Em meio à grave crise política que estraçalha a economia, estados e municípios estão vendo as finanças ruírem. Dados projetados com base em informações disponibilizadas pelo Banco Central mostram que, em novembro, as dívidas dos entes da Federação atingiram R$ 748 bilhões, superando em R$ 105 bilhões (16,3% a mais) o total registrado em dezembro do ano passado (R$ 643 bilhões).
O aumento dos débitos decorre, sobretudo, da disparada da inflação. A maior parte do endividamento é corrigida pelo Índice Geral de Preços ; Disponibilidade Interna (IGP;DI), calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV). O indicador apontou alta de 10,21% no ano, sendo 1,19% no mês passado. Por conta desse salto, combinado à queda das receitas, devido à recessão na qual o país está mergulhado, governadores e prefeitos enfrentam dificuldades até para pagar salários de servidores.
O quadro é dramático, reconhecem os especialistas. Para eles, como os olhos estão voltados quase que exclusivamente para o governo federal, que poderá registrar rombo de até R$ 119,9 bilhões neste ano, muitos não se dão conta de que estados e municípios estão à beira da insolvência. Não será surpresa se, além de atrasarem o pagamento do funcionalismo, governadores e prefeitos suspenderem serviços básicos à população por falta de caixa.
A recessão pegou em cheio a arrecadação de tributos. No governo federal, o tombo na receitas diminui os repasses para estados e municípios. Os governadores, por sua vez, viram a principal fonte de renda, o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), desabar. A situação só não esta pior porque os preços dos combustíveis e da energia elétrica dispararam. Pelo menos 49% das receitas do ICMS têm origem nas tarifas públicas.
Mudança
Atualmente, mais de três quartos da dívida de estados e municípios são corrigidos pelo IPG-DI, além de juros que variam de 6% a 9% ao ano. Até 31 de janeiro de 2016, o governo federal, credor dos entes federativos, será obrigado a substituir o indexador pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com taxa máxima de juros de 4% ao ano. A mudança foi reivindicada por prefeitos e governadores, uma vez que a dívida tem crescido, em média, a 20% ao ano.
A União resistiu o quanto pode à mudança dos contratos. A presidente Dilma Rousseff alegou que não havia espaço orçamentário para tal alteração. Mas quando prefeitos aliados entraram na Justiça, entre eles o do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), e a Câmara aprovou a alteração em até 30 dias, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, foi obrigado a costurar um acordo com os senadores para que a troca de indexadores ocorresse apenas em 2016.
Estímulos políticos
Raul Velloso, especialista em finanças públicas, destacou que os problemas de estados e municípios começaram a partir de 2012, quando o governo federal os autorizou a se endividarem com o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Essa decisão, acrescentou ele, foi tomada porque o Executivo apostava que a medida, somada ao incentivo ao consumo das famílias, manteria a economia aquecida, o que não ocorreu. ;Foi uma decisão política, misturada com uma crença de que o pau na máquina salvaria o país;, afirmou.
Na avaliação de Velloso, o que torna o quadro mais preocupante é que recursos tomados por estados e municípios não foram usados da maneira adequada. Pior: a economia que vinha sendo feita para pagar os juros da dívida foi minguando ao mesmo tempo em que aumentava o passivo e as despesas obrigatórias. O resultado foi a situação fiscal dos entes da Federação se deteriou por completo. Um dos casos mais emblemáticos é o de Alagoas. Até dezembro de 2014, a dívida do estado correspondia a 67,5% das receitas. Em outubro deste ano, chegou a 74,2% ; alta de 6,7 pontos percentuais. No Distrito Federal, no mesmo período, o tamanho da dívida em relação as receitas passou de 12,2% para 22,2%.
Para Velloso, com os orçamentos engessados pelo aumento das dívidas e pelos gastos maiores com o funcionalismo, estados e municípios terão dificuldades para colocar a casa em ordem com a queda na arrecadação. ;Assim, os governos regionais tendem a não colaborar com o Executivo federal para o superavit primário. A situação é grave;, comentou. Na opinião de José Matias-Pereira, especialista em finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB), parte dos problemas de estados e municípios está relacionado à falta de regras tributárias simples e claras, que estimula a guerra fiscal. ;A crise que vivemos do ponto de vista político e econômico acelerou o processo de deterioração das finanças de estados e municípios, e não há luz no fim do túnel;, frisou.
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