Jornal Correio Braziliense

Economia

Má qualidade diferencia cada vez menos hospitais público e particular

Em um hospital com direito à letreiros em inglês e estacionamento com manobrista, faltam cadeiras para pacientes à espera de médicos


O que diferencia a realidade dos hospitais privados dos públicos já não é mais o atendimento certo, eficiente e de qualidade. O abismo, hoje em dia, se resume ao ar-condicionado, à cadeira acolchoada e ao cafezinho, ainda que frio, nas unidades particulares de saúde. Somente isso. Por mais que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e os barões do ramo apresentem pesquisas de satisfação com resultados aparentemente positivos, as reclamações de quem paga por um plano de saúde no Brasil se aproximam cada vez mais daquelas de quem depende única e exclusivamente do Estado.

Em um hospital com direito à letreiros em inglês e estacionamento com manobrista, faltam cadeiras para pacientes à espera de médicos que priorizam representantes das multinacionais da indústria farmacêutica. Se os doentes têm pressa para serem atendidos, os doutores que acumulam empregos em clínicas e hospitais não demonstram tanta agilidade assim. ;A secretária diz que ele costuma atrasar mesmo;, lamenta Mariane Costa, 29 anos, enquanto aguarda o cardiologista que atenderá o pai dela. ;Aí ele vai chegar, nem vai olhar para cara dele e pronto: acabou a consulta;, prevê.

[SAIBAMAIS]Quando não administrada por um Estado incapaz, a saúde se transforma em comércio nas mãos de empresários dispostos a criarem conglomerados médicos. ;Eles atendem de qualquer jeito, para baterem metas e ganharem mais;, opina o técnico em telecomunicações Daniel Silva, 35, ao sair de uma consulta que durou três minutos e meio. Há 10 dias, ele estava com sintomas alérgicos e dizia ainda não ter encontrado alguém que o medicasse corretamente. ;O ser humano virou mercadoria para os hospitais e os planos de saúde. Temos que pedir saúde a Deus e confiar, porque, no que depender deles, estamos perdidos;, assinala.

Emergência
Com dores nos dedos do pé esquerdo após um acidente, o empresário Roberto Bittar, 48, tenta atendimento no segundo hospital particular visitado na mesma tarde. ;No primeiro, estava cheio e só tinha um médico. Aqui, me falaram que tem pelo menos 10 pessoas na minha
frente. Acho que vai ser melhor ir a um hospital público;, planeja. ;O atendimento só é rápido se você começar a passar mal aqui no meio da emergência. Tirando isso, não tem muito o que fazer;, orienta uma estudante de 21 anos, há duas horas aguardando para ser chamada.

Incisiva e com uma revolta latente no olhar e na fala, Márcia Mendes, 24, externa a indignação com o tratamento recebido pela irmã de criação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital particular de Brasília. ;Sabe o que é ver a pessoa que você ama toda suja de urina e fezes em cima de um leito e ninguém fazer nada?;, questiona ela. ;É uma falta de sensibilidade incrível. A única diferença do hospital público é porque lá você fica jogado no corredor. Aqui, é em uma sala fechada;, completa. Há 15 dias internada, a irmã dela ainda não havia recebido o diagnóstico.
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Falta de visão
Ao ouvir exemplos de relatos levantados pelo Correio, que, por mais de um mês, acompanhou brasileiros em busca de serviços públicos e regulados pelo Estado, o presidente do Conselho de Administração da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Francisco Balestrin, reconhece a falta de profissionalização na gestão da saúde privada. ;Os hospitais ainda não têm a visão de prestação de serviços;, diz, reclamando da ausência de linhas de investimento para o setor privado de saúde no país. Tratar das queixas de usuários dos planos de saúde, discorre Balestrin, não é algo simples. Ele acrescenta que os prontos-socorros não foram planejados para atender a demanda atual.

Por meio de nota, a Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge) prefere contribuir para a reflexão acerca de um quadro real e inquestionável informando que ;diversas pesquisas realizadas por institutos independentes indicam nível de aprovação alto por parte dos usuários de planos de saúde;. A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) esquivou-se do debate.