Jornal Correio Braziliense

Economia

Relator da ONU para alimentação pede à UE que abandone os biocombustíveis

Roma - O relator das Nações Unidas para o Direito à Alimentação, Olivier De Schutter, pediu à União Europeia (UE) que abandone os biocombustíveis, já que sua produção compete com a que se destina à alimentação. Este pedido acontece no mesmo dia em que a Comissão Europeia propôs uma reorientação de sua política em termos de biocombustíveis para reduzir o impacto negativo na produção alimentar.

"A UE não apenas deve revisar em baixa seus objetivos de incorporação dos biocombustíveis como está por fazer, (como também) deve ter a coragem política de abandoná-los. Os Estados Unidos deveriam fazer a mesma coisa", afirmou em declarações nesta quarta-feira (17/10). "É perigoso, em uma situação em que os estoques mundiais de grãos também são baixos, fixar objetivos igualmente inatingíveis", afirmou.

Em 2008, a UE fixou como meta que as energias renováveis representem, antes de 2020, 10% do consumo da energia do setor do transporte. Esse setor já equivale a 4,5%. Nesta quarta-feira, Bruxelas anunciou a intenção de impor um teto aos biocombustíveis de "primeira geração", ou seja os produtos derivados de cultivos alimentícios (trigo, milho, beterraba, etc) para estimular o setor a desenvolver biocombustíveis com base em outras matérias-primas, como os resíduos e a palha.

Os biocombustíveis de primeira geração, que representam atualmente 4,5% do consumo de energia do setor de transportes na União Europeia (UE), não poderão superar o teto de 5% até 2020, segundo a proposta. O objetivo global de alcançar 10% de energia renovável no setor de transportes até 2020 segue, no entanto, inalterado. "O objetivo de restringir a conversão de terras em cultivos destinados à produção de biocombustíveis e aumentar os efeitos benéficos no clima dos biocombustíveis utilizados na União Europeia", afirma a comissão em um comunicado.

"Esta proposta estimulará a produção dos biocombustíveis com melhores efeitos", afirmou o comissário europeu de Energia, o alemão Günther Oettinger. Ao conter o desenvolvimento dos biocombustíveis produzidos a partir de cultivos alimentícios, Bruxelas pretende reduzir as interferências na produção mundial de alimentos. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), os Estados Unidos, por exemplo, têm como objetivo um uso de 40 % para o milho e a mesma porcentagem para a exportação, mas o tema de diminuir o uso do milho para a produção de biocombustíveis figura na lista de recomendações da entidade.

[SAIBAMAIS]Em agosto passado, o diretor-geral da FAO, o brasileiro José Graziano da Silva, pediu aos Estados Unidos que suspendam a produção de etanol a partir do milho para evitar uma crise alimentar mundial, em uma coluna publicada pelo jornal britânico Financial Times.



"Uma suspensão imediata e temporária da legislação americana (que destina cotas das colheitas de milho à produção de biocombustíveis) daria certo alívio ao mercado e permitiria destinar mais grãos à alimentação humana e animal", destacou o diretor da agência da ONU. "A produção de agrocombustíveis se baseia em importantes colheitas para a exportação, que poucas vezes beneficiam o pequeno agricultor, já que está nas mãos das agroindústrias. O impacto na redução da pobreza rural é irrelevante", explicou.

Segundo Schutter, na maioria dos casos, as grandes empresas que desenvolvem tais colheitas descuidam do desenvolvimento de infraestruturas e "geralmente não cumprem com as promessas de eletrificação", afirmou ainda. O tema dos biocombustíveis, muitos dos quais usam como matérias-primas produtores destinados à alimentação, divida as opiniões no mundo e se converteu num assunto polêmico devido à alta dos preços mundiais dos cereais e outros alimentos básicos.

O Brasil, líder mundial junto aos Estados Unidos na produção de etanol, com o uso da cana de açúcar, defende a produção de biocombustíveis em países pobres como fonte de renda, e assegura que é perfeitamente compatível com a produção de alimentos. A produção de agrocombustíveis também gerou o fenômeno da monopolização de terras em grande escala em vários países do sul do mundo.

Segundo o Banco Mundial (dados de abril de 2010), ao menos 21% da superfície adquirida em países em desenvolvimento são destinados a essa produção. A mesma entidade afirma que a cifra aumentou e que chega a cobrir cerca de um terço das terras.