Várias empresas, a maioria empreiteiras envolvidas na Operação Lava-Jato por corrupção, foram consideradas inidôneas e estão no limbo, uma espécie de vácuo empresarial, sem contratos e com restrição de crédito. No âmbito do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU), foram instaurados procedimentos administrativos contra 29 companhias. Oito estão na lista da idoneidade e quatro tiveram os processos arquivados por falta de provas. Das 17 restantes, 11 querem fazer acordos de leniência para poder voltar ao mercado, entre elas, a Odebrecht. No Tribunal de Contas da União (TCU), outras sete empresas foram consideradas inidôneas.
O corregedor-geral da República, Antônio Carlos Vasconcellos Nóbrega, explica que a inidoneidade impede as empresas de fecharem contratos com a administração pública nas três esferas (federal, estadual e municipal). ;Apesar de ficarem proibidas de licitar apenas com órgãos públicos, as inidôneas ficam em um cadastro, que é consultado por quem for contratar seus serviços. Isso, de alguma forma, compromete os negócios também no setor privado. Além disso, os bancos acessam o cadastro de inidôneas para fazer a análise de crédito;, destaca.
Não à toa, todo o setor sofre com crédito restrito e caro. Marlon Ieiri, advogado especialista em infraestrutura do L.O. Baptista Advogados, explica que mesmo as companhias que conseguiram fechar acordos de leniência e tiveram as sanções suspensas continuam no limbo. ;Na prática, podem contratar, mas é como se não pudessem, porque estão sem crédito, com restrição nos bancos, e o estoque de obras está no fim. Sem novos contratos, o fôlego financeiro está acabando;, afirma.
Em julho do ano passado, a CGU firmou acordo de leniência com a UTC Engenharia no valor de R$ 574 milhões. Foi o primeiro com uma das empresas processadas no âmbito da Operação Lava-Jato. Os valores a serem ressarcidos envolvem pagamento de multa, dano e enriquecimento ilícito. O acordo estipula um prazo máximo de 22 anos para a empresa pagar o montante, mas uma cláusula obriga a UTC a quitar a dívida antes se as condições financeiras permitirem. Além disso, o valor será corrigido pela taxa Selic, o que pode fazer com que ele ultrapasse os R$ 3,1 bilhões no fim do prazo de pagamento.
Fraudes
Porém, a UTC também foi considerada inidônea por cinco anos pelo TCU por fraudes em licitação da Usina Termonuclear Angra 3, assim como as empresas Queiroz Galvão, Empresa Brasileira de Engenharia, Techint Engenharia e Construção e Engevix. O TCU adiou a decisão em relação às companhias que colaboraram com o Ministério Público Federal: Camargo Corrêa, Odebrecht e Andrade Gutierrez. Com relação à fraude nas obras da Refinaria Abreu e Lima (Rnest), o TCU declarou inidôneas as empresas MPE Montagens e Projetos Especiais e Mendes Júnior Trading e Engenharia.
Para o TCU, ;aqueles que fraudam certames licitatórios devem ter reprimenda proporcional à gravidade de todas as irregularidades;. Entretanto, as decisões da Corte podem ser contestadas judicialmente. ;Há possibilidade jurídica de obtenção de efeito suspensivo da inidoneidade;, explica o tribunal, por meio da assessoria de imprensa.
O especialista em infraestrutura Miguel Neto, sócio sênior do escritório Miguel Neto Advogados, explica que, mesmo com a possibilidade de recursos, as empreiteiras ;ficaram a pé;, com redução de estoque de obras e sem crédito. ;Os bancos não querem emprestar dinheiro porque não sabem o que vem pela frente;, avalia. ;Em alguns casos, nem é questão de crédito e, sim, de compliance (conjunto de disciplinas para fazer cumprir as normas legais e regulamentares);, acrescenta.
Para o especialista, as maiores empreiteiras estão buscando acordos de leniência para participar de novas licitações. ;Estão se impondo uma renovação. Vão ficar muito menores do que já foram. As regras de governança são mais rígidas;, afirma. Só não houve maior estrangulamento no setor de infraestrutura, segundo Miguel Neto, porque o país passou por uma crise econômica e o governo está sem dinheiro.
Em abril de 2018, o Ministério da Transparência (CGU) firmou o segundo acordo de leniência no valor de R$ 53,1 milhões com as agências de publicidade MullenLowe Brasil e FCB Brasil. A Odebrecht divulgou que está negociando um acordo. Segundo a mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP) Ana Carolina Hohmann, que atua no escritório Souto Correa Advogados, apesar de os acordos apagarem a declaração de inidoneidade, não têm poder de corrigir o que ocorreu no mercado. ;Estamos vendo a participação de novos atores, companhias menores associadas em consórcios, estão ganhando espaço;, avalia.