O Correio conversou com três fundadores de startups sobre as maiores dificuldades para empreender no país. A brasiliense Jéssica Behrens é fundadora do tradr, aplicativo de trocas de objetos conhecido como o ;Tinder dos produtos;. Roberto Mascarenhas fundou a IPe, empresa de engenharia de redes, e se prepara agora para lançar um novo empreendimento. Gabriel Braga é CEO da QuintoAndar, startup imobiliária que atua no estado de São Paulo e anunciou neste mês um aporte de US$ 7 milhões.
O investimento
O aplicativo tradr foi criado por Jéssica Behrens, estudante de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), e desenvolvido em Harvard. A brasiliense conta que foi mais fácil conseguir quem comprasse a ideia lá nos Estados Unidos: o processo é muito parecido, mas a diferença está no perfil dos investidores. ;Os brasileiros são mais conservadores que os americanos e por isso o nosso país não desponta em relação à tecnologia e inovação;, compara.
Segundo Behrens, o investidor americano se preocupa mais com o desenvolvimento de um patrimônio e tem a mentalidade focada na próxima década. Já o brasileiro, de acordo com a empreendedora, procura mais informações sobre a monetização do produto e quer resultados concretos em poucos anos. ;Ideias como o Facebook ou WhatsApp nunca nasceriam aqui, pois não iam encontrar investimento. Como assim, mandar mensagem de graça? Não dá dinheiro;, ironiza.
Roberto Mascarenhas chama os investidores brasileiros de tradicionais e afirma que são avessos a riscos. ;Se a ideia parece diferente ou arriscada, vai ser muito mais difícil;, ressalta. Para o empresário, é necessário ter um modelo de negócios bem consolidado e provado para ter chance de conseguir investimento.
O fundador da QuintoAndar, Gabriel Braga, acredita que a startup foi, de certo modo, privilegiada na busca por investimento e não passou pelas dificuldades mais frequentes no mercado. ;Pudemos escolher o fundo que poderia agregar mais valor, o que é raro no Brasil;, conta. Segundo o empreendedor, o diferencial foi que os investidores entenderam que o produto era único e viram na exclusividade uma oportunidade.
Jéssica explica que essa mentalidade do investidor está relacionada ao modo como o brasileiro encara o empreendedorismo. ;Aqui, é mais valorizado ter um emprego estável, então há um entrave psicológico para ter uma postura empreendedora;, afirma. A brasiliense conta que já ouviu muitos comentários sobre a ;facilidade; de trabalhar com aplicativos, mas explica que se trata de um emprego em tempo integral e que trabalha 14 horas por dia para garantir o sucesso do tradr.
A burocracia
;Inscrevi o projeto em Harvard, eles gostaram e perguntaram meu nome e e-mail. Pediram só isso porque estavam interessados;, conta Jéssica Behrens, que, antes de levar o projeto para os Estados Unidos, já havia tentado desenvolvê-lo na UnB. A estudante afirma que, na época, só tinha a ideia e precisava de apoio para criar o aplicativo. Mas, para fazer isso na universidade, precisaria de CNPJ, contador, advogado e contrato social, investimento inicial que poderia chegar a R$ 1 mil. ;A burocracia mata. Só aí, já morre um monte de gente que poderia ter tido sucesso;, diz.
A principal característica de uma startup é que é um tipo de negócio que deve evoluir rápido e precisa ser escalável. Mas, para isso, Behrens destaca que é preciso gastar o mínimo possível até descobrir como monetizar o produto; por isso, muitas startups começam na informalidade. A pesquisa GEM 2015 evidencia que, dos novos empreendedores, apenas 17% tem CNPJ, mas que ter o cadastro diferencia positivamente o negócio.
Para Mascarenhas, a burocracia no país é algo a ser esperado no cotidiano do empreendedor. ;Tem gente que vende como algo muito ;glamuroso;, mas 99% da vida é dificuldade;, afirma. O empresário destaca ainda as complicações tributárias: além do número de impostos, ele conta que é difícil descobrir quais são e como pagá-los.
A mão de obra
Gabriel Braga, CEO da QuintoAndar, testemunha que é difícil encontrar as pessoas certas para trabalharem no empreendimento. O processo é demorado e caro, segundo o empresário, mas vale a pena ter a ;equipe que vai fazer o negócio crescer de um jeito legal;. A startup paulista, fundada em 2013, procurou profissionais com experiência em empresas como o Google e a Microsoft.
A dificuldade de encontrar mão de obra qualificada é ainda mais forte na área de tecnologia, segundo Jéssica Behrens. ;Progamadores são caros e, com tanta oferta de emprego, é difícil manter o profissional com você;, explica a empreendedora, que completa: ;Conheço muita gente com boas ideias, mas falta quem execute;.
A solução encontrada por Roberto Mascarenhas na empresa IPe foi investir na formação dos profissionais. ;Contratamos pessoas novas e com pouca experiência, mas com muita garra;, completa.
Investidor anjo x venture capital
O processo para conseguir investidores é dividido em etapas. Jéssica Behrens explica que o aporte inicial geralmente vem do bolso do próprio empreendedor ou da contribuição de amigos e familiares. Depois, vem o investidor anjo, que contribui com uma quantia pequena, mas fundamental para o desenvolvimento do negócio ainda ;em fase de prototipação; (testes). É uma pessoa física que está interessada no futuro do projeto. Quando a empresa amadurece, passa para o investimento de venture capital: nesse estágio, já tem um número maior de usuários e monetização.
Gabriel Braga, da QuintoAndar, conta que o investimento de US$ 7 milhões recebido pela startup veio de um investidor de venture capital, chamado de investidor de risco. As empresas que precisam captar recursos passam por várias rodadas de investimento. ;A ;rodada A; é o primeiro marco no crescimento, quando entram investidores especializados. São muito exigentes e dão aportes para menos de 1% das empresas que os procuram;, afirma. Em troca, as empresas de venture capital recebem uma participação no negócio.