;Existe um princípio bom que gerou a ordem, a luz e o homem; há um princípio mau que gerou o caos, as trevas e a mulher.; A filosofia não é de botequim. Saiu da boca de Pitágoras, o gênio grego da matemática. Como ele, muitos outros mestres do conhecimento entoaram a inferioridade do sexo feminino, reproduzindo a cultura patriarcal e machista da época, que ainda se perpetua. O que eles não conseguiram prever centenas de anos atrás é que, além de romper os grilhões da submissão familiar e social que as mantinham relegadas aos afazeres domésticos, se tornariam peça determinante para rodar a economia dos países.
Apenas em 2011, as trabalhadoras brasileiras vão acumular
R$ 700 bilhões em renda, 68% mais que há nove anos. No mesmo período, a massa de recursos em poder dos homens avançou 43%, aponta levantamento do instituto Data Popular, ao analisar as informações da última Pesquisa de Amostragem por Domicílio (Pnad) do IBGE. Com tal resultado, elas injetarão R$ 1,5 trilhão no mercado de consumo neste ano, incluindo o que gastarão diretamente e o que influenciarão na parcela das despesas dos namorados, noivos e maridos. É simplesmente o dobro do que abastecia a economia em 2002. Até 2015, esse potencial de consumo anual deve passar de R$ 2 trilhões.
Antes importantes influenciadoras, as mulheres passaram a ser voz decisiva no que a família consome, a ponto de escolherem a cor do carro do marido. Isso está acontecendo porque, cada vez mais, elas participam do orçamento familiar, conciliando a organização do lar e a educação dos filhos com o trabalho externo. Em 1992, eram responsáveis por 30% da renda familiar. Em 2009, já estavam contribuindo com 41% dos gastos e investimentos, revela o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), utilizando dados do Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE). Mais impressionante é o crescimento do número de mulheres que passaram a contribuir para a renda familiar. Em 1992, 39% delas participavam do orçamento doméstico. Agora, são quase 70%.
Esforço
Estatísticas de 2011 mostram que esse movimento não para. No embalo do mercado de trabalho aquecido dos últimos anos, as mulheres foram atrás de suas vagas e conseguiram elevar em 53,4% o número de carteiras assinadas desde 2002, de 9,5 milhões para 14,7 milhões. Bem acima do crescimento da população feminina, de 11,5% no período, conforme o Data Popular. Já o emprego formal entre os homens subiu 44%. ;Elas deixaram de ser donas de casa, para serem a dona da casa, do carro, da conta bancária;, constata o diretor do Data Popular, Renato Meirelles.
De todos os 153 milhões de cartões de crédito no Brasil, 56,8% estão nas mãos das mulheres. ;Elas compram não somente para si. Elas têm o papel de shoppers, adquirem bens para os filhos e o marido. Assim, mais da metade do orçamento passa por elas;, afirma a antrópologa Luciana Aguiar, sócia executiva da consultoria Plano CDE.
O que não aparece em tantos números favoráveis é o esforço que essas mulheres têm feito para gerar tanta estatística positiva à economia mundial e à brasileira. Elas são a principal opção para as empresas em um mercado de trabalho à beira do apagão. Não sem motivos: têm mais anos de estudo, mais cursos superiores, pós-graduação e títulos de mestrado e doutorado. No entanto, quando trabalham, ganham 30% em média menos que os homens na mesma função. Se estão desempregadas, têm mais dificuldades para arrumar outra colocação, o que explica as taxas de desocupação bem maiores do que entre os homens.
;Apesar de ter reduzido a diferença de salários, o fosso que separa mulheres e homens no mercado de trabalho ainda é uma triste realidade;, atesta o especialista em desenvolvimento de carreira, liderança e gestão de empresas, Renato Grinberg.
Dupla jornada
Não bastasse tudo isso, as mulheres trabalham mais horas que os homens, por causa da famigerada dupla jornada ; fora da moradia e afazeres domésticos. A labuta é mais pesada nas casas em que há a presença dos dois cônjuges, com ou sem filhos. Levantamento do Ipea de 2010 mostra que as mulheres que vivem com marido ou companheiro, com ou sem filhos, têm jornada de trabalho no lar e fora maior que aquelas que vivem sozinhas com seus filhos ou apenas parentes.
Além do emprego, as casadas dedicam muito tempo aos cuidados do companheiro e dos filhos. O resultado são jornadas de impressionantes 66 horas em média por semana, das quais 31 horas são com o lar. Já aquelas que não têm companheiro despendem 62,7 horas semanais na dupla jornada ; 25,9 para afazeres domésticos. Os homens em qualquer condição só gastam entre 10 e 15 horas por semana às atividades domésticas.
Com ou sem marido, as mulheres são cada vez mais as chefes da família, aponta o Ipea, ao acompanhar os dados da Pnad do IBGE ano a ano. Os domicílios comandados por elas passaram de 27% para 35% do total entre 2001 e 2009. São 22 milhões de famílias. A maior parte delas é das classes C, D e E. ;A responsabilidade da mulher cresce conforme a renda diminui;, constata Luciana Aguiar, da Plano CDE. Para as pesquisadoras do Ipea Natália Fontoura e Cláudia Pedrosa, esse avanço na chefia feminina tem mais a ver com o potencial de autonomia que as mulheres têm assumido nas relações familiares e na vida em sociedade do que ;necessariamente às condições favoráveis;.