O embaixador Rubens Barbosa, presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), acredita que o país precisa avançar nas reformas, principalmente a tributária e a trabalhista, para poder voltar a crescer tanto do ponto de vista econômico quanto comercial. E, em paralelo a isso, o Brasil necessita melhorar a sua diplomacia e fazer uma abertura gradual, além de trabalhar para recuperar o protagonismo na América do Sul e na América Latina.
Para ele, o país precisa recuperar o prestígio, a posição que perdeu na região. Barbosa defende que o Brasil reforce a ação nas cadeias produtivas e na área de infraestrutura para conectar o país aos vizinhos. ;É preciso modernizar o Mercosul e torná-lo mais dinâmico. Há toda uma agenda a tratar;, avisa.
Na avaliação do especialista, não há mais uma distinção entre política externa e agenda externa, como havia no passado. E, como as regras mudaram, o país precisa participar desse processo. ;É preciso repensar tudo isso e a participação do Brasil no mundo;, comenta.
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Barbosa ao Correio:
Como o senhor avalia o cenário global para que o Brasil possa se posicionar de forma mais contundente no mercado?
O comércio internacional, por causa da crise de 2008, está crescendo muito mais lentamente do que no começo desse século, quando o governo Lula se beneficiou da grande expansão da economia e do comércio global. Neste ano, vai crescer menos de 2%.
Mas existe um momento de introspecção de muitos países importantes, como os Estados Unidos, por exemplo...
Sim. Teve uma parte de protecionismo, mas teve a crise das economias, que cresceram menos e o comércio cresceu menos ainda. Enquanto isso, houve grande transformação da negociação comercial. Porque a OMC (Organização Mundial do Comércio) entrou em crise, não conseguiu avançar a Rodada Uruguai e os acordos passaram a ser negociados fora da organização. Foram quase 400 acordos fora da OMC. Houve uma crise do multilateralismo, uma crise da economia global e do comércio exterior. O regionalismo se fortaleceu e esse foi um momento que se contrapôs à globalização, e vieram os mega-acordos comerciais, com o desenvolvimento de regras comerciais ou relacionadas ao comércio que foram totalmente negociadas fora da OMC.
O que isso significa?
Significa que o Brasil vai ter que repensar o seu modelo de desenvolvimento externo porque as condicionantes externas mudaram e não são as mesmas de 15 ou 20 anos atrás. Enquanto o mundo negociou 400 acordos comerciais, o Brasil fechou apenas três, dos quais só um está em vigência, o de Israel. Os com a Palestina e o Egito ainda não entraram em vigor porque não foram aprovados pelo Congresso Nacional. É preciso rediscutir a estratégia de negociação comercial. Temos que rediscutir as condições de produção no Brasil, de competitividade do produto. Se pegarmos as estatísticas de manufatura, a participação do segmento está caindo dentro do total da produção brasileira, porque tem uma enorme cadeia de custos. Do ponto de vista do cenário internacional, hoje, as coisas mudaram tão rapidamente e tão profundamente que não há mais uma distinção entre política externa e agenda externa como havia no passado. O país podia ficar fora das discussões e não acontecia nada. Agora ,não, se ficar fora, perde o pé. As regras mudaram. É preciso repensar tudo isso e repensar a participação do Brasil no mundo, como se inserir nas negociações comerciais.
E o que é necessário para isso?
O país precisa ter uma nova estratégia de negociação comercial. Também é preciso ter a aprovação das reformas pelo Congresso, como a trabalhista, a da Previdência e a tributária, que não só vão estabilizar a economia, como tornarão o país mais competitivo. Elas são importantes a médio prazo para a economia e para o comércio. Se analisarmos o contexto internacional, são muito importantes, assim como a facilitação do comércio. Temos de negociar uma convergência regulatória para o Brasil não ser um país exótico e só ele ter uma regulamentação específica. Não dá. Temos que voltar a ser um país normal.
E que país normal seria esse?
Um país que seja transparente, que seja amigável às companhias nacionais e internacionais, que tenha regras claras sobre investimento. É um país que seja previsível, que os investidores saibam que vão botar dinheiro a médio prazo e as regras não vão mudar a cada dois anos. É preciso ter continuidade nas políticas públicas, ter uma discussão transparente dessas políticas. Temos que acabar com a corrupção que é parte integrante dessa agenda. Enfim, é isso. O Brasil, para ser inserido no mundo, tem que mudar a cabeça. A crise e o caso suscitado pelo Japão e a União Europeia contra as desonerações da indústria automotiva e de informática no âmbito da OMC é sintomática. O que acontece agora é que existem regras que o Brasil nem aceitou e nem sabe o que são.
Mas essas desonerações que são questionadas foram resultado de um lobby forte da indústria, que a ex-presidente Dilma Rousseff acabou cedendo, sem melhorar as exportações...
Mas aí foi aquela bagunça. A política econômica equivocada estava dando errado. As distorções ocorriam muito fortemente e, para remediar essa perda de competitividade, o governo começou a tomar medidas que passavam por uma reforma industrial. Na verdade, a desoneração, os incentivos e tudo mais, além de serem ilegais, prejudicaram o caixa do governo. Foi menos dinheiro para a União em um momento em que se precisava de mais receita. Houve uma distorção muito grande da política econômica que se refletiu na própria produção. A produção ficou afetada, o sistema produtivo ficou afetado ; estou falando do industrial, o setor agrícola é outra coisa. A ausência de determinação de acompanhar o que estava acontecendo no mundo afetou a economia. Quero dizer, está desaparecendo gradualmente essa diferenciação entre política interna, econômica, comercial, e a agenda externa que o Brasil precisa recuperar.
A proposta de Donald Trump para a economia americana se assemelha à adotada pelo governo Dilma?
A questão do protecionismo que existe na Europa e com o Trump mostra um período de transição na economia global. Quando se fala em protecionismo nos EUA, é diferente do protecionismo no Brasil. Aqui, é para fechar a economia da competição externa. Nos EUA, é para eles obterem mais recursos com a importação porque os EUA são o maior mercado do mundo, e é aberto. Agora, se for aprovado o Imposto de Importação, será para eles obterem recursos adicionais para compensar o aumento do gasto que terão com o problema de infraestrutura, de um lado, e para estimular as empresas americanas a crescerem e gerarem trabalho lá. Não é como fechar a economia para não importar. Eles estão dizendo ;vamos continuar abertos e, se vocês quiserem exportar, terão de pagar um imposto aqui;. E para a empresa americana, eles criam incentivos para permanecerem nos EUA em vez de produzir na China. E no México, a mesma coisa.
Mas as empresas norte-americanas foram para a China justamente pelo elevado custo de mão de obra local...
Agora, como está aumentando o custo da mão de obra na China, tem menos incentivo para produzir lá. O que eu quero dizer é que está havendo uma grande transformação no mundo. E o Brasil está fora dessa discussão. E como entramos nessa discussão? Procurando estudar e se informar sobre essas novas cláusulas que existem nesses acordos de última geração, comparar com o sistema jurídico brasileiro para ver se elas são compatíveis ou não. E é preciso ter uma discussão não ideológica que, como diz o Trump, coloque o Brasil em primeiro lugar. E o interesse brasileiro, na minha visão, não é se fechar hoje. O mundo se abriu de tal maneira e está mudando de tal maneira que, se o país não estiver integrado nas cadeias produtivas e na economia global, vai ficando para trás. O Brasil está marginalizado.
De que forma está marginalizado?
Não está discutindo as regras, está perdendo mercados mais dinâmicos, as manufaturas estão caindo... E, nas exportações de produtos agrícolas, o Brasil não vende, ele é comprado. Não é preciso fazer esforço para aumentar a venda de produtos agrícolas porque os preços são cotados no mercado internacional. Mas a indústria não é contraponto da agricultura, elas são complementares. É muito bom que continuem crescendo a produtividade agrícola e a competitividade dos produtos agrícolas, porque 70% das nossas exportações vêm do campo. Isso tudo é muito positivo. Agora, como o Brasil é um país grande ; uma das 10 maiores economias do mundo ;, e tem um parque industrial diversificado, temos de pensar a política no sentido de integrar o Brasil ao mundo, sem prejudicar a indústria. Esse é o grande desafio que temos pela frente: como fazer abertura gradual sem prejudicar mais o que já foi prejudicada, a indústria nacional.
O senhor acha que uma abertura gradual é a saída, mas como fazer se existe o Mercosul?
Tem que combinar com os integrantes, porque a Argentina está igual. Eles também estão com problema de abertura, tão ou mais grave que o do Brasil. É preciso pensar colocando o interesse brasileiro acima de tudo quero dizer, o emprego... Porque quando falamos de comércio exterior, falamos de emprego. Comércio exterior tem a ver com competição. A competição é o que vai ajudar a melhorar o desempenho das empresas e sua participação no comércio global. Mas estamos fora do processo todo porque a nossa única preocupação é equilibrar a economia.
A balança comercial tem sido o único item do PIB que vem dando boas notícias. Mas o Brasil teve superavit no ano passado e deve ter recorde nesse ano porque as importações caíram muito e não houve crescimento expressivo
das exportações. Qual é a sua avaliação?
Neste ano está mudando. Em janeiro e fevereiro, cresceram as importações e as exportações. Nós temos de retomar medidas para fortalecer o setor exportador, e para isso, é necessário que se melhore a competitividade dos produtos brasileiros. Não tem saída. Por isso que essa agenda de reformas é importante. Discutimos muito as reformas como necessárias para estabilizar a economia, mas tem esse aspecto de comércio exterior muito importante. A diminuição do custo Brasil pela redução com as leis trabalhistas, com os impostos, com a melhoria da infraestrutura... Tudo isso aí é muito importante porque nós perdemos 15 anos nessa brincadeira.
A agenda externa do governo nos últimos anos era assento no Conselho de Segurança da ONU e Rodada Doha. Qual deve ser a agenda agora?
Isso era a agenda do Celso Amorim (ex-chanceller do governo Lula). Hoje, a agenda do Brasil é fortalecer a posição do país aqui na América do Sul. Tem muita coisa para fazer, da integração física às cadeias produtivas regionais. Se pegarmos os demais países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), os outros são potências regionais e têm uma posição firme, têm política em relação à região. O Brasil é o único que é uma potência regional sem uma visão clara do que ele quer que essa região seja. É um problema.