Quem nunca teve problemas ao comprar algo no Brasil pode se considerar uma pessoa de muita sorte. Mesmo após a consolidação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), as armadilhas no comércio e na prestação de serviços continuam em todos os lugares, até nos mais inusitados. Por exemplo, dentro de um forno.
Muitos consumidores descobrem, depois de pagar um bom preço pela mercadoria, a falta de peças fundamentais. E elas, em geral, também custam caro. É uma imitação do que já se tornou prática na venda de veículos, produtos que vêm ;pelados;: nem mesmo tapetes estão incluídos no preço anunciado. Especialistas ensinam como fugir das pegadinhas do comércio.
O engenheiro Nelson Felipe , 55 anos, pagou R$ 600 por um fogão com forno e ficou estupefato ao ver que o eletrodoméstico não tinha a lâmpada. Ao procurar pela peça, descobriu que custava R$ 200. A servidora Márcia Moreira, 57, enfrentou o mesmo problema, e com um produto bem mais caro. Ao pagar R$ 1,3 mil pelo fogão, esperava que o aparelho viesse completo. ;A gente tem que correr atrás de peças. E, muitas vezes, não acha, porque elas têm que ser as originais e feitas exatamente para aquele modelo. Se for uma lâmpada diferente, vai durar menos;, afirma.
Problemas com a compra de produtos a professora Sandra Brusasco, 31 anos, teve vários. Ela comprou um climatizador por R$ 400, que parou de funcionar três meses depois. Como ainda estava na garantia, ela foi à loja e exigiu o conserto, mas foi surpreendida pela resposta. ;A gerente disse que precisava de um tempo para pedir a peça, que iria demorar alguns dias para chegar. Quando retornei, ela desconversou. Disse para ;eu correr atrás dos direitos;, ou seja, procurar o Procon (Instituto de Defesa do Consumidor), declara.
Sandra também adquiriu um sofá por R$ 3 mil. Como de praxe, o vendedor prometeu que o produto era de qualidade e, por isso, valia a pena pagar o valor. Após algum tempo de uso, ela percebeu que os pés do móvel nunca estiveram lá. ;Tive que comprar peças fajutas para colocar no lugar. Isso já tinha acontecido antes. Comprei um fogão sem a lâmpada. Até hoje, estou sem ela;, lembra a professora, para quem ;é um absurdo; ter que correr atrás de itens para produtos recém-adquiridos. Uma consumidora que prefere não ser identificada escolheu um liquidificador em loja de eletrodomésticos e descobriu que teria de pagar o copo à parte.
Omissão
As pegadinhas do consumo, no entanto, não se limitam à falta de peças. Sônia Amaro, advogada e representante da Proteste ; Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, assinala que muitas empresas ainda têm a mentalidade de não respeitar o direito do consumidor. ;Elas têm práticas que realmente induzem ao erro;, diz. Sônia ressalta, no entanto, que, dependendo de que como foi feito o trato para a aquisição do produto, é possível ao consumidor reclamar e demonstrar que foi enganado.
;Quando o CDC fala sobre o direito à informação, determina que tudo tem de estar muito claro. Mas o problema não é a ação da empresa. Muitas vezes, é a omissão dela que leva o consumidor ao erro. Nesse caso, o fornecedor viola o código;, afirma. A falta de informação correta por parte de uma loja levou a empresária Lu Alves a ter um gasto com o qual não contava. ;Eu tinha como certo que, ao comprar um móvel, a loja entregaria o produto montado. Não sabia que essa prática tinha mudado;, diz.
Ao ver, em um site de varejo, um armário a R$ 299, preço que considerou bom, a empresária fez a compra. ;Quando o rapaz da entrega veio, eu perguntei quando iriam enviar os montadores. Ele disse que a loja não fazia esse trabalho;, revela. Lu destaca que a rede deveria ter avisado que não fornecia montador ou incluir o serviço, ainda que com acréscimo. ;No fim das contas, o armário não saiu tão barato. Tive que procurar por um profissional, que me cobrou R$ 100, um terço do valor do produto;, lamenta.
A especialista da Proteste Sônia Amaro lembra que outro tipo muito comum de irregularidade é praticado pelas operadoras de telefonia móvel e tevê por assinatura. ;Elas entram em contato com o consumidor, oferecem condições e preços bons, com descontos sobre a concorrência, mas não informam que aquilo tem um prazo. Depois disso, o cliente pagará um preço muito maior;, revela.
O agente do mercado financeiro Luís Afonso Amaral, 61 anos, recebe diariamente ofertas de companhias telefônicas. Diz que as empresas oferecem planos e promoções que ele sabe que prejudicarão seu orçamento. ;Ligam até à noite. Eu peço para não me procurarem mais, deixando isso registrado, mas não adianta. Querem empurrar tudo para você, quase que à força;, declara.
Garantia estendida
Outra armadilha, alerta Sônia, é a garantia estendida. ;As redes de varejo ou lojas de departamento sempre empurram a garantia extra na venda de eletroeletrônicos. Mas, na verdade, é um seguro cheio de exclusões. Quando precisar usar, o consumidor descobre que muitas coisas não estão cobertas;, afirma. Ela recomenda às pessoas se munirem do máximo de elementos para comprovar que foram induzidas ao erro. ;Vale imprimir a tela com as condições de pagamento ou fotografar. Não cabe ao consumidor provar que está certo, quem tem de demonstrar que está certa é a empresa. Mas quanto mais ferramentas tiver na hora de procurar um órgão de defesa, melhor;, orienta.
A especialista também destaca que a informação divulgada deve ser cumprida. Por exemplo, se o preço de um produto está na etiqueta ou na prateleira, aquele valor é o que deve ser cobrado. Contudo, nem sempre é assim. O casal de empresários Ademar Samaroni, 47, e Anelize Emanuele Costa, 40, teve problemas dentro de uma loja de roupas esportivas. Ele viu uma bermuda na vitrine por R$ 59,90 e decidiu comprá-la. Na hora de pagar o produto, a gerente disse que, na realidade, o preço era R$ 99. ;Eu fiquei furioso e ia pegar a bermuda do balcão para tirar uma foto e comprovar. Mas, no que eu tirei o celular do bolso, a gerente pegou a roupa e mudou a etiqueta, como se nada tivesse acontecido;, reclama.
Para evitar dor de cabeça na hora da compra, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) orienta que, nas operações realizadas pela internet, o consumidor imprima as páginas do anúncio com as características da mercadoria e atente para a comprovação da oferta. O instituto informa, ainda, que o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) assegura que todas as compras realizadas fora do estabelecimento físico ; na internet, em catálogos ou por telefone ; podem ser canceladas no prazo de sete dias, a partir da entrega do produto.
* Estagiário sob supervisão de Simone Kafruni