Economia

Agronegócio: Consumo e produção de cogumelos cresce no Brasil

Mercado mundial deve crescer 9% até 2021 e Brasil ganhará relevância

Marlene Gomes - Especial para o Correio
postado em 29/01/2018 06:20
O mercado do produto movimenta US$ 35 bilhões ao ano em todo o planeta. A China lidera a produção, seguida por Itália e Estados Unidos
Muitos brasileiros já conhecem os benefícios dos cogumelos para a nutrição e para a saúde. Mesmo assim, esse alimento ainda não faz parte da dieta regular da maioria da população. Os preços elevados da bandeja (em média, 200 gramas sai por R$ 15), são uma barreira à expansão do consumo.

Apesar disso, a tendência é de mudanças, sobretudo, a partir de ações realizadas pela Associação Nacional dos Produtores de Cogumelos (ANPC). A entidade ataca em várias frentes para tornar o mercado mais competitivo e os preços do produto mais em conta, com o estímulo aos investimentos em tecnologia e o incentivo ao consumo do produto in natura. O mercado de fungos movimenta US$ 35 bilhões no mundo ao ano. A expectativa é de que o negócio cresça 9% até 2021.

A China lidera a produção mundial de cogumelos, seguida pela Itália, Estados Unidos e Holanda. O consumo per capita no país asiático também é o maior do mundo, com oito quilos anuais, por habitante. No Brasil, a média anual é de apenas 160 gramas, bem abaixo de países europeus, como a Alemanha, que consome quatro quilos, França (dois quilos) e Itália (um quilo e trezentos gramas). Quanto mais os brasileiros conhecem as propriedades nutricionais e medicinais do alimento, mais se tornam boas as perspectivas do produto no mercado interno.

Importação

Por enquanto, a demanda ainda é muito maior que a oferta. Com isso, o país depende de importações para abastecer o mercado. Somente no ano passado, o Brasil importou 10 mil toneladas do champignon de Paris em conserva, espécie que chega ao país principalmente da China, com valor inferior ao produto nacional.

Sem ter como competir com o maior produtor mundial, os agricultores brasileiros passaram a investir no cultivo e na comercialização do cogumelo in natura, como o Shimeji e o Shiitake. ;Somente no Brasil, o consumo do cogumelo cozido é maior do que o de cogumelo fresco, mas a aceitação do produto in natura é muito boa, à medida que as pessoas conhecem mais o alimento;, explica o engenheiro agrônomo Daniel Gomes, vice-presidente da ANPC.

O cogumelo foi um dos alimentos que mais se beneficiaram com o boom de restaurantes japoneses no Brasil, no período entre 2005 e 2010. O súbito interesse dos brasileiros pela cozinha asiática em geral, trouxe para as panelas e para os pratos os cogumelos frescos. A rápida expansão dos programas de culinária nas emissoras de televisão, usando, abusando e divulgando os valores nutricionais do alimento, também ajudou o cogumelo a se tornar mais conhecido no Brasil.

A ANPC aproveitou esse repentino interesse pelo alimento, integrou suas ações a esses movimentos espontâneos e saiu a campo para popularizar o produto e impulsionar as vendas, com a realização de ações pontuais em feiras gastronômicas e em eventos de degustação.

O trabalho de orientação aos produtores rurais vem trazendo resultados relevantes, principalmente em São Paulo, maior produtor de cogumelos do país. A Câmara Setorial de Fungicultura, criada por solicitação dos agricultores locais, debate ações direcionadas ao setor e desenvolve políticas públicas para estimular a produção local. Dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA) indicam que, no estado de São Paulo, são produzidas cerca de seis mil toneladas de cogumelos. O município de Mogi das Cruz domina o cultivo do estado e nacionalmente.

Benefícios

São grandes os benefícios do consumo de cogumelos. Pesquisadores indicam que o produto é rico em proteína, vitaminas B e C, fibras e sais minerais (fósforo, potássio, cálcio, sódio e ferro), além de aminoácidos. ;Em 100 gramas de cogumelos da espécie champignon, existem de 34% a 36% de proteínas, enquanto, nessa mesma quantidade de carne bovina, são 14% de proteínas;, compara a bióloga, Arailde Fontes Urben, pesquisadora Ph.D da área de Recursos Genéticos e Biotecnologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

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A cientista, que é pioneira no Brasil nos estudos de fungos, micro e macrocóspicos, lembra que o cogumelo é um fungo visível a olho nu. A pesquisadora enfatiza que, além de ser um alimento completo, tem propriedades farmacológicas diferenciadas, com reconhecido valor medicinal.

Arailde participou do primeiro curso para cultivo de cogumelo para países em desenvolvimento, realizado pela Universidade Agrícola e Florestal de Fuzhou, na província de Fujian, na China, em 1995. Lá, aprendeu as técnicas de plantio de cogumelo denominada JunCao (em chinês, Jun/fungo; Cao/gramínea), que substitui os meios de plantio tradicionais de cogumelo, com a utilização de troncos de árvores ou serragem, pelo uso de um substrato de capim, misturado a outros nutrientes, como carbonato de cálcio ou gesso agrícola, e água. A pesquisadora, então, adaptou a técnica chinesa às condições de substrato de cultura, temperatura e luminosidade do Brasil.

Hoje, pelo menos 1,5 mil pessoas, entre agricultores, empreendedores, estudiosos e curiosos do Brasil e do exterior, já passaram por uma das 50 edições do curso de Cultivo de Cogumelos Comestíveis e Medicinais da Embrapa. Essa foi uma das formas que a pesquisadora encontrou para transferir a tecnologia chinesa ao setor produtivo e tornar o produto mais acessível à população brasileira. ;Quem quer cultivar cogumelo deve ter em mente a espécie que quer produzir, dedicando-se, de preferência, à mais fácil. A pessoa também pode começar o cultivo em uma área pequena, com uma produção somente para a família;, ensina Arailde.

Além do curso de cultivo, que já tem lista de espera para a próxima edição, em maio, e a realização de simpósios internacionais sobre o tema, a adaptação da tecnologia chinesa rendeu dois livros. O primeiro: Produção de Cogumelos por meio de tecnologia chinesa modificada ; Biotecnologia e aplicações na agricultura e na saúde, e Cogumelos e suas delícias, ambos da pesquisadora da Embrapa.

Banco de dados

As pesquisas sobre os cogumelos resultaram no Banco Genético de Cogumelos para Uso Humano, na unidade de Recursos Genéticos e Biotecnologia da Embrapa, em Brasília. O banco conta, hoje, com 220 diferentes espécies e 542 linhagens, de interesse alimentar e medicinal. Além das já conhecidas dos brasileiros, estão armazenadas no local espécies raras, como o cogumelo salmão, orelha de judeu e talo veludo. ;Pesquisamos as propriedades farmacológicas também do cogumelo rei, uma espécie que já é usada na medicina tradicional chinesa há mais de quatro mil anos;, explica a cientista.

A literatura mundial indica a existência de 45 mil espécies de cogumelos. Desse total, somente 10% são comestíveis e apenas 20 espécies são produzidas comercialmente. As espécies mais cultivadas e vendidas no Brasil são o Champignon de Paris, responsável por 66% do total de cogumelos in natura produzidos no país, o cogumelo Ostra e o Shiitake.

Registros históricos dão conta de que o cultivo de fungos é tão antigo quanto a própria agricultura. Na história da China, há relatos de cultivo do fungo para a alimentação entre 5.000 e 4.000 a.C. No país asiático também se originaram 10 espécies de cogumelos, que estão entre as mais cultivadas do mundo. A partir da década de 80, as universidades de agronomia e escolas técnicas priorizaram curso sobre cogumelos comestíveis e, durante uma década, a produção do fungo foi prioridade no programa de desenvolvimento do país. Em pouco mais de três décadas, a produção local passou de 18.700 toneladas, em 1980, para mais de 150 mil toneladas.

Shiitake é produzido em toras de mangueira


A placa no portão de uma propriedade bastante arborizada indica a ;Casa da Lu;, em Olhos D;Água, no município de Alexânia (GO). A informação é preciosa para aqueles que procuram o Shiitake ou ;cogumelo do carvalho;, cultivado por Áurea Lúcia Maia Queiroz, a Lu, e o sócio, Valdecy Batista de Matos, o Déti. O microempreendimento, que começou há dois anos, já tem marca ; Shiitake Caipira ;, produção regular, distribuição garantida e clientes fidelizados.

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O cultivo do fungo é feito em 1.400 toras de mangueiras. Um processo realizado quase oito meses após a inoculação das sementes nos troncos. A frutificação se dá a cada 60 dias, quando são colhidas 300 gramas de cogumelos por tora de mangueira. O cultivo é alternado, de forma que o tronco que frutifica em um dia descansa por mais dois meses para ser reutilizado.

No local, são colhidos de 30 a 40 quilos de Shiitake por semana, dependendo das condições ambientais. O produto é, então, embalado em bandejas contendo 200 gramas. Por enquanto, é vendido em locais específicos ; na própria Casa da Lu, em feiras, como a de produtos orgânicos, realizada mensalmente no Brasília Shopping, e em uma mercearia, localizada na Asa Norte. ;O que produzimos ainda não dá para atender a todos os que querem comprar o Shiitake. A procura é muito grande, mas não temos quantidade para colocar no mercado;, informa Déti.

Produção

Os cogumelos com imperfeições e os resíduos do produto, que sobram após o processo de embalagem, são desidratados, uma experiência dos dois empreendedores para o consumo, como farinha, flocos e misturados a temperos.

A produção do Shiitake Caipira abriu novas frentes para o negócio. Surpresa com a quantidade de curiosos que queriam conhecer o cultivo do cogumelo, Lu e Déti desenvolveram uma programação específica para esse público, realizada entre os meses de junho a setembro. Na Oficina de Iniciação ao Cultivo do Shiitake, o visitante desembolsa um valor e é recebido com um café da manhã, tem aula sobre o fungo e passa o dia na propriedade participando de todas as etapas do processo de plantio e colheita do cogumelo. De quebra, o almoço inclui pratos feitos com o produto. ;Já temos até fila de espera. As pessoas se interessam muito em ter essa experiência;, comemora a produtora.

Sustentabilidade

O negócio também inclui a venda das toras de mangueiras já inoculadas com as sementes, iniciativa que faz sucesso entre as pessoas que querem o cogumelo para compor jardins de casa ou em varandas, e que permite a colheita de uma pequena quantidade do produto para o consumo diário. Na outra ponta, Déti, que tem quase duas décadas de experiência no cultivo do fungo, dá consultoria para aqueles que pretendem iniciar na atividade.

A dupla se orgulha do processo de cultivo do Shiitake ; limpo e sustentável. As toras das mangueiras vêm da própria região, em um tipo de troca, onde os produtores de cogumelo fazem a poda das árvores em casas e chácaras da região. Em troca, os empreendedores recebem, sem qualquer ônus, os troncos. Quando termina a vida útil das toras de mangueira, que dura, em média dois anos, os troncos são reaproveitados na horta, como matéria orgânica. ;Eu me empolgo muito com esse projeto. A nossa produção evita a queima de lenha da madeira podada, não deixa lixo, não precisa de insumos, valoriza a comunidade e ainda emprega um menor aprendiz da região;, enfatiza Áurea Lúcia.

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