Jornal Correio Braziliense

Economia

Empresas enfrentam sérias dificuldades para contratar bons funcionários

Carência de profissionais preparados atinge todas as áreas

O mercado de trabalho brasileiro vive uma séria contradição: enquanto os números vão bem, a qualidade deixa a desejar. O país está prestes a alcançar o pleno emprego, e as empresas vivem um drama para encontrar funcionários que caibam em suas necessidades. Na maior parte das vezes, falta qualificação aos candidatos. A coordenadora de Recursos Humanos da Direcional Engenharia no Centro-Oeste e no Norte, Clara Saabor, empreende uma busca sem fim por novos talentos. Somente em Brasília, ela tem 35 vagas de pedreiro, ladrilheiro, gesseiro e servente abertas. Em todo o Brasil, a empresa acumula 1,5 mil cargos vagos. Mas Clara não está sozinha. Estudo da consultoria Manpower aponta que pelo menos 57% das firmas nacionais têm dificuldades para preencher suas vagas.

Antes, os trabalhadores migravam em busca de melhores cargos e salários. Hoje, eles são assediados pelos recrutadores, que precisam se virar para atrair e reter os profissionais, revela o estudo, que investigou a situação de 876 companhias no Brasil e de 40 mil em 39 países (veja arte). ;No passado, as empresas tinham mais poder na hora da contratação. Agora, as pessoas escolhem para onde querem ir;, resume Márcia Almstr;m, diretora de Recursos Humanos da Manpower. Clara, da Direcional, atribui o novo cenário à distribuição do crescimento econômico no território nacional. ;No Norte, é muito difícil encontrar pessoal. A maioria das obras tem profissionais de outros estados. No Centro-Oeste, essa realidade ficou mais crítica agora no segundo semestre de 2011;, afirma. Analistas estimam que 250 mil vagas deixam de ser preenchidas na construção civil por falta de qualificação.

A criação de vagas está mais devagar, em consonância com a desaceleração da economia. Mas, ainda assim, o desempenho é muito bom em relação ao que ocorre nas nações desenvolvidas. O setor privado brasileiro criou 19 milhões de empregos formais nos últimos 10 anos e 2,24 milhões entre janeiro e outubro de 2011. Infelizmente para as empresas, a qualificação profissional não caminha no mesmo ritmo. A solução é apostar em treinamentos. A Direcional abriu um centro de formação no seu canteiro de obras em Santa Maria (DF), onde constrói um bairro planejado com 5 mil imóveis residenciais. Já formou 12 gesseiros e oito ladrilheiros. ;No início do ano, nossa dificuldade era para contratar quem fizesse o acabamento. Hoje, também já não encontramos pedreiros;, afirma Clara.

Apagão

Os irmãos Gustavo, 23 anos, e Renato Ninomiya, 24, dirigem a cafeteria Café do Ponto há oito meses e enfrentam o apagão de mão de obra. ;Fazemos cerca de 50 entrevistas por semana. Se conseguimos contratar um funcionário, estamos no lucro;, reclama Gustavo. Eles firmaram um convênio com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), que oferece cursos profissionalizantes. ;A intenção é garimpar mesmo os trabalhadores.;

Renato destaca algumas áreas com maior carência de profissionais capacitados. ;Encontramos muita dificuldade em achar cozinheiro e operador de caixa. Mas há escassez em todos os setores;, atesta. Com base na realidade verificada no dia a dia, os irmãos empresários garantem que muitos candidatos preferem continuar recebendo o seguro-desemprego a voltar ao trabalho. ;Enquanto eles recebem o auxílio, a agência do trabalhador indica vagas e os obriga a comparecer à entrevista. Se dispensados, continuam com o benefício. Muitos nem estão interessados na oportunidade. Comparecem para cumprir uma formalidade e pedem apenas que eu assine o documento de dispensa;, diz Gustavo.

Estágio

Na Itautec, empresa com 6 mil funcionários, os desafios são semelhantes. Eduardo Pellegrina, diretor de Recursos Humanos da companhia, está procurando 200 técnicos de informática, de campo e de equipamentos e outros 150 profissionais na área de suporte. Mesmo com os programas de estágio, as vagas não são preenchidas. ;A dificuldade ocorre em todas as áreas. O Brasil não se preparou adequadamente para usufruir a realidade de crescimento econômico que experimenta agora;, constata.

A Algar Tecnologia, empresa mineira de teleatendimento, trava uma batalha para preencher 400 vagas até o fim do mês. ;Temos uma área de seleção que trabalha sem parar. Por dia, são, em média, quatro dinâmicas de grupo e 30 entrevistas;, diz Maria Aparecida Garcia, diretora de Talentos Humanos da companhia. Ela explica que cada posição de atendimento vazia implica uma perda mensal de R$ 3,5 mil. ;Quando não consigo executar um contrato, a receita deixa de entrar. Isso sem contar as multas pelo não cumprimento de prazos.;

Em meados do ano passado, a Algar criou o programa Fortalecendo Talentos, para capacitar candidatos dispensados numa primeira seleção. Depois de um treinamento de 40 horas, eles ganham uma nova oportunidade. Desde então, de 1,2 mil pessoas entrevistadas duas vezes, 700 foram aproveitadas. ;São profissionais que teriam sido descartados. O investimento é pequeno, de R$ 40 por pessoa com transporte e apostilas, para um bom retorno;, observa Maria Aparecida.

A SAP Brasil já contratou 250 funcionários este mês, mas continua com 100 posições vagas nas áreas de venda, consultoria, suporte, marketing e finanças, entre outros setores. Para minimizar o problema, a subsidiária fará, em 2012, o seu primeiro programa de trainee em consultoria. Hoje, há 30 vagas. ;As maiores dificuldades estão na falta de experiência. Já cheguei a entrevistar candidatos que estão participando de outros cinco processos seletivos ao mesmo tempo. Antes, a gente não se deparava com esse tipo de situação;, afirma Paula Jacomo, diretora de Recursos Humanos da empresa.