A gigante norte-americana, cuja receita atingiu US$ 93,4 bilhões em 2017, está disposta a investir US$ 6 bilhões para adquirir a propriedade da Embraer ; e não o controle, no caso da área de defesa ;, sem tirar as operações da companhia do Brasil, nem alterar a marca. Há espaço para negociações. O governo brasileiro pode, por exemplo, ficar com uma parte da propriedade na área de passageiros, em que os norte-americanos teriam o controle.
Ontem, ao comentar os resultados da Boeing, o principal executivo da empresa, Dennis Muilenberg, disse que a associação com a Embraer representa um ;ótimo encaixe estratégico;, principalmente pela complementariedade. Mas não entrou em detalhes a respeito da proposta.
Se o governo brasileiro sinalizar de uma forma positiva, a conclusão do negócio deve se dar em 10 meses, no máximo, um ano. Resta saber como o presidente Michel Temer vai reagir à nova proposta. Desde que tomou conhecimento das tratativas das duas empresas para uma possível associação, Temer tem reiterado que não abre mão do controle da Embraer, ;nem de forma direta, nem indireta;.
A resistência, justificou o governo, é por uma questão de soberania nacional. A Embraer é estratégica para a defesa e para as Forças Armadas no desenvolvimento de novas tecnologias na área militar, não só com a fabricação de aeronaves, como o KC-390, de transporte militar, mas também em satélites, comunicações e monitoramento.
Por isso, o governo criou um grupo de trabalho composto por representantes da Força Aérea Brasileira (FAB), dos ministérios da Defesa e da Fazenda e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para avaliar a união da empresa brasileira com a norte-americana. Uma fonte governamental ligada às negociações chegou a afirmar que o grupo aguarda por uma proposta ;menos hegemônica;. Resta saber se a ideia de manter a golden share na área da defesa será suficiente para isso.
Como a própria Boeing tem associações com empresas aéreas na Inglaterra e na Austrália sem qualquer visibilidade das áreas militares e de Defesa, os novos termos que serão apresentados hoje podem sensibilizar o governo. Os negócios entre Boeing e companhias daqueles dois países respeitam as leis locais. No caso da Austrália, o conselho da empresa é formado 100% por cidadãos australianos.
Namoro antigo
Apesar de o lance mais agressivo ter sido dado após a associação da Airbus, principal concorrente da norte-americana, com a canadense Bombardier, que atua no nicho de aviões médios, foco da Embraer, o namoro entre as duas fabricantes é antigo. A primeira investida da Boeing ocorreu há três décadas. A sinergia das duas empresas e a forte atuação da brasileira no mercado norte-americano fizeram as conversas se intensificarem ao longo do tempo. Há seis anos, a Boeing instalou um centro conjunto em São José dos Campos, sede da Embraer no Brasil, para colaboração nas áreas comercial e de defesa. A parceria tecnológica foca a pesquisa de combustíveis alternativos.
As duas companhias têm interesse na associação. Sobretudo, pela complementariedade dos seus produtos na área comercial. Enquanto a Boeing é líder mundial na fabricação de aeronaves acima de 150 assentos, a Embraer lidera a produção global de aviões com até 140 lugares. Por isso, qualquer que seja o desfecho da negociação, a Boeing não deve suprimir nenhum produto da aérea brasileira.
Para a Embraer, a união com a maior do mundo garantiria mercado para seus novos produtos, cujo desenvolvimento está finalizado, como o próprio KC-390. Segundo o especialista em aviação Edmundo Ubiratan, o avião de transporte militar, por enquanto, só foi encomendado pela FAB. ;O KC-390, que é a maior aeronave fabricada no Brasil e o mais ambicioso projeto já desenvolvido aqui, tem condições de substituir os veteranos cargueiros C-130 Hercules (da década de 1950), o que significa um potencial de venda de mais de mil unidades ao longo dos anos;, comentou.
Escassez de recursos
Na opinião do professor de Economia do Transporte Aéreo Adalberto Febeliano, o país não tem como manter os projetos militares. ;O governo diz que não quer perder o controle da área militar, mas não tem dinheiro para investir;, destacou. O especialista lembrou que, quando a Aeronáutica precisou de caças, comprou os Gripen da sueca Saab. ;Fazer do zero é muito caro. O KC-390 está sendo feito com apoio porque a FAB precisava, mas vender um a cada 10 anos não vai manter a empresa viva;, alertou.
A associação também asseguraria o aproveitamento da inteligência dos engenheiros da Embraer, uma vez que a Boeing está começando uma nova produção. Além facilitar o fornecimento de equipamentos da brasileira para a norte-americana. Atualmente, a Boeing não tem uma integração vertical ; perdeu essa capacidade ao longo dos anos ; e depende de muitos fornecedores. Chegou a ficar com aeronaves paradas no pátio por falta de assentos.
A Embraer é uma das companhias da indústria aeroespacial mais pontuais do mercado e produz vários componentes que interessam à norte-americana, entre eles, o trem de pouso, interiores e softwares usados na cabine de comando das aeronaves.
Num mercado que cresce mais rápido do que o Produto Interno Bruto (PIB) global, a união das duas empresas surge como uma forma de enfrentar a concorrência, dizem os especialistas. A China está se desenvolvendo na área, a Rússia vem se fortalecendo, o Japão entrou no mercado de aviões regionais, com a Mitsubishi.