Andressa Paulino*, Simone Kafruni
postado em 22/04/2018 08:00
Com lugar cativo nas despesas das famílias, a fatura de energia elétrica compromete cada vez mais o orçamento dos brasileiros, porque sobe acima da inflação há décadas. De 1995 até o ano passado, aponta estudo do Instituto Ilumina, a tarifa média praticada no país aumentou 50% mais do que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Não à toa, o Brasil tem o quinto megawatt/hora (MWh) mais caro do mundo, de quase US$ 243. E as perspectivas não são boas. A privatização da Eletrobras e a proposta do governo para solucionar o impasse das garantias das usinas hidrelétricas têm potencial para aumentar ainda mais a conta de luz nos próximos anos, segundo analistas.
O diretor do Instituto Ilumina, Roberto Pereira D;Araújo, explica que a alta acima da inflação é até maior, porque o cálculo da instituição é feito pela tarifa média, e os valores subsidiados para consumidores de baixa renda e do programa Luz para Todos puxam o resultado para baixo. ;Para a indústria, a alta foi 130% acima do IPCA;, revela. Isso ocorre, esclarece D;Araújo, por conta de uma série de custos que foram incluídos na fatura ao longo dos anos .
A obrigatoriedade de contratação de energia de reserva, a criação de taxas para manter órgãos de fiscalização, operação e comercialização, acúmulo de encargos setoriais e subsídios inflaram a fatura ao longo de décadas. O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Romeu Rufino, ressalta que, apenas em 2018, os subsídios dentro da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que abrange a maior parte dos encargos setoriais, somam R$ 18 bilhões. ;O problema é que entram na conta e não saem mais, quando deveriam ser temporários;, diz.
São descontos concedidos para consumidores de baixa renda, para o desenvolvimento de fontes renováveis, para regiões remotas que não estão no Sistema Interligado Nacional (SIN). A lista é grande.;As eólicas têm subsídios, mas já praticam um preço de MWh competitivo, de R$ 67, ante R$ 300 de outras fontes. Não precisariam mais;, argumenta Rufino. Não por acaso, os encargos, que representavam 7% do MWh em 2001, passaram a comprometer mais de 20% em 2016, segundo a Aneel.
Desarranjos
Além disso, a implementação de políticas públicas populistas, como a Medida Provisória 579, que reduziu a tarifa à força no curto prazo para reeleger a ex-presidente Dilma Rousseff, provocou um desarranjo sem precedentes no setor elétrico. A desestruturação vem sendo resolvida à base de empréstimos, ações da Justiça e indenizações, tudo pago pelos consumidores.
D;Araújo calcula que a tarifa média, que chegou a R$ 457,02 o MWh em 2017, custaria pouco mais de R$ 300 se tivesse sido reajustada pelo IPCA. ;Nem a reforma que o atual governo quer fazer no marco regulatório vai resolver, porque tanto a venda da Eletrobras como a proposta para o GFS (Generation Scaling Factor) vão recair na tarifa. Estamos pagando erros em sequência, de Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma e, agora, Temer;, opinou.
O erro é estrutural, segundo o diretor do Ilumina, porque o modelo brasileiro foi uma adaptação do inglês e, em vez de ser feito com base na potência das usinas, é contabilizado por capacidade específica. ;A usina é contratada para entregar uma certa quantidade de energia. Se não consegue gerar, precisa comprar no mercado para ofertar;, explica. ;Isso funciona nas térmicas, mas as hidráulicas dependem de condições climáticas. Se chove muito, recebem pouco pelo MWh. Na estiagem, precisam pagar três a quatro vezes mais para completar a garantia;, afirma.
Deficit
Além disso, os reservatórios garantem cada vez menos tempo de consumo. Atualmente, a reserva é para menos de 2 meses, alerta D;Araújo. Quando a situação fica crítica, são ligadas usinas térmicas que encarecem a fatura por meio das bandeiras tarifárias. Para piorar, a MP 579 reduziu a tarifa e retirou das usinas que aderiram ao sistema o pagamento do GFS. ;As distribuidoras ficaram com o deficit, precisaram de empréstimos bancários que os consumidores vão pagar até 2021 na conta;, ressalta. As indenizações às transmissoras, também herança da MP 579, começaram a ser pagas no ano passado e se estenderão por oito anos.
Ao abrir a composição da tarifa da Companhia Energética de Brasília (CEB), a pedido do Correio, o diretor da Aneel mostra que apenas 19,3% são referentes ao negócio das distribuidoras, portanto, gerenciáveis pelas concessionárias. Os 80,7% restantes são da chamada parcela A, que engloba encargos, transmissão e o custo da energia. ;Só os encargos representaram 19,5%. Um absurdo;, sentencia. Os custos de transmissão da CEB comprometeram 10,6% da tarifa, com participação no reajuste da empresa de 8,08% ; mais de 5% para pagar as indenizações da MP 579.
A empresária Paula Sarmento, de 38 anos, diz gastar cerca de R$ 2,5 mil só com a energia do seu estabelecimento. ;Na época mais drástica (de bandeira tarifária vermelha), a fatura passou de R$ 3 mil;, conta. Com as chuvas, a projeção dela é de um alívio no bolso. ;Espero que, agora, com os reservatórios mais cheios, o valor seja mais justo, porque o que eu pago é surreal!”, critica.
Apesar da dificuldade, Paula nunca ficou inadimplente. Já o empresário Felipe Vasconcelos, 26, dono de um bar no Cruzeiro, herdou dívidas do antigo proprietário. ;O valor deve estar em torno de R$ 8 mil;, revela. Vasconcelos tenta renegociar com a CEB. ;Me informaram que, para quitar a dívida, eu precisaria pagar 30% de entrada e dividir o resto. Mas, não consigo fazer isso sem o antigo proprietário;, lamenta o empresário, que paga R$ 1 mil por mês.
*Estagiária sob supervisão de Odail Figueiredo