Jornal Correio Braziliense

Economia

Conhecimento fez a diferença em uma sociedade machista e preconceituosa


Professora, servidora pública, psicóloga, empresária e escritora. Iris Odete Borges nasceu nos anos 1950, em um tempo em que as meninas eram criadas para, no máximo, darem aulas e se casarem com um bom partido da cidade. Contrariou o destino traçado pela sociedade da época. Ela deu aulas sim, de alfabetização para crianças, mas começou a trabalhar mais cedo, quando ainda cursava o antigo segundo grau e ajudava a avó na loja de tecidos no fim do dia e aos sábados.

Ainda com seus 16 anos, já cumpria três jornadas, mas sempre tirando notas altas no colégio. ;Desde novinha, achava normal ter três expedientes, estudar, dar aulas e trabalhar na loja de minha avó.; E assim foi por muitos anos. Aos 61 anos, divorciada e com três filhos adotivos, mantém uma extensa labuta diária. Só para na hora do almoço e quando a noite já está avançando. A disposição para o trabalho e o enfrentamento dos desafios foram despertados nela quando, aos 6 anos, viu a bisavó passar mal de asma e ajudou a sair do sufoco. ;Alguma coisa cresceu dentro de mim. Senti os ossos ficarem maiores;, conta.

Mais tarde, já no colégio, botou na cabeça que não deixaria sua família passar necessidades financeiras. Naquela época, a loja da avó ia mal. O pai estava trabalhando como pedreiro e a mãe, fazendo doces e sabão para vender nas redondezas e, assim, não deixarem faltarem o essencial em casa: a comida. Fez um acordo com o tempo: ela o aproveitaria intensamente e ele lhe daria os resultados que ela pretendia. Mais: priorizou o estudo. Tinha absoluta certeza de que a educação lhe faria a diferença quando fosse dona do próprio nariz.

Rumo a Brasília
Sem medo de deixar o pequeno mundo da mineira Coromandel, Iris aproveitou as viagens que fazia para vigiar a irmã, a mando dos pais, que tinha um namorado na capital federal, e prestou concurso para a Secretaria de Educação do Distrito Federal. Passou em quinto lugar ; o primeiro sinal de que os anos em que investiu no conhecimento tinham valido a pena. Trabalhava durante o dia e, à noite, dava aulas no antigo Mobral, que alfabetizava, principalmente, pessoas idosas que não tiveram a oportunidade de ter acesso ao conhecimento quando crianças.

Escolhida por um olheiro à procura de uma professora para uma instituição experimental, foi lecionar na nova escola da 305 Sul. Com um ano de trabalho, e reconhecida pela dedicação, acabou indicada para coordenar o programa de livros didáticos do Ministério da Educação. Estava com 22 anos e, para completar a jornada, passou a fazer faculdade de psicologia. Ganhava pouco, mas tinha a certeza que aquele era o caminho a seguir. Não tinha mais retorno. E, melhor, trabalho não faltava.

Iris não tinha 24 anos quando foi convidada para trabalhar na editora Ática. Perguntaram se sabia dirigir. Respondeu que sim, ainda que nunca tivesse botado as mãos em um volante de carro. Antes que o veículo da empresa chegasse de São Paulo, já tinha se matriculado numa auto-escola e obtido a habilitação. ;Não podia não passar. Estava diante de uma oportunidade imperdível.; Essa cobrança de si mesma, combinada com muita determinação, foi a mesma toda vez que abraçou novos desafios.

Quando terminou o curso superior, ficou na dúvida se montava um consultório de psicologia ou uma livraria. Escolheu a segunda opção. O capital para tocar o negócio foi o da rescisão contratual com a editora. Estava com 26 anos e casada. Passou a vender livros didáticos e a empresa, tocada com o marido, cresceu rapidamente em oito anos. Aos 28, adotou a primeira filha. Logo depois, adotou uma segunda menina e um menino. Após 13 anos de casada, veio a separação. E Íris se viu com dois filhos na pré-adolescência, um garoto na alfabetização e um negócio para tocar, que estava meio mal das pernas.

;Foram mais de 10 anos de muitas dificuldades. Tive que ser pai e mãe e cortar um dobrado para viabilizar novamente a livraria;, relembra. A rotina era de levar os filhos para a escola de manhã, ir para o trabalho, buscar os filhos para o almoço, voltar para o batente. À noite, acompanhar o dever de casa dos meninos. Tudo isso tendo que participação de eventos ligados ao setor de livros, vários deles, fora de Brasília, para se manter atualizada. Qualquer vacilo poderia pôr a perder a principal fonte de sustento da família

Filhos criados
Os filhos cresceram, se formaram. As duas moças se casaram. O mais novo, Felipe, de 27 anos, mora com ela. Iris já tem netos e, finalmente, uma vida financeira tranquila, sem excessos. Dirige um Cross Fox. Há dois anos, escreveu seu primeiro livro de literatura infantil. Mais recentemente, lançou o sétimo e o oitavo, escritos enquanto administrava a sua distribuidora, com 17 empregados, e organizava feiras e eventos na área. Aos 61 anos, Iris continua produzindo, trabalhando e gerando renda e emprego com o vigor físico de uma pessoa de 30.

O segredo ela aprendeu ainda novinha: aproveitar bem o tempo e, sobretudo, escolher a educação como base para um futuro melhor. Mesmo nos momentos mais difíceis, mesmo nas crises que pareceram insolúveis, o conhecimento fez a diferença. No Brasil, são elas, as mulheres, as mais bem educadas, as mais comprometidas com o futuro, as que mais poupam. Iris é só mais uma delas, felizmente.