Buenos Aires - O governo argentino considerou que havia cumprido seu compromisso com credores que aceitaram a reestruturação da dívida ao depositar o pagamento que vencia nesta segunda-feira (30/6), apesar da sentença do juiz americano que obriga o país a negociar com os fundos especulativos em default.
"É necessário ressaltar que se pretende incluir um eufemismo chamado default técnico. Quando um país paga suas obrigações financeiras, cumpre (seus compromissos)", disse o chefe do Gabinete Jorge Capitanich em uma coletiva de imprensa nesta segunda-feira.
Capitanich se referiu ao depósito feito por Buenos Aires na semana passada para pagar a tempo parte da dívida com os credores que aceitaram a reestruturação em 2005 e 2010.
O juiz americano, Thomas Griesa, bloqueou o pagamento ao ordenar que o dinheiro seja devolvido ao governo. Capitanich acrescentou que um juiz não pode "alterar uma relação surgida em um contrato entre as partes".
Griesa decidiu a favor dos fundos especulativos que litigaram na justiça americana e que, graças à sentença, poderão cobrar 100% da dívida em default no valor de 1,33 bilhão de dólares. Com a decisão, caso o país pague aos credores que aceitaram a renegociação, também deverá fazer o mesmo com os fundos que exigiram o pagamento na justiça.
[SAIBAMAIS]Agora a Argentina enfrenta uma corrida contra o tempo: após a sentença e a impossibilidade de pagar a todos os credores que aceitaram a renegociação da dívida, o período de carência de 30 dias para honrar o pagamento que vence nesta segunda-feira começou a correr.
O país tem, portanto, até 30 de julho para pagar a parte dos 93% dos credores que aceitaram a reestruturação da dívida e cobram em Nova York o reembolso pelos títulos. Os que cobram em Nova York não conseguirão receber o dinheiro; mas os credores de outras praças poderão receber os depósitos sem problemas.
Sem negociação, segundo os fundos
A sentença do juiz favorável às empresas NMl Capital, Aurelius, Blue Angel e outros 15 credores da dívida argentina em default já foi referendada por uma corte de apelações dos EUA e a Suprema Corte se negou a aceitar o caso, fazendo com que a decisão entrasse em vigor.
O NML afirmou nesta segunda-feira que a Argentina não cumpriu a recomendação do juiz, que nomeou um supervisor para negociações, e não se dispôs a discutir.
"O NML está na mesa de negociações, mas a Argentina se negou a negociar qualquer aspecto desta disputa", argumentou. "A disposição da Argentina em negociar com os credores provou ser outra promessa não cumprida", acrescentou o fundo em comunicado.
O fantasma da moratória
Buenos Aires está em uma situação difícil. Caso não pague até 30 de julho, pode entrar em moratória. "Nós comunicamos que os recursos do Estado foram depositados à disposição dos credores que aderiram voluntariamente à reestruturação", disse Capitanich nesta segunda-feira.
O ministro de Economia, Axel Kicillof, e o chanceler Héctor Timerman, falaram também nesta segunda-feira em uma assembleia especial da Organização dos Estados Americanos (OEA) destinada a debater o caso argentino, considerado muito delicado por colocar em xeque as renegociações das dívidas soberanas.
De acordo com a imprensa local, os advogados argentinos tentaram convencer os litigantes a cobrarem o mesmo que os demais credores.
"A decisão em favor dos fundos ;abutres; não pode ser cumprida. A melhor oferta que o governo pode fazer aos credores é pedir que eles aceitem a renegociação da dívida, como a maioria fez", disse ao canal C5N o experiente economista Aldo Ferrer, ex-diretor da Cepal.
A Argentina chama de "fundos abutres" os que compraram a dívida em default e cobram 100% do valor nominal nos tribunais.
A situação é extremamente complexa para o governo: se cumprir a sentença de Griesa corre o risco de que o restante dos credores da dívida que não ingressaram na renegociação, com o precedente da decisão em Nova York, cobrem da mesma forma. Isso representaria demandas por cerca de 20 bilhões de dólares a um país que tem 29 bilhões em reservas monetárias.
No pior cenário, poderiam começar a surgir vários pedidos judiciais de credores que aceitaram a renegociação, por mais de 80 bilhões de dólares segundo estimativas oficiais, em função de uma cláusula de contrato de reestruturação que obriga o tratamento igualitário a todos os credores. Essa cláusula, chamada RUFO por suas siglas em inglês, vence no dia 31 de dezembro deste ano.
Os conflitos remontam à maior moratória da história, declarada em 2001 em um valor de quase 100 bilhões de dólares.