A crise de abastecimento na qual o país mergulhou com a paralisação de caminhoneiros, iniciada na última segunda-feira, revela o quanto o país é refém do modal rodoviário e, principalmente, do óleo diesel, que é o combustível que move a economia brasileira. Atualmente, mais de 60% de tudo o que é transportado no país viaja sobre os caminhões e esse percentual tem sido crescente nos últimos anos devido à falta de investimentos para diversificar a matriz de transportes.
Entre 2006 e 2016, segundo dados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e do Instituto Ilos ; Especialistas em Logística e Supply Chain, a fatia das rodovias na matriz de transportes brasileira avançou de 59% para 62,8%. No mesmo período, a participação da ferrovia recuou de 24% para 21%.
;O principal problema é que o Brasil é dependente do caminhão e essa dependência aumentou nos últimos anos. Não temos uma ferrovia forte e os investimentos nesse setor estão paralisados há quase sete anos;, lamenta o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Paulo Fleury, um dos maiores especialistas em logística do país e fundador do Instituto Ilos. Ele destaca que o combustível está em praticamente tudo na economia. ;Nos últimos anos, a participação do rodoviário aumentou na matriz de transportes e a dos outros modais diminuiu;, emenda.
[SAIBAMAIS]Na avaliação do economista André Rebelo, assessor de assuntos estratégicos da Fiesp, o transporte rodoviário é essencial na economia porque ajuda a agregar valor aos produtos, desde a soja, passando por veículos e itens de informática. Mas ele também lamenta a dependência elevada não só do caminhão, mas, sobretudo, do diesel. ;A matriz dominante de transporte é resultado de uma escolha dos governos passados e hoje sofremos as consequências das decisões políticas;, frisa, lembrando que o transporte ferroviário também é movido a diesel, assim como o marítimo e o hidroviário.
Até mesmo a energia elétrica, uma boa parte (cerca de 20%) vem de termoelétricas movidas a combustíveis fósseis. Rebelo destaca que os serviços, que têm um peso de 70% na composição do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, dependem, em sua essência, dos transportes. O diesel, sozinho, tem um peso de 2% a 2,5% no PIB, calcula. ;Esse percentual é superior ao peso da indústria automobilística, de 1,5% do PIB;, afirma.
Para o economista André Braz, da Fundação Getulio Vargas (FGV), a importância do diesel na economia é grande, porque praticamente todos os produtos consumidos no país são transportados, em algum momento, por caminhões. Também tem relevância na composição dos preços em geral, apesar de o diesel ter um peso menor do que o da gasolina na composição da inflação, de apenas 0,15 ponto percentual, contra 4,36 pontos da gasolina no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). ;O diesel não pesa diretamente no IPCA, mas ele movimenta a economia, desde o transporte de produtos agrícolas até o de produtos manufaturados, passando pelos ônibus nos grandes centros, navios e até a geração de energia;, destaca.
O chefe da divisão econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fabio Bentes, reforça que a crise ganhou uma proporção gigantesca, porque o combustível e o caminhão são dois componentes que não têm substituto. ;A falta de combustível, principalmente o diesel, inviabiliza a economia, porque muitos produtos têm giro rápido nos estoques e são impactados no preço;, explica.
No caso da indústria automobilística, que trabalha no just in time, com estoque reduzido de autopeças, várias fábricas tiveram problemas para dar continuidade à produção. ;O giro dos estoques no comércio, em geral, também é rápido. E eles acabam sendo repostos várias vezes ao longo do mês. Com o desabastecimento, o impacto foi direto nos preços;, explica.
Atraso tecnológico
Na avaliação de Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), a dependência do rodoviário e do diesel escancarada pela greve dos caminhoneiros mostra como o país está atrasado nas discussões de vanguarda sobre infraestrutura. ;No mundo, há opções de substitutivo para o diesel, como o GNL (Gás Natural Liquefeito), tanto para caminhões quanto para navios, o que é a modernidade. O gás natural é mais barato e polui muito menos, mas não se discute isso. O país está atrasado no debate de mudança tecnológica;, destaca.
Fleury, da UFRJ, ressalta que, estruturalmente, é muito difícil resolver esse problema da dependência do diesel e das rodovias no país. ;O caminhoneiro está em qualquer lugar do país. E a maioria da categoria é de motoristas autônomos. Isso provoca vulnerabilidade;, alerta. Rebelo, da Fiesp, lembra ainda que a crise reflete um problema maior que é a falta de demanda por frete. ;Hoje, o motorista autônomo não está mais conseguindo repassar os aumentos sucessivos no diesel em função da alta do dólar e do petróleo para o cliente, porque não há tanta carga disponível para ser transportada. A economia está demorando muito para reagir da recessão de 2015 e 2016 e isso se reflete no frete;, avalia.