São Paulo ; Nos últimos três anos, os fabricantes de máquinas e equipamentos rodoviários, a chamada linha amarela, utilizada em construções e obras de infraestrutura, viram suas vendas despencarem de 26,7 mil unidades em 2014 para 8 mil no ano passado. A crise que se instalou no setor logo após a operação Lava-Jato e abateu boa parte das grandes construtoras no país acabou reduzindo drasticamente o mercado a praticamente um quarto do que era.
;Foi uma espécie de avalanche que soterrou boa parte dos negócios das empresas que, até a Copa do Mundo no Brasil, viviam um bom momento;, afirma Alexandre Bernardes, presidente da Câmara Setorial de Máquinas Rodoviárias da Abimaq, associação que reúne as maiores empresas do setor. A ;avalanche; também atingiu a parte mais fraca da cadeia, os fornecedores. Muitos deles tiveram que fechar as portas. Os que sobreviveram precisaram demitir funcionários. ;A maioria dos fabricantes da linha amarela são multinacionais, e conseguiu se segurar com a crise, mas os fornecedores, especialmente os pequenos, não;, conta o presidente executivo da Abimaq, José Veloso.
Com as vendas praticamente paralisadas para as construtoras, muitas em recuperação judicial, a saída foi procurar o mercado externo e oferecer máquinas adaptadas ao agronegócio brasileiro, único setor que não sentiu a crise e que poderia ser uma alternativa de negócio. Como boa parte das empresas tem operações em vários países, a opção pela exportação acabou dando certo. Em 2015, foram vendidas para o mercado internacional 5,8 mil unidades, 2 mil a menos que no ano anterior. Mas, em 2016, os esforços começaram a render frutos, com 7,7 mil unidades comercializadas. No ano passado, os resultados confirmaram que a escolha pelo mercado externo foi correta, com a venda de 12 mil máquinas fora do país, volume muito perto de toda a produção no ano, que foi de 15,9 mil unidades.
Na outra ponta, os produtores agrícolas, capitalizados pelos ótimos resultados das últimas safras, passaram a comprar maquinário amarelo para utilizar dentro das suas fazendas, como retroescavadeiras, tratores com esteiras e outras máquinas, para ajudar na produção e na armazenagem da safra. ;As empresas só conseguiram sobreviver por conta das exportações e do setor agrícola, que bombou neste período de crise;, atesta Veloso, lembrando que o aumento das exportações também foi um alento para os fornecedores que conseguiram sobreviver, apesar da queda brutal no faturamento, que, em alguns casos, chegou a 60%.
Dados da Abimaq mostram que o segmento de máquinas rodoviárias registrou crescimento de mais de 40% entre 2016 e 2017 nas exportações, impulsionando assim o resultado global da entidade. No primeiro trimestre deste ano, 36% das exportações de bens de capital do Brasil saíram da área de máquinas rodoviárias. E mais: atualmente, mais da metade do faturamento das empresas tem origem nas exportações. ;Melhorou muito, mas ainda há uma crise;, alerta o executivo da Abimaq, lembrando que o Brasil está consumindo hoje a metade do número de máquinas negociadas em 2012.
A americana Caterpillar, tradicional fabricante da linha amarela com mais de 60 anos no Brasil, fez um esforço enorme para compensar a queda das vendas no mercado interno. Com a paralisação dos grandes projetos de infraestrutura no país e ainda tendo que conviver com inadimplência em torno de 15%, a empresa precisou se reinventar para competir no mercado global. ;Tivemos que fazer o dever de casa para atender o mercado externo e preparar nossas máquinas para o setor agrícola, que não para de crescer;, diz Andrea Park, diretora de Assuntos Governamentais e Corporativos da empresa no Brasil.
Segundo a executiva, o agronegócio vem ganhando espaço nos negócios da empresa e já responde por 15% das vendas, participação que deve continuar crescendo enquanto os projetos de infraestrutura não são retomados no país. O produtor rural, diz ela, está buscando produtividade, e as máquinas amarelas entram como suporte na produção agrícola e nas obras realizadas dentro das propriedades.
Apesar da crise, a empresa não parou de investir. Entre 2016 e 2017 foram cerca de US$ 70 milhões, recursos destinados às duas unidades brasileiras ; em Piracicaba (SP) e Campo Largo (PR). Andrea afirma que está confiante na retomada das grandes obras de infraestrutura, tão necessárias para o Brasil continuar crescendo. ;Temos uma boa expectativa para depois que passar essa fase eleitoral. O Brasil tem muita coisa para ser feita em termos de infraestrutura. Continuamos acreditando;, afirma Andrea.
Estratégia
A japonesa Komatsu é outra que está apostando na força do agronegócio brasileiro. Com equipamentos voltados para a terraplanagem, a empresa investiu pela primeira vez em um amplo estande na Agrishow, maior feira de tecnologia e máquinas voltadas para agricultura da América Latina, que aconteceu na primeira semana de maio, no interior de São Paulo. A estratégia foi de se aproximar mais dos produtores rurais, que já respondem por cerca de 15% dos negócios gerados pela empresa. A Komatsu também acredita que o mercado de construção deve começar a se recuperar. Enquanto isso não acontece, vai continuar focando o agronegócio.
Considerada uma das primeiras fabricantes de máquinas da linha amarela com utilização na agricultura, a inglesa JCB tem investindo em tecnologia para atender cada vez mais as necessidades do agronegócio brasileiro. Atualmente, as vendas para o setor agrícola já respondem por 29% do total, e a participação da empresa no mercado de máquinas agrícolas cresceu 10% no ano passado. A expectativa é chegar a 15% até o final de 2018.
No lado da exportação, a empresa saiu de 20% de participação há três anos para 50% do faturamento brasileiro. ;Nosso foco não era exportação. As vendas externas aconteciam mais para cobrir o que as unidades da Inglaterra e da Índia não podiam atender;, diz Rafael Cardoso, diretor de relações internacionais da empresa, lembrando que o cenário econômico adverso fez com que as empresas do setor encontrassem alternativas para manterem suas operações no Brasil.
O mercado de máquinas agrícolas tem se mantido na média de R$ 13 bilhões de faturamento ao ano desde 2014, de acordo com números da Abimaq. Em 2017, as receitas totalizaram R$ 13,7 bilhões e a expectativa é crescer em torno de 8% neste ano. Segundo Pedro Bastos de Oliveira, presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas da associação, o que tem garantido a estabilidade nas vendas é a disponibilidade de recursos oferecidos aos agricultores em diversas linhas de financiamento. Em 2017, os produtores captaram R$ 12,8 bilhões para investimentos em maquinário agrícola.
A salvação que vem do campo
Atual motor da economia brasileira, com 24% de participação no PIB de 2017, o agronegócio tem sido a salvação de muitos setores que ainda estão sofrendo com a crise econômica. Assim como o setor de máquinas e equipamentos rodoviários está conseguindo parte das vendas perdidas no mercado interno, empresas de tecnologia também querem aproveitar o boom da agricultura para aumentar seus negócios.A mais recente investida é do Grupo Positivo, que atua nas áreas de produção de computadores, tablets e celulares, que desenvolveu um drone gigante para pulverização agrícola. O projeto foi elaborado junto com a Eleva, que recebeu aporte da Positivo para conceber o produto em troca de 40% de seu capital.
Outra que está pegando carona no agronegócio é a OLX, portal de compra e venda on-line, que criou uma plataforma para a venda de máquinas pesadas. Nos primeiros quatro meses do ano, foram comercializadas 6.847 máquinas agrícolas, industriais e para construção, sendo mais de 1.500 tratores (cerca de 17 por dia). ;As tecnologias digitais estão cada vez mais presentes no agronegócio e é preciso compreender essa mudança para se beneficiar com a nova realidade;, diz Bruno Valle, diretor de estratégia e planejamento da OLX Brasil.