As linhas de crédito emergenciais e mais caras do mercado, como cheque especial e cartão de crédito, seguem com ampla oferta nos principais bancos brasileiros. Uma pesquisa da associação de consumidores Proteste mostra que esse crédito pré-aprovado e, portanto, disponível a qualquer momento e sem burocracia, pode superar em praticamente quatro vezes a renda dos consumidores.
Em um cenário de aumento do desemprego, queda da renda e persistência da inflação, o "dinheiro fácil" é um risco para os menos organizados com o orçamento. Um dos erros mais comuns, apontam os especialistas, é recorrer com frequência a esses limites, como se eles fossem uma extensão da renda.
"O credito pré-aprovado já está na conta, não precisa de autorização, e o consumidor acaba sendo fisgado pela facilidade e se enrola facilmente", afirma Renata Pedro, técnica da Proteste.
O levantamento contabilizou todo o dinheiro liberado pelos bancos em três perfis reais de consumidores: uma mulher, com renda de R$ 5 mil, e dois homens, com rendimento de R$ 5 mil e de R$ 10 mil, respectivamente.
Nos três casos, a remuneração mensal representa o máximo ganho dos entrevistados em um mês porque, de acordo com a Proteste, parte da renda deles depende de fatores variáveis, como hora extra ou comissão. Isso significa que, num mês de vacas mais magras, a oferta de crédito representa, proporcionalmente, um peso ainda maior sobre o que esses consumidores têm disponível para pagar as contas.
No caso mais extremo encontrado, o consumidor com conta no Itaú Unibanco e salário de R$ 10 mil dispunha de um limite R$ 21,6 mil no cheque especial, valor que se somava a R$ 16,1 mil disponíveis no cartão de crédito. Isso sem contar que, no crédito pessoal, o banco oferecia outros R$ 55 mil, com possibilidade de parcelamento em 24 ou 48 vezes.
Procurado, o Itaú informou, em nota, que os limites de crédito levam em conta a renda do cliente e o histórico de relacionamento. O banco afirma, ainda, que revisa periodicamente o perfil dos correntistas e, com base nisso, pode reavaliar os limites quando notar qualquer mudança que eleve o risco.
O Santander, também apontado na pesquisa como um dos que mais oferecem crédito, afirmou que não teria ninguém disponível para comentar.
Crédito farto
"A oferta de crédito é frequente e farta, inclusive para aqueles que não têm mais capacidade de pagamento. Muitos bancos e financeiras têm o costume de ligar oferecendo novas linhas de crédito como um benefício", destaca Renata.
O alto volume de crédito disponível é prejudicial não só porque, de largada, ultrapassa o que o consumidor pode pagar. Como são linhas com alto risco de calote, os juros também estão nas alturas. No rotativo do cartão de crédito, por exemplo, a taxa chega a 470% ao ano e é a mais cara do sistema financeiro, segundo os dados mais recentes do Banco Central.
No cheque especial, a conta é um pouco menor, mas está longe de ser barata: 318% ao ano. E essa escalada não dá trégua. A taxa de juros do cheque especial vem subindo todos os meses nos últimos três anos, ignorando até a trajetória da Selic, referência para o custo do dinheiro, que está estacionada em 14,25% ao ano desde julho de 2015.
Os especialistas destacam, porém, que não está só com os bancos a responsabilidade de se evitar os altos níveis de endividamento "Os bancos precisam oferecer crédito consciente, mas também é dever do consumidor ter um orçamento equilibrado e não gastar mais do que deve", afirma Renata.
Para a planejadora financeira Viviane Ferreira, faltam conhecimento e educação financeira para entender o momento em que a conta parou de fechar. "Os consumidores precisam acompanhar o orçamento o tempo todo, planejar os gastos semana a semana e fazer adaptações conforme os gastos imprevistos apareçam."
O diretor da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel José Ribeiro de Oliveira, explica que não é só a renda que determina o limite do consumidor banco. Histórico de pontualidade nos pagamentos, por exemplo, também são considerados. De todo modo, Oliveira ressalta que essa política mais agressiva de crédito ficou para trás e não é mais praticada para os novos clientes que hoje entram nos bancos.
Além de prejudicar o padrão de vida, o descontrole dos gastos mensais atrapalha o planejamento para o futuro. "O consumidor reluta em aceitar que a renda de hoje deve garantir o padrão de vida também na aposentadoria", afirma.
E nem os mais preocupados com a velhice estão imunes ao mal uso do dinheiro. Viviane explica que, em muitos casos, a ânsia em respeitar todos os compromissos mesmo quando a conta está no vermelho ajuda a perpetuar decisões equivocadas. "Se um plano de previdência mal rende 1% ao mês, qual é o sentido de pegar dinheiro por mais de 10% mensais no cheque especial ou cartão para pagá-lo?", questiona. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.