São Paulo ; Há dois anos, quando assumiu o cargo de CEO no lugar da mãe, quem perguntasse pelo nome de Frederico Trajano à maioria dos 20 mil funcionários da rede varejista Magazine Luiza provavelmente receberia a seguinte resposta: ;Ele é o filho de dona Luiza Trajano;. Hoje em dia, depois de fazer as ações da empresa se valorizarem mais de 3.200% na bolsa, Frederico conquistou outros adjetivos ; e com mérito próprio.
Nos corredores da empresa e nas quase 900 lojas da rede espalhadas pelo país, Frederico, de 41 anos, é reconhecido por conduzir a rede no período mais agudo da recessão e por incluir a companhia sexagenária no fervilhante mundo do comércio eletrônico. ;Em um ambiente de revolução digital, em que empresas relevantes se tornaram irrelevantes da noite para o dia, o segredo é não ter medo de abraçar a inovação;, afirma Frederico, que vinha sendo preparado para assumir o cargo havia 15 anos.
;Meu filho não se tornou CEO da companhia por ser meu filho, mas por ter se tornado um profissional da mais alta qualidade;, acrescenta Luiza Trajano, hoje presidente do Conselho de Administração. Trata-se de uma responsabilidade de peso. No ano passado, o faturamento da empresa alcançou R$ 11,9 bilhões, aumento de 26% na comparação com 2016. Vale lembrar, que no mesmo período, o Produto Interno Bruto (PIB, o conjunto da produção de bens e serviços do país) cresceu apenas 1%.
Luiza Trajano não teve pressa para realizar a sucessão. O processo começou a ser planejado oito anos antes de Frederico assumir. Para o período de transição, Luiza contratou o executivo Marcelo Silva, que tinha larga experiência em casos parecidos, para sucedê-la na presidência. Silva criou processos internos e reestruturou a diretoria. Enquanto isso, Frederico ia ganhando legitimidade e passou a ser reconhecido na empresa como um executivo de talento e não apenas como o filho de Luiza Trajano.
O exemplo bem-sucedido de sucessão familiar no Magazine Luiza se assemelha ao processo de troca de comando na construtora mineira MRV Engenharia, a maior empresa do setor na América Latina, com vendas de R$ 6 bilhões no ano passado. O fundador Rubens Menin passou de CEO a chairman e deixou em seu lugar o filho Rafael Menin, hoje copresidente da companhia, ao lado do executivo Eduardo Fischer.
Rafael dirige os negócios nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, além de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. A Fundação Dom Cabral foi recrutada para desenhar o melhor modelo de sucessão possível, levando em conta as particularidades da empresa. ;É evidente que em um processo de sucessão familiar sempre passamos por provações no começo;, admite Rafael Menin. ;Mas a preparação antecipada, bem planejada e transparente tira qualquer risco de ruptura.;
O executivo começou a trabalhar na MRV aos 18 anos, como estagiário. Antes de chegar à presidência, passou também pelos cargos de engenheiro de projetos, gestor e diretor-regional. ;A minha trilha foi longa e me preparou muito bem para assumir o cargo;, assinala. Prova disso, segundo ele, é que o valor de mercado da MRV não sofreu nenhuma alteração após o anúncio de seu nome.
É evidente que o caminho para uma sucessão familiar pode ter obstáculos. Estudo da consultoria Strategos Empresarial, baseado nas histórias de mais de 200 companhias brasileiras e multinacionais ; das quais 130 têm gestão familiar ;, chegou à conclusão de que 70% das empresas não sobrevivem à passagem de bastão para a segunda geração, e apenas 10% passam para a terceira. Só 3% para a quarta.
Complementariedade
;O problema é que os conflitos mais graves surgem de divergências que poderiam ter sido evitadas se houvesse uma gestão mais racional, menos emocional;, diz Telmo Schoeler, sócio da Strategos. A razão para o alto índice de mortalidade é de simples compreensão: 73% das companhias não investem em ferramentas de gestão e não definem planos de sucessão. ;Historicamente, os patriarcas erram ao acreditar que, para preparar seu sucessor, basta pagar uma boa faculdade aos filhos.;Por saber que formação acadêmica é importante, mas não é tudo, o bilionário Carlos Wizard Martins ; controlador do Grupo Sforza, holding detentora de empresas como Pizza Hut, Taco Bell, Mundo Verde, entre outros ; colocou seus filhos gêmeos Lincoln e Charles no dia a dia da companhia, logo que ambos retornaram de seus estudos nas universidades americanas de Brigham Young, em Utah, e na conceituada Harvard. ;Ter a melhor formação é tão essencial quanto a melhor experiência na prática;, afirma Carlos Wizard. ;Nosso pai nos dá autonomia total para tomar decisões, inclusive para errar;, afirma Charles.
Especializada em calçados, acessórios e moda, a Arezzo também realizou transição bem-sucedida. Alexandre Birman, filho do fundador Anderson Birman, assumiu a presidência em março de 2013, depois de o pai ter ocupado o posto por quatro décadas. Antes da passagem de bastão, pai e filho tomavam as decisões em conjunto, parceria que acabou sendo produtiva para os dois ; e, claro, para a empresa.
;Nossas ideias e ações são complementares;, diz Alexandre. Em 2009, antes de assumir a presidência, o herdeiro criou a grife de luxo Alexandre Birman, uma das bandeiras de maior sucesso do grupo e que tem os seus produtos em lojas de Londres a Hong Kong. Com o sucesso da grife, Alexandre demonstrou que estava preparado para levar os negócios da família adiante.
Reestruturação
Outra tradicional empresa brasileira do setor calçadista a realizar sua sucessão com planejamento e cautela foi a Vulcabras Azaleia, dona de um faturamento de R$ 1,2 bilhão no ano passado. Pedro Bartelle recebeu a missão do pai e fundador, Pedro Grendene Bartelle, de adaptar a companhia às transformações do mercado.Resultado: sob a gestão do filho, seu principal produto, a Olympikus, se tornou a marca de tênis mais vendida do país, à frente de Nike e Adidas, segundo o instituto Kantar Worldpanel. ;A principal mudança foi no foco do negócio;, diz Bartelle. ;Antes, tínhamos uma cultura totalmente industrial, produzindo para abastecer o mercado. Com a modernização, passamos a ser gestores de marcas próprias, utilizando a indústria como diferencial competitivo.;
Assim como ocorreu com o Magazine Luiza, o processo de sucessão se deu em paralelo a uma intensa reestruturação. A consultoria Galeazzi cuidava dos ajustes internos, enquanto Pedro Bartelle se preparava para assumir a direção. ;Minha ascensão acabou ocorrendo de forma natural, em função da experiência que já possuía em várias frentes do negócio e pelo envolvimento na reestruturação;, afirma o executivo
O turnaround teve duas etapas: a primeira, a reestruturação, de 2012 à metade de 2015. A segunda etapa foi a modernização da empresa, que a levou a ser o que é hoje. ;A cultura que meu pai (Pedro Grendene) imprimiu à companhia é a base que nos permitiu partir para a transformação;, diz Bartelle.
A ideia de profissionalizar a gestão, sem ter que abrir mão das novas gerações da família, é uma fórmula que tem sido cada vez mais adotada pelas grandes empresas. ;Profissionalização não significa afastar os familiares, mas implica em desenvolver as habilidades e tornar a família um time profissionalizado;, diz Wagner Teixeira, sócio da consultoria H;ft Bernhoeft & Teixeira. ;Para uma boa sucessão, é fundamental conhecer o negócio, dominar os processos, trabalhar com um time forte e afinado nos objetivos, que busque o crescimento sustentável da companhia, e ter muito firmes os valores da organização;, finaliza Bartelle.
Os mandamentos
O que dizem os consultores dedicados à sucessão familiar; Não espere que o sucessor aja sempre à imagem e semelhança do fundador
; Aprenda a apreciar os pontos fortes do sucessor e a entender diferentes pontos de vista
; Envolva outros executivos da empresa no processo de sucessão
; Forneça coaching para líderes e os incentive a ajudar na nova fase da empresa
; Resolva os conflitos familiares de forma rápida, para não contaminar a empresa
; Invista na formação acadêmica do sucessor, mas também ensine na prática
; Envolva outros membros da família, mesmo que não pretenda transferir o negócio para eles
Fonte: Fundação Dom Cabral/H;ft Bernhoeft & Teixeira e empresários