Uma das marcas mais tradicionais do setor de materiais para construção, a Eternit informou à BM, na manhã de ontem, que recorrerá à recuperação judicial, inclusive de suas empresas controladas. O objetivo, segundo a companhia, é tentar manter suas atividades, apesar de estar proibida no Brasil desde o fim do ano passado a produção que tenha como matéria-prima o amianto.
A Eternit alegou no fato relevante que a decisão foi tomada em função dos efeitos negativos da economia no setor da construção civil, as discussões legais sobre a extração, industrialização, uso, comercialização, transporte e exportação do amianto, que, segundo o texto, vem ;limitando o acesso da companhia à concessão de novas linhas de crédito;. Além disso, informa a empresa, houve uma queda na demanda e nos preços do amianto, nos mercados nacional e internacional, o que afetou a rentabilidade do negócio.
Em novembro passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu toda a atividade ligada ao amianto na sua variedade crisotila ; extração, industrialização, distribuição e comercialização. Essa matéria-prima é usada principalmente na fabricação de telhas e caixas-d;água e a extração e o manuseio durante o processo de produção causam doenças graves. Por isso, foi banida no Brasil.
Apesar de a disputa na Justiça ser antiga, a Eternit preferiu apostar na possibilidade de o produto ser liberado para exportação. Antes da decisão do STF, a empresa havia informado ao mercado que deixaria de usar o amianto até o fim de 2018. No entanto, continuaria a explorar o mineral, por meio da Sama, uma de suas empresas controladas, para exportar produtos para países que não proibissem o uso da matéria-prima.
Paulo Henrique Tavares, professor titular na área de engenharia de materiais do Ibmec-BH, avalia que faltou à Eternit tomar uma decisão estratégica de abandonar o amianto quando o produto começou a ser proibido em vários mercados internacionais e se iniciaram as primeiras denúncias no Brasil sobre os danos causados à saúde. ;Deveriam ter investido em novas tecnologias, como outros fizeram;, avalia.
O especialista lembra que hoje os dois principais produtos que antes eram feitos com amianto ; caixa-d;água e telhas ; são fabricados com materiais à base de plástico, como o polipropileno e o polietileno.
;Claro que há um custo quando se decide fazer a transição de um tipo de produto para outro, já que é preciso investir em pesquisas, maquinário e treinamento. Mas esse custo se dilui com o tempo. Teria sido a forma de preservar a empresa;, avalia. Por se tratar de um assunto polêmico há décadas, Tavares acredita que as empresas que usavam o amianto, como a Eternit, deveriam ter se preparado com o tempo para fazer a transição para outra matéria-prima aos poucos, o que minimizaria o impacto dos investimentos.
Hoje em dia, países da União Europeia, Estados Unidos, Chile, Argentina e El Salvador fazem parte do grupo que baniu o uso do amianto. Mas ainda estão entre os importadores o Vietnã, Venezuela e África do Sul.
O uso do amianto, acrescenta o professor do Ibmec, é o tipo de decisão que compromete não apenas o futuro financeiro de uma empresa, mas também a obtenção de certificações nacionais e internacionais, já que muitas delas levam em consideração aspectos ambientais e sociais na hora de creditar uma companhia. ;O mal que o amianto faz não é uma especulação, é um fato. É como acontece com a indústria do cigarro. Não dá para dizer que os casos de câncer não foram causados pelo mineral;, adverte. A empresa foi procurada pela reportagem, mas não retornou o contato.
Empresas que fazem parte do Grupo Eternit
; Sama S.A. ; Minerações Associadas, Tégula Soluções Para Telhados Ltda.
; Eternit da Amazônia Indústria de Fibrocimento Ltda.
; Precon Goiás Industrial Ltda.
; Prel Empreendimentos e Participações Ltda.
; Companhia Sul-Americana de Cerâmica S.A. ("Grupo Eternit")Mineral causa câncer no pulmão
A discussão sobre o uso do amianto se arrastou por anos em diferentes esferas da Justiça, até chegar ao STF. A proibição foi feita com base em dados que mostram que a matéria-prima é cancerígena e coloca em risco os trabalhadores que a manuseiam. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já se pronunciou sobre o tema. Segundo a OMS, o ato de respirar as fibras do amianto é suficiente para desenvolver um tipo de tumor maligno no tecido que envolve os pulmões, além da doença chamada de asbestose, ou "pulmão de pedra", que é responsável por endurecer o pulmão e levar à morte lentamente por falta de ar. Segundo a entidade, o amianto causa cerca de 100 mil mortes por ano no mundo.