Muitos chefes deixam sua equipe em situação desconfortável ao acionar o profissional durante seu período de descanso, já que é difícil para o empregado ignorar. A professora da Faculdade de Direito da UFMG e desembargadora do TRT-MG Mônica Sette Lopes afirma que ;a garantia do repouso existe e tudo depende da situação. O problema é se o trabalhador for acionado com volume rotineiro, estando sempre de sobreaviso. Se ocorrer eventualmente, de vez em quando, não é uma simples conexão que quebrará regras. Tudo depende da quantidade, se usual ou não. E ela é medida pela demanda das atividades;.
Mônica explica que a maioria não entende que ;a lei não é absoluta, é referência, depende da contingência e circunstância e ganha forma diante dos problemas e questões. Isso é da lei, do direito, desde Aristóteles. Ou seja, é preciso adaptação dos processos da lei;. No atual cenário da era digital e avanços tecnológicos, houve alterações, de acordo com a desembargadora, com os reflexos dos novos meios de comunicação que fazem o tempo ter conotação diferente da de antigamente. ;Isso interfere na forma como o trabalho vai ser exercido.;
A desembargadora lembra que o sobreaviso é instituto antigo do direito do trabalho. ;Ele já estava previsto para a categoria dos ferroviários (parágrafo 2; do artigo 244 da CLT) para quem as horas valiam 1/3 das horas normais. Está previsto em normas coletivas, como da Cemig, por exemplo.; Porém, somente se considera sobreaviso quando há o risco real de o funcionário ser acionado. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) entende que o fato de portar celular não é, por si só, suficiente para configurar sobreaviso. É necessário que a expectativa de ser chamado se torne concreta na habitualidade da relação entre as partes.
Para Mônica, os trabalhadores do Brasil não conseguem se impor diante dessas situações. ;Poder dizer não, dever dizer não, ele pode. A questão é saber se num período de desemprego exacerbado ele dirá. Por isso, é tão importante que a lei e mesmo a norma coletiva (capaz de avaliar situações mais concretas com adequação) disciplinem isso, fixando limites;.
Mônica chama a atenção para mudanças na relação do chamado teletrabalho. ;O problema é que, com a reforma trabalhista, não sei ainda quais vetos virão, há mudanças sensíveis e relevantes. O projeto de lei tem muitos detalhes e é preciso saber o que vai sobrar à medida que for interpretado e julgado. Não posso prever como ela será absorvida. Mudou tudo, é esperar o que virá e o que será reconstituído com a reforma e a interpretação que dela se fará.;
França
Vale salientar que a França aprovou, em 2016, a Lei da Desconexão. Em vigor desde 1; de janeiro deste ano, a legislação ampara legalmente os empregados para não responderem mensagens eletrônicas de seus chefes depois do horário de expediente. Talvez seja um exemplo para o mercado de trabalho em outras partes do mundo.
No Brasil, ainda não há regras claras. Fato é, indica a desembargadora, que os empregadores e, principalmente, as gerências intermediárias (muitas vezes os sócios ou administradores nem sequer sabem) têm de tomar cuidado e se organizar para respeitar o tempo do trabalhador. ;Isso é gestão do trabalho, ter consciência, ser responsável, porque significa risco de custo para a empresa e para o empregado, afeta os dois lados de uma organização. O controle é via de mão dupla.; Ela alerta, ainda, que a questão da boa gestão do tempo é um valor para empresa na sua relação com o empregado. ;Evita animosidade e diminui a margem de conflitos.;
Grau de necessidade
Saber usar, ter noção das implicações e usufruir como uma ferramenta que auxilie o desenvolvimento do trabalho e do profissional. O fato de o empregador perder a mão na hora de acionar seu empregado já fora da empresa, usualmente, não é correto. Mas para tudo há exceção. Sérgio Campos, professor de gestão de pessoas do Ibmec-MG, explica que ;a primeira atitude do empregado é avaliar o tipo de informação que está sendo solicitada. Qual o grau de necessidade? Está pegando fogo na usina, chame os bombeiros? A barragem rompeu? Preciso de dados do relatório para a reunião de amanhã, pode me passá-los? Nesse momento, o recomendado é ter bom senso para coar e não apenas eliminar, seja uma ligação no celular seja mensagens via WhatsApp, e-mail, SMS...; Mesmo porque, enfatiza o professor, ;a empresa é um organismo vivo;.
Em segundo lugar, Sérgio Campos avisa que, ;educadamente;, o empregado pode responder ;não ter acesso àquela informação naquele momento, porque está em afazeres que o impossibilitam. A meta é, aos poucos, adestrar o líder e mostrar, com calma, que você tem vida depois do serviço;.
Agora, se o chefe for insistente, o professor de gestão de pessoas do Ibmec-MG recomenda enviar recados direcionados e disfarçados ao mesmo tempo. Ele explica: ;Você pode compartilhar no grupo de WhatsApp, por exemplo, uma matéria informativa sobre qualidade de vida, o quanto é bom dormir, o que fazer para relaxar e não se estressar. De maneira dócil, levando seu recado de maneira sutil;.
Má-fé
Por outro lado, Sérgio Campos enfatiza que ;se você estiver participando de um novo projeto, uma concorrência que demanda mais trabalho, é natural que seja acionado fora da empresa. É preciso ter noção de que pode ser chamado e, portanto, é natural ficar atento às mensagens;.
Há casos também, alerta Sérgio Campos, de empregados que agem de má-fé. ;Há profissional mau-caráter que faz questão de enviar e-mail à noite, de madrugada, ou mesmo gravar áudios fora do horário de trabalho, justamente para mais tarde acionar o empregador na Justiça.;
No entanto, Sérgio Campos deixa claro que, mesmo assim, ;a empresa não tem o direito de ligar para o funcionário o tempo inteiro. Não com frequência;. O professor lembra que cada vez mais somos ;linkados; na tecnologia. ;Ela já é chamada de o terceiro membro do profissional. Mas tem de saber a hora de usá-la ou não. Todos devemos descansar, inclusive do acesso à tecnologia.;
O desafio do meio-termo
Na visão de Channa Vasco, proibir o uso de redes sociais durante o trabalho não é uma atitude recomendável, já que existem várias experiências negativas nesse sentido. Da mesma forma, não responder às mensagens profissionais fora do horário do expediente muitas vezes se torna impraticável. A saída, para a especialista em carreira, é, ;além de buscar um meio-termo, onde cada uma das partes cede um pouco para o bem comum, é preciso tato para negociar em tais situações. É aí que entra a habilidade de comunicação e negociação;.
Diga "Não"
Para isso, Channa Vasco desenvolveu uma estrutura simples e eficaz para dizer ;não; a quem nos interrompe, seja quando há demandas pessoais em horário de serviço ou o contrário, demandas profissionais em horário de descanso. ;A técnica é simples e, ao mesmo tempo, poderosa. Basta explicar que você está fazendo algo importante e que depois de determinado tempo poderá atender à demanda de quem solicita. Quanto mais detalhado melhor.;
A master coach dá dois exemplos práticos. ;Um familiar manda uma mensagem pela rede social em horário de trabalho. Você pode responder: ;Fulano, estou fazendo tal atividade, daqui a umas duas horas te respondo.;
Seu líder te liga no fim de semana: ;Beltrano, entendo a situação, mas agora estou fazendo compras e depois vou na casa da minha tia. Posso resolver isso amanhã cedo? É importante que esse prazo de tempo que você pede seja realista, senão a pessoa vai ficar insistindo até ter sua demanda atendida ou, pior, achar que há desinteresse da sua parte;.
Fique de olho:
- A empresa não pode obrigar que o funcionário tenha uma conta no aplicativo, mas ela pode propor o uso;
- As regras e as implicações de uso devem ser acordadas entre as partes para evitar conflitos;
- A empresa não pode determinar que o funcionário use o seu aparelho pessoal para a comunicação organizacional. Organizações de médio e grande portes oferecem o aparelho como benefício ou ferramenta de trabalho. Nesse caso, o funcionário assume a responsabilidade de responder sempre que for chamado;
- O fato de estar disponível não quer dizer que você tenha de responder instantaneamente a uma mensagem fora do horário de trabalho, independentemente da ferramenta;
- As empresas precisam ter cuidado. Enquanto as ferramentas utilizadas estavam vinculadas ao computador e poderiam ser bloqueadas, o WhatsApp no celular pessoal impede o controle.
Palavra de especialista
Andréia Fagundes - especialista em direito do trabalho da Winter Carvalho Advogados e ConsultoresMudança de política
;A maioria das empresas tem um regimento interno e procuramos deixar claro as implicações de acionar o empregado depois do horário de trabalho. Houve uma mudança de comportamento e, hoje, muitas organizações já não fornecem o celular, que antes era sinal de comodidade e facilidade, mas que gerou o sobreaviso. Ou seja, o empregado está ou não 24 horas à disposição da empresa? Como houve mudança de mentalidade, a Justiça do Trabalho passou a condenar com base no sobreaviso, entendendo que o trabalhador não descansava porque a qualquer momento o telefone poderia tocar ou receber uma mensagem de WhatsApp. Assim, mudou-se a política: em primeiro lugar, depois das 18h, o trabalhador não é obrigado a atender o empregador e não pode ser punido; e, em segundo lugar, fica a critério do empregado retornar ou não. É importante ressaltar que a recorrência precisa ser rotineira. Receber uma mensagem ;você desligou o alarme; uma vez em 10 anos de contrato de trabalho não é critério de ação. A tecnologia virou uma imposição social e do mercado de trabalho e, hoje em dia, a resposta ocorre de forma imediata, porque estamos no ar o tempo todo, tudo em função da comunicação rápida e ágil e da velocidade da informação. Já existem grupos de WhatsApp até de oferta de emprego. Tudo é equilíbrio e depende do contexto, já que há aspectos positivos e negativos. A verdade é que ainda estamos aprendendo a lidar com a tecnologia.;