Jornal Correio Braziliense

Economia

Maior parte do trabalho infantil até 9 anos ocorre no campo

Embora o trabalho infantil no setor agrícola tenha diminuído nos últimos anos, na faixa etária mais baixa ocorre o contrário: 85 de cada 100 meninos e meninas ocupadas com idade entre 5 e 9 anos se dedicam à atividade rural. Boa parte não frequenta a escola

Dos 2,7 milhões de crianças trabalhando, pouco mais de um terço, ou 856 mil, se dedicam a atividades agrícolas, como criação de bois e colheita de milho, mandioca e soja. O número parece baixo se comparado com anos anteriores ; em 2011, 1,3 milhão de menores de idade estavam na mesma situação ; e anima pela tendência de queda quando analisado isoladamente, já que, naquele ano, 36% da massa infantil ocupada fazia esse tipo de trabalho, porcentagem que caiu para 31% em 2015. O problema real começa a aparecer quando os dados são destrinchados. Percebe-se, então, que, entre essas crianças, 67 mil têm menos de 10 anos de idade, e a exploração dessa faixa etária, ao contrário de todas as demais, não tem caído. Enquanto, em 2012, 73 de cada 100 crianças de 5 a 9 anos ocupadas se dedicavam ao trabalho agrícola, a proporção saltou para 85 a cada 100 em 2015. Os dados são os mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em outras palavras, são as crianças mais novas as que costumam ser exploradas de forma perigosa no campo, em trabalhos que envolvem operar máquinas, manusear agrotóxicos e até trabalhar em matadouros, atividades que fazem parte das piores formas de trabalho infantil listadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e aceitas pelo Brasil. Apesar do evidente perigo envolvido, um levantamento da Fundação Abrinq divulgado na segunda-feira, dia mundial de combate ao trabalho infantil, constatou que, em 11 dos 27 estados brasileiros, quase toda a faixa de crianças de 5 a 9 anos que trabalha exerce esses tipos de atividade.

Esse cenário, na visão da gerente executiva da Abrinq, Denise Cesario, é preocupante. ;Conseguimos enfrentar os trabalhos formais infantis, mas agora é necessário repensar as estratégias para combater as piores formas;, avalia. Elas são as mais difíceis, porque estão escondidas em fazendas, dentro de casas de família e na criminalidade, nas situações de exploração sexual e tráfico de drogas. No caso das atividades agrícolas, segundo Denise, o processo produtivo dificulta esse enfrentamento. ;As empresas do agronegócio terceirizam serviços e, assim, acabam chegando nas pequenas produções familiares. Não contratam diretamente crianças, mas elas acabam entrando na rede;, explica Denise.

Já as famílias envolvem as crianças na produção devido à necessidade de compor a renda, principalmente em tempos de crise, e por não terem onde deixá-las. Vale lembrar que, entre 2001 e 2015, 40 mil escolas foram fechadas no campo, de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Não por acaso, o IBGE detectou que 35% das crianças ocupadas em atividades agrícolas no Distrito Federal não estudam, mesma porcentagem média de estados como Santa Catarina e Espírito Santo. Em locais como o Rio de Janeiro, essa porcentagem sobe para 66,7%, a mais alta do país. Além disso, 90% das crianças e adolescentes que trabalham em atividades agrícolas não têm carteira de trabalho e 80% nem sequer são remuneradas.

Para chegar a esses jovens e inverter essa tendência, é preciso descer até a ponta dessa cadeia produtiva, explica Maria Cláudia Falcão, coordenadora do Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil (Ipec), da OIT, no Brasil. ;Muito já foi feito em termos de legislação. Um grande desafio agora é garantir que as políticas públicas que foram criadas sejam implementadas em todos os municípios do país;.

Isso ainda é um desafio. Desde 2014, após um estudo do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDS) que identificou que 80% dos casos de trabalho infantil acontecem em 1.913 municípios, o governo resolveu repassar dinheiro para que as administrações locais promovessem ações estratégicas contra a prática. Curiosamente, apenas 958 delas aderiram ao programa. ;Muitas vezes, os municípios não têm conhecimento das políticas que existem e dos recursos que eles podem acessar;, explica Maria Cláudia.