João Vitor Menin caminha pela sede do Banco Inter, em Belo Horizonte, como se fosse um funcionário qualquer. Ele está sem paletó e gravata e traz no peito o crachá pendurado, exibindo com orgulho a marca que ajudou a construir. Há um clima de ruidosa excitação nas salas e corredores da instituição financeira. Apenas dois dias antes, o Inter tinha aberto oficialmente o capital na B3, a Bolsa de Valores brasileira. João ; é assim que todos o tratam ali ; está eufórico, e não esconde isso de ninguém. ;Demos um passo importante, mais um nesses anos de tantas mudanças;, diz ele.
Aos 36 anos, o filho caçula de Rubens Menin, fundador da construtora MRV, não tem a pose dos banqueiros nem a afetação dos que lideram negócios em franco crescimento. Ele percorre os departamentos do banco e pede licença ao rapaz do jurídico para mostrar o setor ao visitante. Faz o mesmo no pequeno estúdio onde são gravados vídeos paras as redes sociais. Sorri para cada empregado que o cumprimenta. Não raro, coloca o mão no ombro do interlocutor, numa proximidade inesperada. E assim vai abrindo espaço, conquistando a confiança de subordinados, clientes e parceiros de negócios.
João parece ter moldado o Inter à sua imagem e semelhança. Se o presidente e acionista gosta de transmitir simplicidade, o Inter assumiu como uma de suas missões descomplicar a vida dos clientes. Se o executivo é jovem e impetuoso, o banco parece não carregar o fardo das instituições que são tradicionais demais para ousar. Se o líder tem pressa para fazer acontecer, o Inter cresce rápido, e os números estão aí para provar isso.
Os últimos dias foram de fortes emoções para João e seus quase mil funcionários. Depois de pouco mais de quatro meses de preparação, tempo recorde encurtado pelas festas e férias de fim de ano, o Inter abriu o capital, captando R$ 722 milhões no mercado. Como empresa aberta, o banco vive agora os desafios da transição ; fazer de uma companhia familiar um bom negócio também para os acionistas. ;É um jeito novo de trabalhar, mas nos preparamos para isso;, garante João. Para todos os efeitos, foi a primeira fintech brasileira a se arriscar no mercado acionário, abrindo passagem para muitas outras que certamente virão.
O IPO não foi o único motivo para colocar o Inter no centro do noticiário. Na sexta-feira, apenas quatro dias depois de abrir o capital, o site especializado em tecnologia Tecmundo afirmou que os dados de correntistas que estavam armazenados no sistema de nuvem da Amazon foram acessados por um hacker, que teria pedido dinheiro para não divulgar as informações. Como era de se esperar, a notícia provocou certo nervosismo no mercado e exigiu resposta imediata na instituição. Em comunicado, o banco declarou que ;não houve comprometimento da segurança no ambiente externo e nem danos à sua estrutura tecnológica; e que ;foi vítima de uma tentativa de extorsão.; Segundo o Inter, a investigação corre em sigilo.
O episódio é a comprovação definitiva de que o Inter não é mais um banco regional. Graças ao notável crescimento nos últimos dois anos e à abertura de capital, todas as suas movimentações passaram a receber o escrutínio público. ;Sempre fomos muito cuidadosos com tudo o que fizemos e, por isso, a exposição não me preocupa;, diz João. ;Mas ser cuidadoso e trabalhar com responsabilidade nunca significou falta de iniciativa.;
De fato, poucas instituições financeiras tiveram tanta iniciativa ; e mudaram tanto em tão pouco tempo ; no Brasil. O Inter surgiu em 1994, mas como financeira especializada em financiamentos imobiliários. Chamava-se Intermedium e foi fundada pela MRV Engenharia, construtora criada por Rubens Menin, pai de João. Em 2008, o Intermedium virou banco. ;Aproveitamos o crescimento do mercado imobiliário, porque a gente já conhecia a fundo essa área;, diz João. ;Isso representou uma enorme vantagem competitiva.;
Pioneiro
Em 2014, pouco antes de se tornar presidente, João, então com 32 anos, teve a ideia de transformar o banco em um negócio digital. ;Apresentei o projeto no conselho e o pessoal disse que achava difícil competir com os caras grandes do mercado, que tinham marcas muito fortes, com milhares de agências e tal, mas eu consegui convencê-los que havia pouco risco nessa transformação;, afirma o executivo.
Não demorou para a decisão se revelar acertada. O banco se tornou pioneiro entre as instituições digitais do Brasil e passou a ser reconhecido como um dos grandes inovadores do mercado financeiro. Outra novidade marcou a investida digital do banco: as contas 100% gratuitas. Lançadas no fim de 2015, chegaram a 50 mil clientes ativos em poucos meses.
Atualmente, já são 600 mil correntistas, o que representa um salto extraordinário de mais de 1.000%. Até o fim do ano, a meta é chegar a 1 milhão de contas cadastradas. ;O Inter vem ganhando espaço, porque os clientes perceberam que ele é um parceiro de negócios;, diz Marco Túlio Guimarães, vice-presidente da área comercial. ;Nós oferecemos uma experiência positiva ao cliente;, diz Alexandre Riccio de Oliveira, vice-presidente de operações. ;Proporcionamos simplicidade e dinamismo na execução de serviços financeiros.;
Isso é o suficiente para crescer tanto? Segundo Alexandre, há uma palavra-chave nessa equação: confiança. A conta gratuita é gratuita mesmo ; sem pegadinhas, como gosta de dizer o presidente João Vitor Menin. Transferências bancárias, emissão e pagamento de boletos, pagamentos de títulos e compras e saques são totalmente gratuitos. ;Nós não vamos lançar uma conta gratuita para depois da décima TED (transferência) passar a cobrar um determinado valor;, diz ele. ;Não adianta colocar uma taxa em algum lugar e não ser transparente com o cliente.;
Painel
As tarifas bancárias têm um peso importante nos negócios dos bancos. No ano passado, os brasileiros pagaram R$ 27 bilhões em tarifas, um recorde. Em 12 meses, elas subiram 40%, enquanto a inflação oficial ficou em torno de 3%. Sob qualquer ângulo que se olhe, trata-se de um estorvo para os correntistas, fardo esse que fintechs como o banco Inter querem combater. Na fachada da sede do banco em Belo Horizonte há um painel eletrônico que contabiliza os valores economizados pelos clientes ao não pagarem as tarifas bancárias. Até o começo de maio, somavam R$ 132 milhões.
Como ganhar dinheiro e competir com os bancos tradicionais sem cobrar tarifas? João Menin explica a lógica de seu negócio. Enquanto os bancos tradicionais têm milhares de agências e empregam dezenas de milhares de pessoas, as fintechs se organizaram a partir de estruturas enxutas. O Banco Inter não possui uma agência sequer, e nem precisa. O cliente resolve tudo pela internet ou aplicativo de celular.
Mas essa é apenas uma parte da explicação. O dinheiro do negócio vem dos mais de 10 produtos financeiros oferecidos aos clientes, de crédito imobiliário ao seguro do carro, da operação de câmbio à recarga do celular. Parcerias com marcas consagradas, como Mastercard e Liberty Seguros, também são fontes relevantes de receitas. Assinado em novembro do ano passado, o acordo com a Liberty prevê o desenvolvimento de produtos exclusivos para os clientes digitais do banco.
Lucro
A julgar pelos resultados de 2017, o modelo digital é um sucesso. No ano passado, o lucro líquido subiu quase 90%, para R$ 48,2 milhões. O número de transações via celular e internet banking totalizou 13,9 milhões, uma disparada de 1.252% sobre as movimentações de 2016. Em valores monetários, as transações somaram R$ 12,1 bilhões, 128% acima do período anterior. A base de clientes com cartão de crédito avançou 94,7%, totalizando 88,8 mil usuários.
O ano passado ficou marcado por uma mudança importante. Em junho de 2017, o Banco Intermedium passou a se chamar apenas Banco Inter. A iniciativa também é resultado da estratégia digital. Para acessar o site ou baixar o aplicativo, é mais fácil digitar apenas Inter. Além disso, marcas curtas pegam melhor e fixam-se rapidamente na cabeça dos clientes.
Se nos bancos tradicionais a inovação é vital, nas fintechs ela é ainda mais necessária. Recentemente, o Inter lançou o sistema de pagamento Interpag. Funciona assim: em vez de fazer uma transferência de valores com o número da conta, os clientes usam o QR Code (semelhante a um código de barras), sem precisar de cartão ou maquininha. Basta enquadrar o QR Code na tela do celular e confirmar a operação. Trata-se de uma iniciativa em sintonia com as mudanças globais. Na China, um dos países mais conectados do mundo, os pagamentos via QR Code já movimentam US$ 10,5 trilhões, ou duas vezes e meio os valores transacion ados com cartão de crédito.
O futuro é mesmo digital. Em dezembro de 2014, funcionavam 23,6 mil agências bancárias no país. Em dezembro de 2017, elas eram 21,8 mil. Enquanto isso, o total de brasileiros que utilizam smartphones saltou de 29%, em 2014, para cerca de 70%, em 2017. A revolução digital resultou até em um movimento global chamado ;Cashless Cities;, ou cidades sem dinheiro em espécie. No Brasil, João Vitor Menin quer fazer de Belo Horizonte a primeira cidade sem dinheiro da América Latina até 2028. ;A ideia é trazer toda a sociedade para o projeto, consumidores, empresas, Banco Central, prefeitura;, diz o executivo. ;O mundo está mudando rapidamente, e nós não podemos assistir à história passar.;