Jornal Correio Braziliense

Economia

Dívidas de aposentado do INSS com crédito consignado crescem 13,7% em 1 ano

Aumento acelerado preocupa especialistas e mercado



Os aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) são a segunda categoria que mais deve no crédito consignado, segundo dados do Banco Central. O saldo das dívidas soma mais de R$ 120 bilhões e cresceu nada menos do que 13,7% nos últimos 12 meses terminados em março. O valor da dívida per capita, de R$ 4.129, equivale a 2,3 vezes a renda média dos beneficiários, que é de R$ 1.750 por mês.

Para especialistas, o crescimento acelerado do saldo devedor é fator de preocupação. Isso porque aposentados, de maneira geral, não têm condições de expandir a renda em caso de um inesperado aperto financeiro. ;Aposentado não pode ter dívidas. É a única coisa que ele tem que evitar;, avalia o professor de finanças pessoais da Fundação Getulio Vargas (FGV) Fábio Gallo Garcia.

Na etapa final da vida, o endividamento pode representar um caminho sem volta para a inadimplência, adverte Gallo. Por isso, não há muita alternativa a não ser cortar as despesas ao máximo. O que pode significar privar-se de coisas que são essenciais, sobretudo na fase madura, como plano de saúde.

[SAIBAMAIS]A planejadora financeira Letícia Camargo explica que os brasileiros ainda têm muita dificuldade de programar receitas e despesas. ;Tivemos uma inflação muito alta nos anos 1980, que deixou uma geração inteira sem conseguir se planejar;, diz Letícia. Com a alta constante nos preço dos produtos, valia mais a pena gastar o dinheiro rapidamente, explica. Outro fator que prejudicou a capacidade de planejamento foi a recessão dos anos recentes. ;Muita gente ficou desempregada e teve de se acostumar com um padrão de vida mais baixo, sem poder poupar recursos;, acrescenta.

Bicho papão

Para a professora aposentada Angélica Martini Fortes, 62 anos, endividar-se foi a maneira de conservar, pelo menos em parte, o padrão de vida que tinha nos tempos da ativa, o que incluía manter um convênio médico para emergências. Na aposentadoria, porém, a situação é bem diferente. ;Plano de saúde é muito caro. Só ele leva 30% da minha aposentadoria;, reclama.

A professora lamenta ainda que não sobra muito dinheiro para o lazer. ;Para mim, distração é ir ao shopping comprar uma besteirinha barata que não vá fazer muita diferença no orçamento;, diz. ;E eu sonhava que, quando fosse aposentada, iria viajar, ficar um mês na praia;, ironiza.

O educador e terapeuta financeiro Jônatas Bueno afirma que assumir dívidas para sustentar um estilo de vida que não cabe no bolso é um procedimento mais comum do que se imagina. ;As pessoas não veem a dívida como um bicho-papão, o que seria o certo. Em geral, são permissivas quanto ao endividamento;, analisa.

Para Bueno, o endividamento é sempre algo a ser evitado. O ideal, sugere, é poupar antes de comprar. ;É necessário fugir do ciclo vicioso das dívidas. Se você não se libertar, vai passar a vida toda recebendo contas e pagando juros. E quem vive dessa forma realiza menos sonhos;, observa.

Angélica Martini afirma que se arrepende de não ter feito um planejamento financeiro para a fase madura. E recomenda às pessoas que façam um plano de aposentadoria quando ainda são jovens. ;Para quem tem 20 anos, é melhor contratar uma previdência privada ou começar logo a juntar dinheiro;, recomenda. Se tivesse feito isso mais cedo, diz, sua vida, agora, poderia ser diferente da rotina de tomar uma dívida atrás da outra.

;Vou pegar um empréstimo no banco para quitar o cheque especial e, depois, vou pagando aos poucos;, conta a professora aposentada. Ela entende que não é a situação ideal, mas diz que, no seu caso, é a única opção, já que tem que ajudar a família nos gastos. ;Família a gente sempre ajuda. Vou começar a dizer que não vou ajudar mais;, brinca.

Chateada por ter adiado a consulta ao dentista para poupar dinheiro, Angélica critica a gestão dos governos, em geral. ;Não tenho mais esperança. Não vou nem votar. Prefiro pagar a multa;, afirma. Ela diz que o Brasil poderia ser um lugar melhor para todos e, como professora, lembra que o país só pode ser renovado por meio da educação, o que, na opinião dela, está longe de acontecer.

Adriano Severo, educador financeiro, destaca que um problema pouco considerado por quem se preocupa com as finanças na terceira idade é que os aposentados têm mais tempo disponível para gastar dinheiro. ;Quando a pessoa trabalha, ela não está passeando, não está consumindo água em casa, energia e fazendo outros gastos que, quando se acumulam, pressionam o orçamento. Com tempo livre, o dinheiro sai mais rápido;, explica. Severo também ressalta outra característica dessa fase da vida: ;As pessoas idosas gastam mais com saúde, que é algo caro e deixa pouca escolha. Não tem como não gastar com médicos e remédios;.

Compromissos

Para a aposentada Conceição Silva, 78 anos, foi mais fácil seguir o caminho contrário ao de Angélica Martini. Ela explica que não costuma pegar empréstimos nem abusar do cartão de crédito. ;É assim que eu vou equilibrando para conseguir me manter;, ilustra. E diz que, quando percebe que alguma compra pode deixá-la endividada, ela simplesmente corta a despesa.

Recém-aposentada, Izelda Carvalho, 58, trabalhava na área de políticas públicas do Governo do Distrito Federal (GDF). Ela também é um exemplo de alguém que foge das dívidas. No passado, ela já se viu enredada com cheque especial e empréstimos pessoais, o que a levou a se desdobrar para honrar os compromissos. ;Além do emprego no GDF, fui trabalhar na loja da minha irmã. Finalmente, consegui pagar tudo o que devia, Agora, dívidas jamais!”, proclama.

Izelda conta que se aposentou para aproveitar a formatura do filho, que se torna bacharel de direito este ano. ;Meu filho está se formando. É menos uma dívida de quase R$ 2.000 por mês. Por isso, optei por me aposentar agora;, explica. Ela diz estar consciente de que, a partir de agora, a renda deve diminuir e que, portanto, a batalha ainda não está ganha. Por isso, pensa em voltar a trabalhar com a irmã para ocupar o tempo livre e tentar manter a qualidade de vida.

* Estagiários sob supervisão de Odail Figueiredo