Rio de Janeiro ; Em agosto de 2015, fundos de venture capital (capital empreendedor de risco) que controlavam 60% do Hotel Urbano (HU) decidiram afastar os fundadores do dia a dia do negócio. A maior agência de viagens on-line do Brasil crescia ao ritmo de três dígitos por ano, e os fundos queriam preparar o negócio para venda. Mas, para isso, achavam que o HU tinha que ser menos startup e mais empresa de terno e gravata. Na briga que se seguiu, os fundos exerceram o direito de nomear o CEO, afastando os irmãos João Ricardo e José Eduardo Mendes do comando da empresa que haviam fundado. Deu tudo errado.
Sem a liderança dos fundadores, muitos profissionais deixaram o HU em questão de meses. O faturamento despencou e a startup, no pico de crescimento desde sua fundação, em 2011, passou a encolher. De uma empresa inovadora que fazia centenas de testes todos os dias, passou a criar regras que brecavam a inovação. De uma estratégia comercial que focava na cauda longa e tinha quase um terço dos hotéis brasileiros em sua plataforma, passou a apostar em um portfólio mais concentrado e cortou quase 80% do inventário.
A palavra ;execução; perdeu espaço para ;estratégia e planejamento; e os erros antes encarados com naturalidade passaram a ser punidos. Pesado e enrijecido, de potencial unicórnio na bolsa, o HU passou à condição de albatroz. Com os números em queda livre e para evitar uma arbitragem que teria Francisco Müssnich, do Barbosa Müssnich Aragão, ao lado dos fundadores, os acionistas financeiros revenderam suas ações aos dois irmãos, que voltaram a controlar a empresa. Pelo acordo, os fundos ficarão com 30% de qualquer venda ou IPO (Oferta Pública Inicial de Ações, na tradução para o português) da empresa que ocorrer até 2024.
No ano passado, o primeiro depois da volta dos irmãos, o HU cresceu mais de 70% e os fundadores acham que podem crescer ainda mais nos próximos anos, turbinado pela entrada em outros países, o que deve ocorrer no ano que vem. João Ricardo Mendes conversou com o Correio sobre os novos planos da empresa.
Antes de você e seu irmão serem afastados da empresa, o Hotel Urbano tinha sócios financeiros. Agora, vocês reassumiram o controle. O fato de terem essa ;segunda chance; mudou alguma coisa na gestão?
Nossa rotina continua parecida. Olhamos um monte de dados, medimos um monte de coisas e testamos muitas outras, todos os dias, e de novo, e de novo, e de novo. Às vezes, algumas empresas de tecnologia se apegam a ;hypes; e ficam dissertando sobre Big Data, AI, colocam piscina de bolinha no escritório, e acabam jogando a estratégia da empresa numa piscina de complexidade. Aqui não tem isso, é bem mais simples: medimos um monte de coisas, jogamos fora o que não funciona e, no dia seguinte ,fazemos tudo de novo.
Mas mudou alguma coisa na forma de administrar a empresa?
Antes, assim como muitas startups, a gente tinha uma liderança heroica, ou seja, gastava 90% do tempo executando táticas com o objetivo de dobrar de tamanho no mês seguinte, independentemente do custo que isso tinha. Isso funciona até certo tamanho e você precisa ter consciência de que é um mal necessário, mas ainda assim um mal. Se você não tem consciência disso, é o ego, certo? Esse foi o nosso erro e pagamos caro. Perdemos o controle da companhia por causa disso.
E qual é a nova postura?
Hoje a gente continua com mentalidade de startup no sentido de não punir erros, ter agilidade, ter uma estrutura horizontal. Mas, antes de fazer uma escolha relacionada a produto, performance, não olhamos mais o resultado que vai dar amanhã, e sim se aquilo é escalável, previsível e repetível. A verdade é que não existe bala de prata. Crescimento é a soma de centenas de pequenas ações.
A empresa atua num mercado de gigantes globais, como a Booking.com e a Expedia, e de um player regional relevante, como a Decolar.com. Como o Hotel Urbano se diferencia?
A Booking.com não é o maior retorno do S 500 (índice acionário formado por 500 ativos cotados nas bolsas americanas NYSE e Nasdaq) nos últimos 10 anos à toa. Não é fácil competir com eles, mas não considero que eles sejam um Google. Se eu achasse isso, estaria fazendo outra coisa. Em termos de produto, o foco do Booking (até por pressão do mercado) é ter a maior quantidade de quartos disponíveis na plataforma, e o nosso é ter a experiência mais simples e fácil de fazer uma reserva. Em termos de relacionamento com o cliente, a maioria está pensando em usar inteligência artificial para escalar ainda mais o atendimento. Nós estamos seguindo o caminho oposto, pensando em usar a inteligência artificial para ter um atendimento cada vez mais personalizado.
Qual foi a taxa de crescimento em 2017?
Nosso faturamento cresceu 70%. O mais importante é que isso não veio de um maior investimento em marketing, que subiu só 30% em relação a 2016. O que houve foi um grande aumento de eficiência com conversão, recompra, ticket médio. De certa forma, a gente é, hoje, uma empresa madura, mas com crescimento de startup.
Vocês têm 12 milhões de fãs no Facebook. É possível transformar todos esses likes em vendas?
A gente não quer transformar likes em venda, mas sim em alcance e engajamento. Sabe quando você entra numa loja e vem um vendedor, cola em você e começa a empurrar tudo? Tem coisa mais chata que isso? É exatamente isso que muitas empresas fazem no Facebook e se frustram porque só focam em conversão e isso não converte, assim como o vendedor chato não fecha a venda, porque ele é chato. Em redes sociais, nosso principal indicador é engajamento e alcance. Se as pessoas estão engajadas com a gente, nós temos um canal aberto por onde falamos com a metade da internet brasileira todos os meses.
A empresa pode crescer de duas formas: aumentar o número de hotéis na sua prateleira e passar a vender viagens para clientes em outros países. Como está avançando nessas duas frentes?
A gente tem 380 mil hotéis no HU, dos quais 7 mil, no Brasil ; e no Brasil há mais de 45 mil hotéis. Temos muito espaço para crescer. Sobre vender para outros países, chamo isso de ;aumentar nossa superfície de atrito;. Esse é o nosso principal vetor de crescimento no longo prazo.
Qual é o tamanho da empresa hoje?
Hoje, o HU vende para 140 milhões de pessoas, mas podemos vender para 5 bilhões ; estou excluindo China e alguns países da África. Até pouco tempo atrás, nossa margem de contribuição por venda era negativa, ou seja, se aumentasse nossa superfícier , nosso prejuízo também aumentaria. Agora, não. Passamos sete anos montando uma máquina que processa táticas de maneira eficiente. Agora, é calibrar sempre mais e testar novos mercados.
Então o HU quer ter penetração global?
O Booking.com é holandês. Por que não podemos ter uma OTA [na expressão, inglesa, on-line travel agency] brasileira crescendo globalmente?
A maioria dos funcionários do Hotel Urbano está na casa dos 20 anos. Como o pessoal é recrutado e treinado?
A gente quer sempre uma turma competitiva que respeita as pessoas, mas sempre desafia ideias. Aqui, as pessoas têm sempre que aprender coisas novas, porque a cada 3 delas, temos que apagar tudo e recomeçar. Muita gente está tendo no HU sua primeira experiência profissional: eles chegam sem vícios e com muito mais perguntas do que respostas. Isso é ótimo. Lá atrás, boa parte do nosso tempo era gasto em execução. Hoje, é em treinamento. É a minha melhor alocação de tempo.
A CVC ainda não conseguiu mostrar crescimento no mercado on-line, apesar de ter comprado o Submarino Viagens. Por que é que isso ocorre?
A CVC entrega muito em seu core business, que é o off-line. Mas internet é outro jogo. Poucas empresas que não têm DNA on-line se destacam nesse campo. Um bom exemplo é o Walmart, que agora está fazendo um trabalho bacana no on-line.
O HU ajudou a desenvolver alguns destinos no Brasil, como Olímpia, em São Paulo, e Barra do Piraí, no interior do Rio de Janeiro. Destinos serão ;criados; nos próximos anos?
Na verdade, destinos turísticos são criados por padrões de demanda existentes. Acontece que na web fica mais fácil identificar essas demandas e padrões, e com certeza surgirão novos cases, como Porto Seguro, criado pela CVC, e Olímpia. O bacana desses movimentos é que, ao se criarem destinos, você tem um impacto positivo em toda a economia da região. Há cinco anos, ninguém conhecia Olímpia. A cidade tinha 300 quartos de hotel e um hospital pequenininho. Hoje, a cidade tem mais de 20 mil quartos, um parque aquático que está entre os 10 mais visitados do mundo e uma grande estrutura também em saúde e educação.
Por quanto tempo vocês vão resistir à tentação do mercado de capitais?
Uma operação saudável nos dá calma para não ter que ir ao mercado levantar dinheiro para comprar crescimento. Já levantamos capital com essa finalidade no mercado privado e isso não se sustenta. Mesmo com toda a melhora de eficiência, ainda temos algumas hipóteses importantes para validar. Acho que, em 10 ou12 trimestres de crescimento constante, teremos validado boa parte e podemos pensar no assunto, não por necessidade ou para comprar crescimento, mas por um caminho natural.
Como avalia o cenário político atual?
Só sei que estou fugindo dos radicais. O Brasil não precisa de discursos agressivos, e isso tem todo dia. Tem que eleger alguém com a cabeça boa, que sabe montar equipe e que venha com um espírito de construir, e não ficar falando do que deu errado. Isso, a gente já sabe.