São Paulo ; As oscilações do dólar nas últimas semanas têm afetado não apenas quem importa ou exporta produtos. O setor do turismo também vem sentido os impactos da desvalorização do real diante da moeda americana. O aumento do câmbio ocorre às vésperas da alta temporada, entre junho e julho, quando muitas famílias aproveitam as férias escolares para viajar.
Segundo o relatório Focus, do Banco Central (BC), que ouve semanalmente analistas de bancos e corretoras sobre suas projeções para inflação, taxa Selic (aquela que remunera os títulos do governo no mercado financeiro e serve de referência para as operações nos bancos e no comércio) e o Produto Interno Bruto (PIB, a soma da produção de bens e serviços do país), há quatro semanas a expectativa era de que a taxa de câmbio ficasse em R$ 3,33 em 2018.
Na última publicação, do dia 18, a estimativa subiu a R$ 3,43. Da mesma forma, aumentou a projeção para 2019, que era de R$ 3,40 e agora chegou a R$ 3,45. Nos últimos dias, com a intervenção do BC, a moeda americana, que chegou a ser comercializada a R$ 3,75, cedeu um pouco, mas ainda reflete a insegurança no mercado financeiro.
[SAIBAMAIS]Na tentativa de minimizar o efeito cambial, agências de turismo, casas de câmbio e seguradoras têm definido com suas equipes de vendas estratégias para garantir que o impacto na receita seja pequeno. Renata Franco, diretora-geral da Stella Barros Turismo, conta que já percebeu o aumento da procura por pacotes nacionais, em especial por resorts no Nordeste. Os principais destinos comercializados pela empresa são Orlando e os parques da Disney, mas também há muitos clientes que buscam pacotes ligados à prática de esportes.
Neste ano, com a Copa do Mundo da Rússia, a empresa conseguiu fonte adicional de receita e a procura está acima do esperado. ;No caso da Disney, nossos pacotes de julho já estavam vendidos, por isso não devemos sentir o efeito da alta do dólar. Mas não sabemos como será a partir de agosto, quando começam as consultar para viagens de janeiro;, diz.
Há ainda aqueles clientes que esperam até a última hora para decidir por uma viagem na esperança de o dólar baixar. Para minimizar os impactos, a empresa decidiu aumentar o parcelamento dos pacotes de 10 para 12 vezes e pode decidir congelar a cotação do dólar que usa em seus cálculos. ;Torcemos para que a cotação fique estável. Assim as pessoas podem programar melhor suas viagens, mesmo que o valor da moeda americana fique em um patamar mais alto;, analisa a diretora-geral da Stella Barros.
A Belvitur, agência de turismo e casa de câmbio com 25 lojas em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, observou queda de 9% na venda de pacotes internacionais apenas na última semana, quando o dólar alcançou a faixa de R$ 3,75. O tíquete médio para a compra de moeda estrangeira recuou 30%. Preocupado, Marcelo Cohen, diretor-presidente da empresa, conseguiu negociar com companhias aéreas para poder oferecer preços promocionais. A passagem de Belo Horizonte a Miami ou Belo Horizonte a Orlando, vendida há duas semanas por US$ 850, passou a ser oferecida por US$ 499 até dia 28. Além disso, conta o empresário, a cotação do dólar usada nas viagens foi congelada entre R$ 3,40 e R$ 3,50.
;Por enquanto, não sentimos queda muito grande porque muitos clientes têm refeito seus planos, reduzido o número de dias da viagem e optado por hotéis mais econômicos. Mas estamos atentos para o caso de precisarmos fazer mais promoções, mesmo que cortando ainda mais a nossa margem, e assim gerar demanda nas lojas. Melhor ganhar menos do que não ganhar;, avalia Cohen.
A superintendente de marketing da Confidence, corretora de câmbio com 120 lojas, Esperança Pizzolante reforçou o serviço de consultoria prestado pelos funcionários aos clientes. O objetivo, segundo ela, é que a equipe possa oferecer alternativas aos turistas para que eles apenas mudem o destino e não deixem de viajar. ;Procuramos mostrar como é possível se planejar para as viagens, comprando a moeda do país aos poucos, e falamos de outros lugares onde a cotação é mais favorável do que os Estados Unidos, por exemplo, Austrália e países da América Latina. No geral, as pessoas se esforçam para manter os planos de viagem;, explica.
Segundo a executiva, ainda não é possível avaliar qual deve ser o impacto da alta do dólar na receita da companhia, que também opera com banco e no mercado on-line. No próximo mês, Esperança Pizzolante acredita que haverá mais clareza sobre qual deverá ser a tendência para o turismo internacional. A maior apreensão é quanto a possíveis efeitos na procura por dólar por quem está fazendo planos para intercâmbio no início de 2019. ;Apesar da indefinição, ainda esperamos que o impacto não seja tão absurdo assim;, estima.
Intercâmbio
A STB, especializada em pacotes para intercâmbio, registrou nas últimas semanas uma migração da procura por cursos nos Estados Unidos para outros países, como África do Sul, Austrália, Nova Zelândia e Canadá, conta Rui Pimenta, diretor nacional de vendas. Há ainda quem prefira adiar a viagem para quando houver alguma definição quanto ao comportamento da moeda americana. Mas a empresa tem orientado seus funcionários por meio de reuniões periódicas para que ofereçam outras opções para quem quer fugir do dólar desde já. ;Sabemos que haverá um impacto nas vendas de cursos, mas estamos buscando alternativas para não deixar de fechar negócio;, diz.
Outra forma de não deixar o cliente sair de uma das lojas de mãos vazias é oferecer pacotes mais atraentes, de preferência com preço promocional. Segundo Pimenta, uma escola da Austrália, por exemplo, chegou a oferecer 30% de desconto para tentar atrair mais alunos brasileiros. Outra acrescentou de graça duas semanas ao calendário original de 14 semanas de curso. ;Temos intensificado essa negociação com os fornecedores para garantir que no segundo semestre, independentemente do comportamento do câmbio, as vendas se mantenham;, afirma o executivo. A STB estuda também aumentar o parcelamento dos pacotes.
Dentro do país
Ralf Aasman, diretor executivo da Air Tkt, entidade que reúne as maiores consolidadoras de bilhetes aéreos do país (faz a intermediação entre companhias aéreas e pequenas e médias agências de turismo), diz que o grande temor do setor turístico é de que a moeda americana continue a oscilar, como tem ocorrido nas últimas semanas. Isso porque, segundo ele, mesmo que a cotação esteja alta, mas sem solavancos, o turista se prepara mais para viajar ; normalmente economiza por mais tempo até ter os recursos necessários. Mas se o futuro ficar incerto demais, é muito difícil fazer planos.
Para Aasman, o turismo interno deve levar vantagem se o atual comportamento da moeda americana se mantiver por mais tempo ; não só como alternativa para os brasileiros trocarem a viagem para o exterior por um destino nacional, mas também pelo aumento da demanda de viajantes estrangeiros, que, ao fazer as contas, verão o Brasil como um lugar barato para passar as férias.
Com cerca de 520 unidades, a rede de franquia Encontre Sua Viagem, vem intensificando as ofertas de destinos nacionais para aqueles turistas que planejavam embarcar ao exterior. Henrique Mol, diretor-geral da empresa, acredita que o alto preço para quem quer cancelar ou adiar uma viagem deverá desencorajar muitos clientes que pensam em desistir das férias.
;Não acreditamos que haverá impacto nas vendas porque a maioria deverá gastar o mesmo que previa desembolsar no exterior antes da alta do dólar. Esses viajantes vão manter o orçamento inicial, com a vantagem de poder escolher um hotel melhor ou comprar um pacote com mais dias;, acredita.
Para o executivo, o aumento da demanda por produtos turísticos no mercado interno poderá ter um efeito colateral: a alta dos preços de hotéis e passagens aéreas. ;Ainda não temos visto esse movimento, mas não é algo que possamos garantir que não vá ocorrer nos próximos meses; diz o executivo.