O Sicredi, sistema que reúne 116 cooperativas de crédito e tem o Rabobank (banco cooperativo da Holanda) como associado, com 23,97% de participação, é a segunda maior operação nesse mercado. Está em 21 estados e acaba de desembarcar em Brasília. Em 2017, chegou a R$ 51,3 bilhões de total de depósitos e R$ 45,3 bilhões de operações de crédito, com uma taxa de crescimento na casa dos 20%. Manfred Alfonso Dasenbrock, presidente da holding Sicredi Participações, trabalha com uma previsão de crescimento da operação entre 18% e 22%, apesar das inseguranças provocadas pelo cenário eleitoral ainda muito incerto. Para o executivo, a economia tem conseguido se descolar dos escândalos políticos e seguido sua própria trilha. O que preocupa mais é a reação dos grandes bancos em relação a essa expansão. “O Brasil tinha muita reserva de mercado e ainda tem”, alerta. A seguir, trechos da entrevista.
As cooperativas de crédito ainda têm condições de manter taxa de crescimento como a vista nos últimos anos?
O potencial no Brasil ainda é muito grande. Apesar de ser uma atividade centenária, estamos falando de um movimento novo no país. Faz cerca de dez anos apenas que os bancos cooperativos, o Sicredi e o Bancoob, foram criados. A partir daí, as cooperativas passaram a ter uma identidade própria. O Brasil tinha muita reserva de mercado e ainda tem, mas algumas mudanças na regulamentação da atividade têm ajudado no crescimento. Uma delas foi normatizada na quinta-feira e possibilita que as cooperativas operem com prefeituras. Os avanços vêm acontecendo. Foi assim com a captação de recursos da poupança, depois, com a permissão para a livre admissão, por meio das cooperativas abertas. Gradativamente as barreiras foram superadas e se construiu a confiança, junto com o Banco Central, na relação nossa por meio de confederações.
Como as cooperativas se posicionam em relação aos bancos tradicionais?
As cooperativas de crédito podem fazer a diferença em relação à avareza do mercado bancário tradicional. Quem consegue equilibrar atendimento, preços e relações com os clientes são elas, que no Brasil passam de 1 mil e que abrangem um contingente de cerca de 9 milhões de pessoas associadas. O potencial é grande. As cooperativas estão crescendo acima da média de mercado e isso vem acontecendo há pelo menos 10 anos em número de clientes, de ativos, de captação e de créditos. Em parte, isso vem acontecendo por causa da regulamentação no Brasil, que é muito boa. Somos cooperativas de crédito, mas temos um banco para fazer essa interligação com o sistema financeiro e com o Tesouro e outros agentes, mas sem o risco de desvirtuar para o sistema bancário tradicional. Estamos abarcados em uma marca única, com regras padronizadas e um sistema prudencial muito técnico, com a profissionalização da gestão e da parte administrativa. Chegamos recentemente a cidades grandes, como São Paulo e Curitiba, e, na última semana, a Brasília. Só não crescemos a uma velocidade maior porque somos responsáveis por garantir pessoas preparadas para atender quando vamos abrir uma nova agência.
Qual papel as cooperativas podem ter na tentativa do governo de baixar os juros cobrados pelos bancos?
O papel é fundamental. Não temos o mesmo tamanho dos agentes tradicionais, que detêm essa concentração de mercado. Hoje são mais de 1 mil comunidades atendidas pela rede do Sicredi, com cerca de 5 mil agências, a presença em 540 municípios. Em 201 municípios, a única opção de agência é do Sicredi. Tem praças onde se vê o domínio das cooperativas em relação a esses bancos concentrados, com 40%, até 50% de participação de mercado. Com isso, o que se vê nessas comunidades é um achatamento dos juros porque a cooperativa está presente e equilibra esse processo por não ser avarenta, como no caso dos bancos. Parte do que o associado investe ou paga de taxas volta para ele à medida que o resultado é gerado.
As cooperativas podem ter um protagonismo maior?
Sim, e podem fazer mais, porque estão crescendo. Elas têm um papel social, de orientar e capacitar. No caso do Sicredi, formamos lideranças, temos mais de 20 mil pessoas treinadas todos os anos. Além da agenda social, trabalhamos a educação financeira e a inclusão financeira de pessoas que em muitos casos estão expostas até mesmo a um agiota. Por que, por exemplo, essa pessoa recorre a uma financeira? Sabemos que ela tem um juro lá em cima.
É possível imaginar juros mais baixos?
Nós temos no Brasil um problema cultural em relação à taxa de juros. Por exemplo, se o cheque especial está em 6%, mas nós vamos praticar 3%, o cidadão prefere não oferecer garantia e permanecer no cheque especial por causa da taxa mais baixa. Para nós, o caminho é investir em educação financeira e no atendimento que permita orientar para o melhor uso do crédito, com linhas mais adequadas do que cheque especial. Não queremos que o associado parcele o cartão de crédito, mas, se tiver necessidade de crédito, que vá buscar um outro produto para escapar do endividamento.
“Quando se cresce 20% ao ano, muita coisa tem de ser feita em um espaço de tempo curto. Atrelado a isso, estão alguns custos que temos no Brasil, por exemplo, relacionados à segurança por conta do problema de violência”
Como estão os planos de expansão?
Temos conseguido atender quem já está no sistema seja qual for o tipo de demanda, como crédito rural e crédito especial. No caso do cheque especial e do cartão de crédito, o percentual é bastante baixo de utilização por parte dos associados. Nossa previsão de crescimento é de 18% a 22% nos ativos. Dentro dele, o crescimento de crédito está acima desse percentual. E a base de clientes não cresce nesse mesmo percentual, mas na faixa de 10%. A procura pelo crédito está melhor neste ano do que nos dois últimos anos.
A política econômica tem influenciado na tomada de decisão?
Todos os esforços que vemos por parte do BC tanto nas políticas quanto nas normativas estão voltadas na direção de segurar a inflação, que é a principal ameaça à capacidade de compra do assalariado, além da redução da taxa Selic, algo que é fundamental para estimular o investimento. Mas é claro que o mercado brasileiro tem uma cultura inflacionária difícil de cortar. Quando sobe a inflação, muita gente fica contente, porque aumenta a concentração, mas isso também gera um sentimento de aumento da pobreza. Como cooperativa, fazemos um papel importante nesse contexto.
O que falta para as cooperativas conseguirem aumentar sua participação no mercado?
Temos um arcabouço regulatório muito bom. O que nos falta é tempo para amadurecer. Quando se cresce 20% ao ano, muita coisa tem de ser feita em um espaço de tempo curto. Atrelados a isso, estão alguns custos que temos no Brasil, por exemplo, relacionados à segurança por conta do problema de violência. São ataques a caixas eletrônicos e ameaças a transporte de valores que impactam na conta.
As cooperativas pretendem dar mais trabalho aos bancos tradicionais?
É um desafio dizer isso abertamente porque depois eles vêm nos atacar. Mas nas discussões estratégicas de qualquer sistema, é assim que a concorrência funciona. Temos uma energia muito grande voltada para atender à necessidade dos sócios e nossos esforços têm sido grandes em treinamento de pessoal e formação de liderança para que eles defendam a cooperativa tanto quanto o acionista defende uma SA. Queremos que o nosso cliente goste da cooperativa. Se gostar, vai ser fiel a vida inteira. Que seja fiel, que goste da gente e de preferência que não goste dos outros. Isso também se faz com a oferta de serviço e a proximidade com os associados. Nós não temos histórico de agências fechadas, todos os outros bancos têm. Fecham da noite para o dia e simplesmente vão embora. Há um envolvimento dos agentes das comunidades onde atuamos na defesa das agências de cooperativas porque eles sabem que sem elas haverá exploração e que terão mais dificuldade sem poder contar com o atendimento feito por pessoas.
O ano de eleições pode influenciar nos planos do Sicredi?
Temos andado à margem da questão política. Aqueles que fazem parte da economia se encheram um pouco dessa questão toda que diz que todo mundo rouba. Descolaram da política e do que tem sido revelado pela Operação Lava-Jato. A preocupação no nosso caso é outra, com um olhar interno para melhorar os serviços e garantir a estratégia de expansão. Nossa estratégia é ter uma atuação regional com presença nacional. Estamos seguindo firmes e otimistas nessa direção. As eleições com certeza vão segregar, dispensar alguns e chamar outros para melhorar o princípio da ética no Brasil. Mas o importante é que política econômica tem andado à margem da outra política. Esses pilares econômicos, como controle da inflação, política monetária forte, com dólar flutuante e outros temas correlatos parecem estar em uma boa direção. Independe de quem for o presidente, se não houver retrocesso, nós acreditamos em um futuro melhor. A formação do nosso parlamento acontece no primeiro turno. Já a escolha do presidente, a gente sabe que é um jogo de união de forças. O cooperativismo tem um trabalho muito bem organizado, com uma frente parlamentar que entende o nosso negócio. Torcemos para que os bons possam se reeleger e os novos possam vir a contribuir. Somos apolíticos, temos pessoas nas nossas cooperativas de todos os partidos. Estamos otimistas de que a limpeza começou, que teremos um parlamento melhor e que a limpeza continuará. E que venha um caminho mais ético pela frente.
“Nossa estratégia é ter uma atuação regional com presença nacional. Estamos seguindo firmes e otimistas nessa direção”
Por dentro do Sicredi
3,7 milhões de associados
1.582 agências
116 cooperativas de crédito
22,8 mil funcionários
Presença em 21 Estados e Distrito Federal
R$ 80,3 bilhões de ativos
R$ 13,1 bilhões de patrimônio líquido
R$ 51,3 bilhões de total de depósitos
R$ 45,3 bilhões de operações de crédito
Única instituição financeira em 201 municípios
Fonte: Sicredi