O nível de constrangimento chegou a tal ponto que, durante a reorganização no setor onde trabalhava, Isa foi isolada em um cubículo sem ventilação para que não tivesse acesso à equipe de trabalho. As informações sobre as rotinas da área não eram compartilhadas com a servidora para que não recebesse tarefas.
Sem entender o motivo das humilhações, ela entrou em depressão, engordou e perdeu a alegria de ir todos os dias para o ministério. Chegou a ser colocada à disposição dos Recursos Humanos, sem uma explicação razoável. ;Precisei procurar um psicólogo e um psiquiatra. Tomei remédios e só não piorei porque busquei Deus. Não entendia por que passava por toda aquela situação;, relembra.
Orientada por outros colegas, passou a documentar os atos dos chefes e criou coragem para fazer uma denúncia na Ouvidoria-Geral da União (OGU), após quase cinco anos de maus-tratos. A queixa foi encaminhada ao Ministério da Saúde, que determinou a abertura de uma sindicância. Durante a apuração preliminar, ficou constatada a necessidade de ser instaurado um processo administrativo disciplinar, que ainda não foi concluído pela pasta. Paralelamente a isso, Isa decidiu, em 2008, encaminhar uma denúncia ao Ministério Público Federal (MPF), que submeteu o caso à Justiça.
Punição
Os dois foram condenados em 2013 por assédio moral e improbidade administrativa. O juiz determinou o pagamento de multa, perda dos direitos políticos por três anos, a perda de função pública e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios e incentivos fiscais. ;Hoje encorajo todas as pessoas a denunciarem se sofrem assédio moral. Atualmente, estou em um lugar que eu gosto e sou bem tratada, mas sofri demais até chegar aqui;, diz. Procurado, o Ministério da Saúde informou que o processo administrativo disciplinar já foi encerrado e, atualmente, encontra-se em fase final de construção do parecer jurídico.
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Casos como o de Isa são comuns em todo o país, mas o medo de denunciar, a falta de informações sobre o tema e o desconhecimento da população sobre os danos causados pela prática dificultam a reação das vítimas. Dados inéditos obtidos pelo Correio com a Controladoria-Geral da União (CGU) mostram que, entre 2014 e 2016, cresceu o número de processos administrativos instaurados para apurar os maus-tratos psicológicos no ambiente de trabalho .
Há dois anos, 90 processos foram abertos para investigar denúncias. Naquele mesmo ano, houve cinco advertências aplicadas como punição, dois servidores destituídos de funções de comissão e outros dois, suspensos. Em 2015, a quantidade de apurações cresceu 51,1% e chegou a 136 casos, o que significou uma média de um processo aberto a cada 62 horas. No ano passado, foram aplicadas quatro advertências, duas demissões efetivas de cargo, duas destituições de cargo de confiança, nove suspensões e três multas.
Aumento
Entre janeiro e setembro de 2016, 118 processos administrativos foram instaurados pela CGU sobre o tema assédio moral, uma média de um caso a cada 55 horas. Neste ano, quatro advertências foram aplicadas, três suspensões e uma multa. Além das apurações, 18 denúncias foram feitas em ouvidorias do Executivo sobre o tema assédio moral em 2015 e outras 89 até setembro de 2016. O chefe de gabinete da Corregedoria-Geral da União (CRG), Armando de Nardi Neto, explica que os dados de processos disciplinares, bem como as sanções decorrentes das apurações passaram a ser classificadas por assunto somente em 2013. A CRG e a OGU são parte da CGU.
Uma dificuldade enfrentada nas apurações é que a Lei n; 8.112 não define o assédio moral, o assédio sexual e o racismo como infrações. Apesar disso, o chefe de gabinete da CRG destaca que a norma determina penalidades para condutas específicas, as quais podem, a depender das circunstâncias, caracterizar o assédio. ;Os atos que caracterizam assédio são penalizados com base no descumprimento de deveres e proibições previstas em lei. São deveres do servidor manter conduta compatível com a moralidade administrativa e tratar com urbanidade as pessoas;, destaca.
Além disso, o artigo 132 da lei determina que a demissão de um servidor será aplicada em casos de incontinência pública e conduta escandalosa na repartição. Nardi argumenta que as sanções aos atos de assédio representam uma forma eficaz de inibir a prática, uma vez que demonstram a não aceitação da prática na administração pública. ;Mas entendemos que ações preventivas e de conscientização também são importantes na prevenção desse tipo de prática;, alerta.
O procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, considera que o tema precisa ser amplamente debatido, já que muitos trabalhadores preferem se submeter ao assédio e manter o emprego a denunciar. Em outros casos, desconhecem que os maus-tratos são irregularidades e podem ser punidos. Para ele, o Legislativo precisa aperfeiçoar as normas existentes no país para punir quem comete o crime. ;O assédio moral nunca ocorre com uma pessoa. Ele atinge toda a coletividade, ainda que direcionado a uma pessoa;, alerta.