São Paulo ; Estudo publicado no mês passado pela consultoria Deloitte mostrou que os consumidores nunca estiveram tão convictos quanto à segurança dos carros autônomos. De acordo com o levantamento, feito em 15 países, no período de um ano, a desconfiança nos carros que dispensam motoristas recuou de 54% para 25%. Na próxima edição do estudo, essa tendência provavelmente vai se inverter ; e por uma lamentável razão. No domingo, um carro autônomo da Uber se envolveu em uma colisão que matou uma pessoa. É o primeiro acidente fatal registrado com veículos desse tipo e pedestres.
O acidente aconteceu na cidade de Tempe, no Arizona, Estados Unidos. O SUV da Uber, que estava em modo autônomo (sem motorista, portanto), atropelou uma mulher que atravessava a rua. De acordo com a polícia local, ela chegou a ser levada com vida ao hospital, mas não resistiu aos ferimentos.
Pouco tempo depois da tragédia, o CEO da Uber, Dara Khosrowshani, lamentou a morte da vítima. Em sua conta no Twitter, escreveu: ;Notícias profundamente tristes do Arizona. Estamos pensando na família da vítima enquanto trabalhamos com autoridades locais para entender o que aconteceu;.
De acordo com as autoridades, as investigações do acidente devem levar pelo menos um mês, mas é inquestionável que o carro, obviamente, falhou. O que causa estranheza é o fato de que todos os veículos autônomos que operam em vias públicas em caráter de teste, como os da Uber, exigem que um motorista esteja atrás do volante. Esse profissional fica posicionado para assumir a direção em caso de falha do sistema autônomo ou diante de eventuais perigos no trânsito. Mesmo assim, ele não foi capaz de evitar o atropelamento.
A tragédia no Arizona será um duro golpe contra as pretensões da Uber de liderar os testes com carros autônomos. Ontem, a companhia anunciou a suspensão de todos os testes de sua frota nas cidades onde opera, incluindo Pittsburgh, Toronto, San Francisco e Phoenix.
Mais do que isso: é provável que a corrida pelos carros autônomos reduza a velocidade daqui por diante. De uns tempos para cá, analistas começaram a criticar a pressa de algumas empresas, inclusive montadoras tradicionais, em lançar veículos desse tipo. Por lidar com questões de segurança, carros autônomos só deveriam ir às ruas quando houver 100% de certeza de que eles não oferecem riscos ; preceito básico que muitas companhias parecem dispostas a não cumprir.
E segurança era um dos principais argumentos a favor dos carros autônomos. Com carros guiados por sensores e máquinas inteligentes, o número de acidentes cairia pela metade, senão mais, porque a condução não estaria mais nas mãos de quem provoca a maioria das tragédias ; o homem. Depois do acidente com o autônomo da Uber, essa certeza continuará valendo?
A despeito do que possa acontecer após a tragédia, a verdade é que os carros autônomos vão provocar no futuro próximo uma profunda transformação na indústria automobilística. Estima-se que, em até 20 anos, eles serão um terço da frota global. Em 30 anos, mais da metade. Não vai demorar, dizem os analistas, para o cliente chamar um carro por telefone e o automóvel ir sozinho até a pessoa para levá-la ao destino escolhido.
Exageradas ou não, essas projeções seduziram empresas de diversos setores, e não apenas da indústria automotiva. A Apple anunciou recentemente que, em 2018, aumentará de três para 27 sua frota de veículos autônomos, mas o número pode chegar a 50 até o final do ano. Sua principal rival na fabricação de celulares, a sul-coreana Samsung, já adquiriu várias startups de veículos sem motorista e criou um fundo de investimentos de US$ 300 milhões para estimular iniciativas nesse mercado.
Até a Pizza Hut entrou no negócio ao fechar parceria com a montadora Toyota para lançar um veículo autônomo que permita que as pizzas entregues em domicílio sejam assadas durante o trajeto. Inovações como essa não serão interrompidas depois do acidente com a Uber, mas, a partir de agora, as empresas provavelmente vão redobrar os cuidados com a segurança.
Problemas em série
Depois de ser apontada durante muito tempo como uma das empresas mais inovadoras do mundo, a Uber vem enfrentando nos últimos meses uma série de problemas. Os escândalos envolvem denúncias de assédio sexual, roubo de informação empresarial, ações trabalhistas de motoristas e até fraude para driblar a fiscalização. A situação é tão difícil que resultou no afastamento do presidente-executivo, em junho do ano passado. A tragédia do veículo autônomo nos Estados Unidos pode levar a novos questionamentos a respeito do futuro da empresa.