Economia

R$ 55,3 milhões são torrados com cafezinho no serviço público

Despesa da administração pública federal com a bebida equivale a 733 casas populares, que poderiam beneficiar mais de 1,5 mil pessoas. Para especialistas, falta de controle com itens que parecem irrelevantes mostra o descaso generalizado com o dinheiro do contribuinte

Hamilton Ferrari
postado em 08/04/2018 07:44
Despesa da administração pública federal com a bebida equivale a 733 casas populares, que poderiam beneficiar mais de 1,5 mil pessoas.  Para especialistas, falta de controle com itens que parecem irrelevantes mostra o descaso generalizado com o dinheiro do contribuinte
Os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além do Ministério Público e da Defensoria Pública da União (DPU), gastam, pelo menos, R$ 55,3 milhões por ano com café e com o serviço de copeiragem nos órgãos públicos.

Pode parecer pouco diante do deficit público de 12 dígitos do governo federal. Mas em lugar nenhum do mundo é uma quantia insignificante. De acordo com especialistas, há um forte efeito simbólico na cifra, pois é muito dinheiro para algo que não traz benefícios diretos à população. E está longe de ser o único item supérfluo e caro. Por isso, o Correio dá início a uma série de reportagens sobre pequenos custos que fazem falta para a melhoria dos serviços públicos.

Com dados da ONG Contas Abertas, foi possível identificar gastos de, ao menos, R$ 20,7 milhões só com a compra dos grãos do café. A totalidade das despesas com o produto não foi encontrada, porque muitos pedidos dos órgãos vinham acompanhado de outras mercadorias, como chás, galões de água, impossibilitando a separação das despesas. O custo com cafezinho, portanto, pode ser muito maior.

Nesse montante de R$ 20,7 milhões, estão incluídos, além dos órgãos do governo federal, a Advocacia-Geral da União (AGU), as Forças Armadas, os conselhos nacionais de Justiça e do Ministério Público, a Defensoria Pública da União (DPU), o Ministério Público, o Tribunal de Contas da União (TCU) e as Justiças do Trabalho, Federal, Militar e Eleitoral.

O Correio também fez uma estimativa de quanto foi gasto com o serviço de copeiragem nos ministérios em 2017. Com base em dados das licitações das pastas da Educação (MEC), das Cidades e dos Direitos Humanos, a Esplanada teve despesa de quase R$ 29 milhões com esse item. O MEC comunicou, em nota, que reduziu em 30% o contrato de copeiragem no ano passado. ;Atualmente, o valor é de R$ 1,1 milhão, enquanto o de 2017 foi de R$ 1,7 milhão;, informa. O serviço envolve contratação de pessoal, como copeira, cozinheiro, carregador, garçom e outros, além de vestuário para os profissionais.

Estendendo o cafezinho para o Legislativo, a Câmara dos Deputados tem um contrato de R$ 663,48 mil por ano para custeio apenas da bebida. A assessoria de imprensa da Casa justifica que há cerca de 18,2 mil funcionários trabalhando no local, 171 estagiários, 480 jovens do programa Pró-adolescente e os 513 deputados. ;O total de pessoas que circulam na Casa varia de acordo com a agenda legislativa e com o tema das propostas em discussão, podendo chegar a 26 mil, nas terças e quartas-feiras, se o Plenário votar matérias mais polêmicas;, informa. Já no Senado, o gasto é de R$ 530 mil para a compra do café e de materiais de apoio, como garrafas térmicas e colheres.

No Judiciário, o gasto também é substancial, principalmente nas despesas com copeiragem. O Supremo Tribunal Federal (STF) gastou R$ 60,8 mil com a compra do produto e de R$ 4 milhões para o pagamento do serviço de copeiragem. De acordo com a Corte, há 2.317 mil servidores e terceirizados trabalhando no local.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a assessoria de imprensa destaca que o órgão reduziu os gastos que envolvem o cafezinho no ano passado. O consumo anual caiu 15,3%, entre 2016 e 2017. ;Sendo assim, o tribunal reduziu a quantidade comprada no período, de 39.174 kg para 33.167 kg, resultando em uma economia de cerca de 10% para os cofres públicos;, destaca.

A despesa saiu de R$ 192,8 mil, em 2016, para R$ 172,1 mil no ano passado. Segundo a assessoria, o desperdício passou de 20 litros de café para dois litros. ;Atualmente, o STJ conta com 5.117 colaboradores, entre servidores, terceirizados e estagiários. Dentro desse contingente, há 38 garçons;, informa.

Pequeno significativo
Para um país que teve deficit fiscal de R$ 124 bilhões em 2017, R$ 55 milhões não resolveriam o problema. Mas especialistas explicam que, mesmo não sendo uma cifra considerada ;importante;, não quer dizer que não há necessidade de controle por parte dos gestores.

José Matias-Pereira, professor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB), explica que a administração pública tem inúmeros gastos que ;passam de maneira despercebida; e que, eventualmente, ficam camuflados dentro do Orçamento. De acordo com ele, mesmo que o volume de recursos seja pequeno nas, a soma de gastos ;ínfimos; vira ;uma grande despesa;.

;Nós ainda temos um longo caminho para avançar no controle das despesas do setor público. Seria interessante um sistema centralizado de controle para fazer compras mais inteligentes. É uma forma de investir em processo de modernização para evitar desperdícios;, afirma Matias-Pereira. ;Quando se compra em excesso, uma parte, certamente, vai se deteriorar, estragar. São questões que podem ser melhoradas. O grande problema é a má gestão;, completa.

O economista Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, considera que R$ 55,3 milhões não é um valor desprezível. ;Não há despesa pequena que resolva o deficit de R$ 159 bilhões esperado para este ano. Pode acabar com os gastos com o cafezinho, que não fazem nem cócegas no rombo fiscal;, diz. ;Mas é importante ter essa percepção do que é gasto e quais são as prioridades do governo. O Ministério do Planejamento tem diminuído alguns desses custos, como diárias de servidores, passagens aéreas, gastos com transportes. Mas é preciso ter um empenho ainda maior de toda a Esplanada;, completa o especialista. A pasta não respondeu os questionamentos do Correio.

Diagnóstico fiscal
Para comparar, R$ 55,3 milhões equivalem a 733 unidades do programa Minha Casa, Minha Vida, que poderiam beneficiar mais de 1,5 mil pessoas. Além disso, o valor equivale a 57 mil vezes o salário mínimo e 124 mil cestas básicas. Recentemente, o Ministério da Educação anunciou investimento semelhante para um novo câmpus de Tecnologias Avançadas da Universidade Federal de Pernambuco.

O economista Alex Agostini, analista da Austin Rating, destaca que esses dados demonstram como o desperdício de dinheiro público na administração federal é generalizado. ;Se só o gasto do cafezinho atinge essa cifra, imagina benefícios que existem no Congresso Nacional, no Judiciário. A moral fiscal está longe de chegar aos Três Poderes;, alega. ;E, com isso, faltam recursos para áreas importantes, como saúde, educação e segurança, está última passando por um problema enorme no Rio de Janeiro;, completa.

Agostini defende que a discussão, antes de chegar ao cafezinho, deve passar pelos fatos que realmente oneram os cofres públicos. ;É preciso fazer uma lista do que mais pesa nas contas e, então, implementar um ajuste conforme o que foi diagnosticado;, diz. ;É preciso rever benefícios, como ajuda de custo para moradia a parlamentares e a juízes, que é resultado do corporativismo que existe no país. É claro que vamos chegar até o cafezinho, mas é preciso, primeiro, criar a moral fiscal;, acrescenta.

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