A incapacidade do Estado brasileiro de prover serviços de qualidade, mesmo cobrando uma das mais pesadas cargas tributárias do mundo, se repete na hora de regular e fiscalizar as concessionárias públicas, sobretudo se elas atuarem no setor de energia. A falta de luz se tornou um rotina. Chova ou faça sol, os apagões atormentam o cidadão, independentemente se o pagamento da conta mensal estiver em dia ou não. No apartamento da psicóloga Juliana Alencar, 37 anos, toda semana as lâmpadas se apagam sem avisar. Somente no último ano, as constantes quedas da eletricidade queimaram um micro-ondas e uma geladeira da família, que decidiu esperar menos do Estado e comprar três estabilizadores para tentar evitar mais prejuízos.
Recentemente, os picos de luz sobre os quais as atendentes da Companhia Energética de Brasília (CEB) dizem nada poder fazer danificaram a segunda geladeira de Juliana. À época, a filha dela, de 5 anos, tomava um antibiótico que precisava ser mantido no refrigerador. Para não interromper o tratamento da criança, o jeito foi pedir ajuda ao vizinho. ;É tanto aborrecimento;;, lamenta a mãe, estafada das repetidas ligações para a CEB sem resultado.
Juliana mora no 14; andar ; o último ; de um prédio em Águas Claras, uma cidade que não para de crescer na capital do país, sob aplausos do governo, mas com uma infraestrutura precária, incapaz de acompanhar a velocidade dos lançamentos. Quando a luz falta, a psicóloga e os demais moradores, todos com estoque de velas reforçado nos armários, precisam encarar até 250 degraus de escadas. ;Fica claro como as coisas são feitas no improviso, de qualquer jeito;, constata.
Há cinco anos, o tempo médio que cada brasileiro fica no escuro supera o limite estipulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). São, em média, 18,5 horas por ano sem luz, por conta de chuvas, quedas de árvores, falhas em subestações ou quaisquer outras justificativas plausíveis ou não. Na capital federal, onde a concessionária ocupa a terceira pior colocação no ranking de qualidade entre 35 maiores do país, o período de breu sobe para 20 horas.
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Reclamações
Não bastasse consumirem uma energia de terceiro mundo, os contribuintes não pagam pouco por ela. Mesmo com a redução nas tarifas comemorada com entusiasmo pela presidente Dilma Rousseff ; e em vigor desde o início do ano ;, as contas de luz dos brasileiros figuram entre as 10 mais caras do planeta, lembra João Carlos Mello, presidente da Thymos Energia e Consultoria. Justamente os impostos, diretos e indiretos, respondem por cerca de 40% do valor da fatura.
Como em muitos outros setores no Brasil, a explicação para parte do entrave do setor energético está na gestão capenga. ;No caso do Distrito Federal, o governo local não monitora de maneira objetiva a qualidade da iluminação pública oferecida por uma concessionária gerida por ele. Falta fiscalização independente;, comenta o presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel), Reginaldo Medeiros.
[SAIBAMAIS]De dezembro do ano passado a novembro deste ano, os brasilienses ficaram sem luz quase 16 vezes. Não à toa, o telefone da CEB toca, em média, 3,5 mil vezes por dia, com usuários do outro lado da linha quase sempre reclamando. Este ano, a companhia obteve a pior avaliação por parte do consumidor desde 2005, segundo uma pesquisa da Aneel, com destaque para o desempenho negativo de itens relacionados à confiabilidade dos serviços prestados.
Comerciantes de Brasília precisam investir em geradores para não ter a vida e os lucros tão prejudicados pelas quedas de energia. Na semana passada, parte do Sudoeste, área nobre da capital do país, ficou sem luz das 10h às 16h. ;Sempre dizem que foi alguma coisa que estourou ou caiu não sei onde, algo assim. Mas não estão preocupados com a gente;, diz Carmem Galindo, 34, funcionária de uma lavanderia que, no dia seguinte, precisou de reforço para compensar as horas perdidas na véspera.
Faltam linhas de transmissão
No Ceará, na Bahia e no Rio Grande do Norte, empreendimentos prontos para produzir energia eólica não o fazem por falta de linhas de transmissão, ilustrando a falta de planejamento básico por parte do governo. Com as dificuldades para garantir a transmissão do potencial já instalado, as usinas não podem, ainda que prontas, levar energia ao Operador Nacional do Sistema, que distribui a eletricidade pelo país. São cerca de 638 MW represados, o suficiente para abastecer uma cidade de 350 mil habitantes.