O número de segurados que têm uma parcela da renda comprometida com o pagamento de empréstimos tende a ser bem maior, já que o INSS não tem controle sobre outros financiamentos contratados pelos aposentados.
Com foco restrito no consignado, pode-se dizer que cada um dos beneficiários do INSS que contratou essa linha de financiamento deve, em média, R$ 5.104,46. Esse valor é três vezes maior do que o benefício médio pago aos segurados da Previdência em janeiro, de R$ 1.240,65.
[SAIBAMAIS]O crédito consignado tem sido a galinha dos ovos de ouro das instituições financeiras. Enquanto a crise econômica destruiu milhões de empregos e levou os bancos a restringirem a oferta de linhas de financiamento, o apetite delas por beneficiários do INSS só aumentou, já que o desconto em folha reduz muito a chance de calote.
Além de ser a única modalidade de crédito que não perdeu espaço, teve crescimento de dois dígitos, em plena recessão. O estoque de empréstimos com desconto em folha de aposentados e pensionistas cresceu 15,6% nos últimos 12 meses encerrados em janeiro.
A garantia de receber o pagamento diretamente do governo tranquiliza as instituições financeiras a manter os juros estáveis e garante a menor taxa de inadimplência do país, de apenas 1,9%. Nos últimos 12 meses, a taxa encolheu 0,7 ponto percentual, de 31,4% ao ano para 30,7%.
Armadilha
Entretanto, a facilidade para conseguir um empréstimo consignado é uma armadilha para quem não controla as finanças e tem prejudicado a vida de milhões de beneficiários do INSS. A pensionista Rita de Sousa Fernandes, 75 anos, é uma delas. Há dois anos contratou um financiamento com desconto em folha para pagar contas atrasadas. A operação comprometia R$ 175 do orçamento por 60 meses. Após um período de pagamentos e a abertura de margem com o aumento no valor do benefício, o gerente do banco fez a ela nova proposta, que foi prontamente aceita.
Sem qualquer controle sobre quanto paga mensalmente à instituição, Rita sabe apenas o valor que recebeu quando sacou o benefício, porque estava com o comprovante da operação na carteira: ficou só com R$ 913 para as despesas do mês.
Esse dinheiro é usado para pagar contas, comprar remédios e comida. Ela não se lembra da última vez em que comprou uma roupa. Com a filha e uma das netas desempregadas, Rita tem sido o esteio da família. Diante da perspectiva de mudanças nas regras para concessão de benefícios, corre para solicitar um benefício adicional, por idade, para pessoa com deficiência, já que é cega de um olho.
Caso o texto que tramita no Congresso Nacional seja aprovado antes do requerimento, Rita não terá direito a acumular os dois benefícios. ;Não está fácil. Quem diz que a vida começa após os 60 está profundamente enganado;, resume.
Incentivo ao consumo
O crescimento explosivo nas concessões de crédito consignado ocorreu durante as gestões de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, que mantiveram o incentivo ao consumo mesmo após a deflagração da crise econômica. Em setembro de 2015, o Congresso Nacional autorizou os beneficiários do INSS a comprometer até 35% da remuneração com empréstimos com desconto em folha ; antes eram 30%. O texto definiu que o limite adicional deve ser usado, exclusivamente, para o pagamento das despesas contraídas por meio de cartão de crédito, de modo a reduzir o comprometimento com essa linha de crédito, mais cara.
Um ano antes, em setembro de 2014, o Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) aprovou a elevação de 60 meses para 72 meses no prazo de pagamentos desses financiamentos. À época, o extinto Ministério da Previdência Social calculou que a medida resultaria em um incremento anual de R$ 23,7 bilhões no volume contratado pelos aposentados e pensionistas.
Especialistas recomendam que o consignado seja usado pelos beneficiários do INSS somente em uma emergência, jamais para consumir. O ideal, destacam os educadores financeiros, é que, ao longo da vida, uma poupança seja formada para garantir a queda de renda que ocorre no momento da aposentadoria, já que existe um teto para os benefícios.