postado em 06/11/2014 06:00
Filha de fazendeiro, Alessandra Sodré, de 32 anos, cresceu entre plantações de laranjas e acostumou-se a ver o pai fechando negócios com distribuidores e varejistas. No entanto, a enorme quantidade de frutas que era deixada para trás após as empresas concluírem os pedidos lhe chamava a atenção. ;Os produtos não tinham qualquer problema. Como a indústria fechava as encomendas, o excedente era simplesmente descartado;, lembra. A jovem teve, então, uma ideia. Entrou em seu perfil em uma rede social e publicou a seguinte mensagem: ;Vendo laranjas fresquinhas, direto da fazenda;. No dia seguinte, recebeu mais de 20 pedidos. ;Foi quando percebi que poderia transformar isso em business;, conta. Assim como Alessandra, cada vez mais pequenos e médios produtores têm enxergado na internet, não só uma vitrine para expor suas marcas, mas um eficiente canal de vendas capaz de atingir diretamente o consumidor final, permitindo abrir mão de intermediários e aumentar os lucros.
Criada em 2012, a é um exemplo de como uma boa ideia aliada a uma gestão profissional pode resultar em um caso de sucesso. ;Quando começamos era eu mesmo que fazia as entregas. Hoje tenho dois funcionários que atuam na distribuição e uma equipe que trabalha comigo no escritório;, diz, orgulhosa a empreendedora. Por mês, a empresa, que atua na região de Sorocaba (SP) e na capital paulista, vende aproximadamente oito toneladas de frutas. Com a demanda cada vez maior, a empresária já pensa em expandir o negócio e atender o restando do estado.
Para afinar o serviço, Alessandra acompanha de perto cada passo, que vai da colheita à distribuição. ;O período entre a colheita e a entrega ao cliente é de, no máximo, três dias;, garante a empreendedora, que teve adquirir uma van para cuidar exclusivamente da distribuição. Segundo ela, a possibilidade de comprar uma fruta fresca direto do campo pela web é o que a diferencia da concorrência. ;A maioria das laranjas compradas em feiras e supermercados são colhidas e enviadas para a indústria, onde são separadas por tamanho, lavadas, enceradas, encaixadas e, somente após esse processo, são distribuídas. As nossas são colhidas e já ensacadas para a entrega;, explica.
A empresária também se cercou de profissionais que são cobrados para trazer as melhores práticas ao negócio. Agrônomos contratados orientam desde a plantação até a melhor forma de manejar os produtos. ;Fazemos uma seleção cuidadosa. Antes de distribuirmos as frutas, os sacos são analisados para que não haja nenhuma laranja amassada ou estragada;, afirma.
Ao montar o site, preocupou-se com o design e com as possibilidade de o cliente efetuar o pagamento do pedido. ;Por meio da internet conseguimos organizar as entregas com maior agilidade. Também oferecemos meios de pagamento ao cliente que nos permite agilizar as vendas;, acrescenta. ;O e-commerce está cheio de pessoas querendo vender e oferecer algo novo, com uma qualidade diferenciada. No fim, isso faz toda diferença;, acredita.
Novo perfil
De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócios (AMBR), Daniel Baptistela, o produtor de hoje tem um perfil muito diferente daquele homem do campo de décadas atrás. ;Com o passar do tempo, os filhos vêm assumindo os negócios da família, trazendo mais qualificação e novidades. Ele sabe que para evoluir é preciso estar aberto às novas tecnologias e que essas ferramentas são fundamentais para o crescimento de uma marca;, ressalta.
Mesmo com as dificuldades de se levar conexão de internet para os rincões de um país continental como Brasil, esse novo profissional não abre mão de se atualizar e vê na web uma possibilidade para incrementar os negócios. De acordo com um levantamento feito pela AMBR, 40% dos produtores rurais do país declararam fazer uso regular da internet e 47% disseram estar presente nas redes sociais.
;Quando uma marca vai para a internet ela se potencializa. A venda on-line faz com que um produto chegue de forma mais consistente no consumidor final, sem ter que passar por dois, três intermediários. O e-commerce é um meio que permite que o agricultor se liberte de certas barreiras e expanda os horizontes;, opina.
A descoberta pelo novo canal de vendas pode ser explicada pelos expressivos números do setor. Somente nos seis primeiros meses deste ano, o e-commerce brasileiro ganhou 5 milhões de novos consumidores, como revela dados divulgados pela consultoria Ebit. São pessoas que adquiriram, pela primeira vez, algum tipo de produto ou serviço de forma on-line. O número é 27% superior ao alcançado no primeiro semestre de 2013. A previsão é fechar o 2014 com um total de 63 milhões de e-consumidores.
Vinhos pela web
É pela web que parte dos vinhos produzidos pela vinícola , localizada na pequena cidade de Itaqui, no Rio Grande do Sul, são vendidos. Ao modernizar o negócio da família, Pedro Candelária, de 33 anos, abriu as porteiras da propriedade, que tem mais de 150 anos de tradição, para clientes de todo o país e do exterior. Atualmente, as vendas realizadas pela loja virtual representam algo em torno de 10% a 15% do faturamento total da empresa.
Devido ao aumento do volume de pedidos, novos funcionários tiveram que ser contratados para atender a alta demanda de e-mails, assim como cuidar da preparação das encomendas. Preocupado com a qualidade dos serviços, Candelária explica que busca sempre aperfeiçoar procedimentos importantes ao negócio, como a logística e o atendimento ao cliente. ;Vender on-line implica uma presença forte e constante. Verificamos o que está funcionando mal e tentamos melhorar, além de buscar investimento constante para conseguir um melhor retorno e a satisfação do consumidor;, relata, defendendo que a credibilidade é o ponto chave do e-commerce. ;O cliente que compra on-line sabe o que quer. É um conhecedor sobre o mundo dos vinhos. Por isso temos o cuidado de disponibilizar o máximo de informações possíveis como prazos de entrega, meios de pagamentos e diferentes tipos de frete. Tratamos os consumidores como gostamos de ser tratados;, relata.
De acordo com o professor especialista em gestão de agronegócios da Universidade de Brasília Luiz Guilherme de Oliveira, o e-consumidor exige um tratamento atencioso em todas as etapas da venda. ;É uma parcela da população que está disposta a pagar um preço premium por um produto com padrões elevados de produção. No entanto, a tolerância dele para erros é mínima. Esse cliente quer ser bem tratado, quer receber o item no prazo definido, com uma boa apresentação, senão tudo pode ser colocado em xeque;, alerta.
Toda a engrenagem do funcionamento da empresa, que vai desde a parte de tecnologia da informação (TI), com servidores e sistemas que mantêm o site de vendas no ar, até a logística, deve estar muito bem azeitada para evitar perdas. ;É importante ter um controle muito bem feito. Para isso existe a engenharia de produção, que possibilita controlar estoques e não ter prejuízos;, salienta.
A partir do momento em que as diferentes etapas do negócio on-line estão bem alinhadas, é possível, então, focar no portfólio de produtos, oferecendo linhas diferenciadas e com alto valor agregado para se diferenciar da concorrência. ;Essa nova forma de comercialização atende às necessidades que a nova sociedade exige. O e-commerce é uma tendência que a vida moderna impõe e acredito que veio para ficar;, opina Oliveira, citando grande centros como Nova York, Paris e Toronto, onde a compra de frutas, verduras e legumes direto do produtor já é uma realidade.
Ardidas, mas lucrativas
Foi apostando neste público-alvo diferenciado que Priscila de Ávila, de 45 anos, resolveu espantar o mau-olhado e ainda faturar alto com isso. Após começar uma plantação de pimentas nacionais e ver que as vendas, mesmo em grande quantidade, não garantiam o retorno que ela desejava, a empresária resolveu focar em um nicho exigente: o dos clientes que procuram por especiarias extremamente picantes. ;Comecei a reparar que, quanto mais forte o sabor, mais as pessoas gostavam;, lembra.
Foi aí que surgiu o interesse pelas pimentas estrangeiras, entre elas, as mais ardidas do mundo como a ;Bhut Jolokia;, de origem indiana, e a ;Trinidad Scorpion;, muito popular em Trinidad e Tobago. Após importar as sementes e estudar à fundo as iguarias, ela passou, então, a cultivar as plantas no sítio localizado no Lago Oeste, região que fica a 25 minutos de Brasília. ;Trabalhamos com muito carinho. Os frutos são colhidos um a um, tudo de forma manual;, conta orgulhosa. Atualmente, Priscila cultiva 90 diferentes espécies derivadas de mais de 60 países.
A forma cuidadosa de tocar o plantio, apenas com a ajuda de um funcionário, se reflete na elaboração de uma variedade de molhos e de geleias gourmet, que recebem nomes pra lá de inusitados como ;La Matadora;, ;Sangue de Dragão; e ;Picada de Escorpião;. A lista de clientes é extensa e vai de curiosos e chefes de cozinha até ;pessoas que querem fazer brincadeiras com a sogra;, revela.
Para aumentar a visibilidade, a empresária voltou as atenções para a internet. Com a ajuda de profissionais do Sebrae, criou, há quatro anos, um como alternativa para alavancar as vendas, que antes eram restritas a participações em feiras e ao boca-a-boca dos clientes. ;É por lá que divulgamos os nossos produtos, vendemos e, a cima de tudo, mostramos que o cultivo é feito de forma completamente orgânica;, explica. Elaborar um método de pagamento seguro foi ponto de partida para a confecção da página virtual. ;Assim como me preocupo em comprar as sementes em um site seguro, quero que o meu cliente sinta que as informações pessoais dele estão protegidas e que terá a encomenda entregue dentro do prazo estipulado;, salienta.
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Com o retorno, ela conseguiu profissionalizar o negócio e investir em equipamentos de primeira linha para a cozinha. ;Chego a comprar 10 mil embalagens de pimenta por ano para dar conta dos pedidos;, afirma. Feliz com a empreitada, ela admite que fez uma tacada certeira quando resolveu procurar por segmentos diferenciados. ;Meu investimento inicial foi de R$ 100. Hoje não vendo minha marca por menos de R$ 1 milhão;, diz.
O diretor-executivo da Emater-DF, Carlos Banci, explica que, antes de partir para a venda ao consumidor final, o produtor deve submeter os itens a um processo de certificação junto a um organismo credenciado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) ou Anvisa. ;O agricultor tem que cumprir metas de boas práticas agrícolas para garantir a segurança do alimento que será comercializado. Essa entidade verifica o produto, embala e o rastreia por código de barras. Dessa forma, é possível saber a sua origem e a fazenda onde foi feito;, explica.
Para ele, uma forma atrativa para esses empreendedores diminuírem custos e ganharem força é a união em associações ou cooperativas. ;Para o pequeno agricultor pode resultar difícil fazer a venda, a entrega, o acompanhamento do pedido, tudo sozinho. Por isso estimulamos as cooperativas. Dessa forma ele pode se concentrar naquilo que sabe fazer e deixar para essa organização a função de comercialização, seja no atacado, no varejo ou no delivery;, explica.
Juntos para vender
Unir forças foi justamente a saída que 36 pequenos produtores de sete estados brasileiros encontraram para aumentar os lucros nas vendas de grãos e de produtos artesanais. Criada em 2010, a cooperativa funciona como uma ponte entre os agricultores familiares e os consumidores. Para aumentar as vendas, a associação criou um site que permite oferecer os itens para todas as regiões do país.
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Segundo o gerente administrativo da cooperativa, Marcos Fonseca, a ideia de investir no e-commerce surgiu a partir do crescente interesse dos clientes em adquirir os produtos fora do espaço das tradicionais feiras, que aconteciam de forma esporádica em alguns estados.
A Central do Cerrado funciona da seguinte forma: os associados, que vivem espalhados por regiões como Maranhão, Tocantins, Pará, Mato Grosso e Goiás, enviam as mercadorias produzidas para a unidade sede, em Sobradinho (DF), cidade localizada a 23km de Brasília, que estoca e dá o toque final ao material. ;Tem uma tribo no Mato Grosso que faz o transporte da mercadoria de barco até um município próximo e, em seguida, coloca os produtos em caminhões para chegar até Cuiabá (MT). Só então que seguem para o DF;, relata o gerente. Mas o esforço vale a pena. Com a contribuição dos associados, a cooperativa investiu na profissionalização de diferentes etapas do processo como na manipulação das iguarias - que inclui pequi, baru, jatobá, babaçu, buriti, mel, entre outros. A embalagem dos itens, que são enviados aos clientes por meio dos Correios, também foi aprimorada para garantir uma melhor apresentação. Dependendo da época do ano, o número de pedidos pela web chega a 300 por dia.
Fonseca lembra que a preocupação inicial no momento do desenvolvimento do site foi oferecer uma forma segura de pagamento, que resguardasse tanto a cooperativa, quanto o comprador. Depois disso, o foco voltou-se para a valorização dos produtos em si. ;Destacamos os itens com fotos de boa qualidade e com a história da comunidade que desenvolveu as mercadorias. Para nós é importante que o consumidor entenda de onde vem esses produtos e como eles são feitos;, esclarece.
Na opinião do gerente da unidade de agronegócios do Sebrae, Roberto Faria, as vendas on-line têm ainda mais atratividade para aqueles que trabalham com produtos agroindustrializados. ;Sucos, doces e compotas, por exemplo, têm um potencial excelente para a comercialização na web. Se ele (o produtor) ainda conseguir verticalizar a produção é possível aumentar a escala e alcançar uma rentabilidade maior;, conta, sem esquecer do setor de hortifruti. ;É claro que há a dificuldade por se tratar de itens perecíveis e, por isso, o ;timing; (da plantação à logística) precisa ser muito bem ajustado. Porém, oferece uma oportunidade incrível;, comenta.
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Para ele, o e-commerce é uma tendência que cresce a cada dia. Porém, antes de entrar de colocar todas as fichas na plataforma, o empreendedor deve ver o espaço virtual como um canal a mais de comercialização. Além disso, é fundamental que esteja atento ao funcionamento de cada passo da cadeia produtiva. ;Às vezes, o produtor é um craque para produzir, mas quando chega na hora de comercializar, de fazer o controle financeiro, de divulgar o produto ele acaba travando. Então, independentemente do volume de produção, a gestão é primordial para se manter os negócios nos eixos. Seja no ambiente físico ou no virtual;, diz.