Lisboa ; A crise econômica na zona do euro e as medidas de ajuste das despesas públicas vão aumentar a desigualdade e a pobreza em Portugal. Além dos riscos de empobrecimento, o país pode sofrer com o envelhecimento da população (já verificado no último censo populacional) e com o êxodo de mão de obra qualificada para outros países - como o Brasil e Angola (cujo idioma é o português e em bom momento econômico) ou como a Alemanha, França e Inglaterra (principais economias europeias).
Caso esses cenários se confirmem, Portugal poderá experimentar um revés que imaginava afastado desde a Revolução dos Cravos (abril de 1974) e a entrada na Comunidade Europeia (janeiro de 1986). ;Uma sociedade com o nível de pobreza que nós temos é uma sociedade diminuída em termos democráticos. [A situação] pode por em causa os fatores de coesão nacional;, alerta Carlos Farinha Rodrigues, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão, coordenador do livro Desigualdade Econômica em Portugal, lançado recentemente.
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;O cotidiano se faz no dia a dia, temos que ter atenção às questões sociais. Ao se descuidar das questões da pobreza, está se descuidando da qualidade da nossa sociedade, não só para os pobres;, pondera Rodrigues que considera a desigualdade em Portugal um problema estrutural (pouca produtividade de alguns setores e em algumas regiões), que pode se agravar com o encolhimento das políticas sociais - que tiveram, nos últimos anos, o efeito de reduzir as discrepâncias.
De acordo com o livro coordenado por Rodrigues, Portugal, nos anos 1990 e 2000, experimentou duas dinâmicas contraditórias - uma que favorecia a desigualdade e outra mais forte que atenuava a situação. Segundo o estudo, os salários dos estratos mais elevados puxam a desigualdade, enquanto as políticas sociais que garantem rendimento mínimo aos estratos mais pobres (com complemento até 100 euros) diminuem a desigualdade.
Na opinião de Carlos Farinha Rodrigues, essas políticas sociais estão sob ameaça. O Orçamento do Estado para 2013 (a ser votado definitivamente na próxima terça-feira, 27) reduz investimentos sociais. ;A política para reduzir o déficit público [exigida em acordo firmado por Portugal com o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comunidade Europeia], em grande medida, se traduz na redução das políticas de proteção social. Como forma de responder à crise, nós estamos reduzindo e anulando, praticamente, as formas de políticas sociais. Isso vai reduzir o combate à pobreza e à desigualdade;.
Segundo Rodrigues, o orçamento, além de diminuir as transferências sociais, reduz ;a capacidade redistributiva do sistema fiscal;, porque faz com que mais pessoas paguem mais impostos em até cinco faixas de alíquotas (mais concentradas do que os atuais oito escalões de cobrança). O quadro de enxugamento das políticas sociais e de mais cobrança de impostos se completa com o desemprego (hoje em torno de 16%, conforme dados oficiais).
A desigualdade em Portugal em 2009 (último ano da análise) era 0,337, conforme o Índice de Gini. Em 1993 (primeiro ano da análise), era 0,387. Conforme o indicador, aceito internacionalmente para medir a desigualdade entre pobres e ricos, quanto mais próximo de zero o índice, menos desigual é o país. Portugal é o quarto mais desigual da Europa.
No Brasil, historicamente mais desigual que os países europeus, o Índice de Gini era 0,519 em janeiro de 2012 (conforme dado da Fundação Getulio Vargas).