo o que está acontecendo, está sobrando argumento para a oposição. Se a economia estivesse melhor, eles não teriam essa facilidade que estão tendo. Se não tivesse acontecido a denúncia de maio lá atrás, o governo estaria mais forte, teria avançado em um monte de reformas e hoje a economia estaria com um crescimento maior e ele estaria muito mais preparado para lidar com a crise atual. Não estaria com tanto fio desencapado e seria mais fácil desmontar os argumentos do Ciro Gomes e do Jair Bolsonaro.
Erro de avaliação
Talvez não se imaginasse que seria uma coisa tão intensa e tão duradoura como foi. De fato, tem uma fragilidade do governo, por questão da legitimidade e por estarmos em um ano eleitoral, eles conseguiram o que queriam. Também temos um presidente da Câmara (Rodrigo Maia) que está contra o presidente e que mudou de lado. Está todo mundo contra o presidente. O governo está fragilizado e não tem liderança, não consegue se contrapor e barrar tudo isso. Ele não teve voz de comando para tentar dissuadir a greve no início.
Preços
É pontual, mas não deixa de ser um retrocesso, sem dúvida. Não é um retrocesso completo e generalizado. É uma mudança pontual na questão fiscal e que é preocupante, porque é um sinalizador do que pode vir pela frente. Quando se negocia e entrega tudo e mais ainda do que deveria entregar para a outra parte, mostra-se que o governo está fraco. Outros querem negociar da mesma forma. Se parar por aí, foi um pequeno retrocesso e não é incontornável. Mas, se persistir, o fiscal vai piorar muito, e tudo o que a gente tem como regras começa a ficar sob suspeita, como o teto de gasto, a meta fiscal e a regra de ouro. O governo não tem mais o que ceder neste momento. Mas como ele está muito fraco, não há como garantir que isso não vai ocorrer.
Henrique Meirelles
Meirelles não tem a mínima chance. Não faz sentido olhar para os candidatos que são muito pequenos. Eles não têm capacidade de crescer (na intenção de voto). O presidente Temer se tornou muito tóxico e qualquer um que está minimamente atrelado ao governo vai eventualmente ser contaminado e ser acusado durante a eleição. E o Rodrigo Maia foi presidente do Congresso e ajudou a aprovar as reformas no início do governo. Mesmo o Ulysses Guimarães, que tinha todo o capital político da Constituinte de 1988, ficou em sétimo lugar nas eleições de 1980, porque MDB é um partido com conflitos internos profundos e históricos.
Bolsonaro
Bolsonaro é quem mais está ganhando nessa brincadeira toda, porque ele ganha com essa ira toda da sociedade. Mas o Ciro também ganha, porque está havendo uma polarização para os extremos da direita e da esquerda. Hoje, diante dos condicionantes de uma recessão profunda, de uma greve como a que tivemos agora, de todo o estresse político que vem desde 2013, a população, de fato, está querendo um novo. O PT acabou. O PSDB está em frangalhos com a Lava-Jato. Os grandes partidos estão acéfalos em termos de liderança.
Alckmin
Ele tem coisas positivas, que é o fato de a população brasileira ser conservadora. Ela não gosta de aventura. A gente viu isso em 2014, quando tinha Dilma, Aécio Neves e Marina Silva. A Dilma já era presidente, por mais complicada que ela fosse. A população já conhecia o Aécio, tinha sido senador, governador é neto do Tancredo Neves. Tinha um histórico político enorme de um partido que a população conhecia. A Marina era o elemento novo de um partido desconhecido, que tinha sido senadora e ministra do Meio Ambiente, mas a população olhava para ela e tinha dúvidas se ela tinha condições de ser presidente. O brasileiro olha muito isso.
Ciro Gomes
O Ciro Gomes foi governador, foi deputado, foi prefeito, foi ministro do Itamar, do Lula e da Dilma e tem um histórico que, para a população, poderia assumir a posição de presidenciável. Talvez o que tenha um flanco mais aberto, o Jair Bolsonaro, que não tem histórico nenhum, o menos presidenciável de todos. Mas a confusão toda dessa eleição é que ela está tão aberta que mesmo o Bolsonaro que não tem um pedigree presidenciável, eventualmente, poderia avançar para o segundo turno por conta dessa insatisfação generalizada da população.