Jornal Correio Braziliense

Economia

Erros em estimativas fiscais são consequência da falta de transparência

Diretor-executivo da entidade ligada ao Senado, Felipe Salto, destaca que governo evitou atualizar previsões de receitas e despesas no último relatório, levando analistas ao erro nas projeções. Para economista, teto dos gastos não será cumprido em 2018


As previsões de analistas que apontavam um resultado primário muito pior do que o realizado terem sido frustradas é resultado da falta de transparência do governo. ;Se no último decreto de programação orçamentária, o governo não tivesse mantido despesas que acabaram ficando menores, o erro das projeções não teria sido tão grande se o governo fosse mais transparente;, avaliou o economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal.

A meta fiscal de 2017 prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) permitia um deficit primário de até R$ 159 bilhões nas contas do governo central, que inclui Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social, mas o resultado ficou bem abaixo desse montante, em R$ 124,4 bilhões. O economista lembrou que a diferença de R$ 34,6 bilhões no resultado primário é decorrente do desvio para cima de R$ 15,8 bilhões em receitas, da redução de R$ 14,2 bilhões de despesas acima do esperado, pois a previsão do decreto para subsídios, por exemplo, ficou 20% menor do que o realizado entre janeiro e novembro, atrapalhando as previsões dos analistas. Outro dado que contribuiu para a melhora do resultado primário, segundo os dados da IFI, foi o aumento estoque de restos a pagar, que passou de R$ 131 bilhões em 2017 para R$ 143 bilhões, em 2018.

[SAIBAMAIS]De acordo com Salto, essas diferenças não previstas fizeram, por exemplo, com que a projeção para a dívida pública bruta do governo federal da IFI, de 76,2% do Produto interno Bruto (PIB) ficasse 1,7 ponto percentual acima do registrado pelo Banco Central em 2017, de 74,5% do PIB.

Conforme os dados do Relatório de Avaliação Fiscal (RAF) de fevereiro da IFI, as receitas extraordinárias atingiram R$ 90,5 bilhões, em 2017, e, se não fossem essa arrecadação atípica, como concessões, Refis e aumento de PIS-Cofins sobre combustíveis, o deficit primário teria ficado perto de R$ 215 bilhões. De acordo com o diretor-adjunto da IFI, Gabriel Leal de Barros, para este ano, esse montante considera, por exemplo, R$ 31,2 bilhões de receitas com concessões e outorgas, R$ 28,5 bilhões com os vários Refis e parcelamentos de dívida com a União e R$ 6,2 bilhões com o aumento de PIS-Cofins sobre os combustíveis e R$ 10,2 bilhões de resgate de precatórios não pagos.

Para este ano, a IFI contabiliza, no seu cenário base e pessimista, R$ 72,7 bilhões de receitas extraordinárias, sendo R$ 24 bilhões para um novo Refis, R$ 28,7 bilhões com PIS-Cofins sobre combustíveis e R$ 20 bilhões com concessões. Não foi contabilizada a possível privatização da Eletrobras e muito menos a receita sobre o pagamento da Petrobras para União pelos barris adicionais da cessão onerosa, cuja negociação tem sido bastante extensa, que somariam algo em torno de R$ 40 bilhões pelas estimativas da IFI, levando essa soma para R$ 112,7 bilhões.

Teto frágil

Os riscos de descumprimento do teto dos gastos em 2019 são crescentes e inevitáveis, alertou Salto. As consequências disso serão nas despesas gerais, desde salários e até no mínimo em 2020, quando serão necessários os gatilhos para conter os gastos previstos na Emenda Constitucional 95. O especialista em contas públicas foi categórico ao afirmar que, em 2019, a emenda constitucional do teto dos gastos, a EC 95/2016, será descumprida. ;A margem para o cumprimento do teto está encolhendo e a dinâmica dessa margem devido às despesas obrigatórias crescentes mostra que há pouco tempo para o descumprimento do teto. O risco de descumprimento a partir de 2019 é muito elevado;, disse Salto, durante a apresentação dos dados do RAF de fevereiro.

Regra de ouro

Salto também adiantou alguns dados de um estudo que está sendo feito pela IFI sobre a regra de ouro, que é prevista na Constituição e é fundamental para manter certa qualidade no gasto público, pois evita que o governo se endivide muito para cobrir despesas correntes, como salários e benefícios previdenciários. Ele reconhece que existem alguns mecanismos que poderiam ser revistos, mas se alguns componentes usados em outros países, que não permitem incluir despesas com juros nessa conta, o descumprimento da regra já teria ocorrido em 2017. Pelas contas feitas pelo economista Daniel Couri, analista da IFI, o estouro em 2017 teria sido de R$ 74 bilhões em não uma margem de R$ 29 bilhões. Neste ano, o Tesouro Nacional prevê um rombo de R$ 208 bilhões para cumprir essa norma.

Na avaliação do economista Leonardo Ribeiro, consultor do Senado Federal, a regra de ouro precisa ser mantida, mas alguns mecanismos dela precisam ser revisados para assegurar a qualidade do gasto público e evitar que, em pouco tempo, o governo brasileiro só arrecade para pagar salários e aposentadorias. Ribeiro adiantou que está elaborando uma proposta de regulamentação da regra de ouro que, em breve, será apresentada pelo senador José Serra (PSDB-SP).

Novas previsões

As novas estimativas da IFI elevou de 0,7% para 1,1% a previsão de crescimento do PIB deste ano e de 2,3% para 2,7%, a de 2018. A entidade ainda reduziu o ritmo de crescimento da dívida pública bruta, que chegará em 100% do PIB em 2024, e não mais em 2021, no cenário mais pessimista, ou seja, sem reforma da Previdência e outras medidas de ajuste fiscal. ;Esse cenário é um pouco melhor do que o anterior, mas ainda assim é um quadro muito negativo e classificado de quase insolvência, mostrando qual será o risco de o governo se desviar da agenda de reformas;, alertou Salto.