Nunca foi tão alta, neste ano, a chance de a inflação estourar o teto da meta, de 6,5%, perseguida pelo governo. Pelos cálculos do Banco Central, essa ameaça mais que dobrou em setembro: uma probabilidade de 45% ; em junho, era de apenas 22%. Se o BC já começa a admitir riscos, o mercado financeiro já dá como certa a derrota para o combate à carestia. Analistas ouvidos pela autoridade monetária estimam que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechará 2011 em 6,52%.
O BC não reconhece que perdeu e, mesmo encurralado, mandou um recado: continuará a cortar a taxa básica de juros (Selic) da economia, hoje em 12% ao ano. Para a instituição, nem a disparada do dólar nem a possibilidade de novos reajustes nos preços dos alimentos serão capazes de fazer a inflação furar o limite de tolerância. Pela novas estimativas, ela bateria em 6,4%. Na verdade, a autoridade monetária decidiu pagar para ver. Vai correr o risco de deixar o índice ultrapassar o teto: é o que dá a entender o relatório trimestral de inflação e o discurso de Carlos Hamilton Araújo, diretor de Política Econômica do banco.
;Ajustes moderados no nível da taxa básica são consistentes com o cenário de convergência da inflação para a meta em 2012;, disse Hamilton, sinalizando que o momento é de redução na taxa, apesar do nível elevado de carestia. Mas, ao mesmo tempo, o diretor admitiu que não está descartada a hipótese do estouro da meta. ;Possibilidade sempre existe. O valor central da projeção indica que não, mas não é um procedimento exato. Pode ser mais, pode ser menos;, disse. Divulgado ontem, o relatório de inflação mostrou que a meta não será cumprida também em 2012. No fim do próximo ano, a expectativa é de que o IPCA fique em 4,7%, ligeiramente acima do objetivo central de 4,5%.
Justificativa
O Banco Central também reduziu as expectativas de expansão do Produto Interno Bruto (PIB), de 4% para 3,5%. A redução deveu-se à moderação, acima do esperado, na atividade da indústria e do setor de serviços, mas também a uma contribuição negativa do setor externo ; as previsões de Hamilton são que as taxas de crescimento da Europa sejam mais uma vez revistas para baixo ; e ao baixo ritmo de investimentos no país. Ainda assim, a economia terá seu crescimento garantido pelo aumento dos gastos das famílias e do governo. A projeção para o consumo dos brasileiros em 2011 passou de 4,1% para 4,5%. Para as despesas estatais, subiu de 1,9% para 2,1%.
Mesmo sem previsões claras sobre que posição tomará o Comitê de Política Monetária (Copom) na próxima reunião sobre juros, marcada para outubro, o relatório de inflação apontou para a continuidade do corte na Selic na mesma magnitude da ocorrida no final de agosto, de 0,50 ponto percentual. Para economistas, a afirmação de Hamilton, de que o cenário permite ajustes moderados na taxa básica, aumenta as chances de novos cortes. ;Não na magnitude de um ponto, mas no mesmo ritmo do observado até agora;, sugeriu Eduardo Velho, economista-chefe da Prosper Corretora.
O economista Flávio Serrano, do Espirito Santo Investment Bank, concorda. Mas em termos de inflação, ele está mais pessimista que o BC. O analista acredita que, neste ano, a taxa vai ficar, no mínimo, em 6,5% e, no ano que vem, em 5,6%. José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, observa que é lógico esperar pelo menos mais duas quedas de 0,50 ponto percentual. O fato de a economia mundial estar indo de mal a pior é um facilitador. ;A crise vai ser menos aguda e mais prolongada que em 2008. O problema é saber qual o seu tamanho e o ritmo de contaminação. Mesmo assim, acho muito difícil a inflação ficar em 4,5% no ano que vem;, alertou.
Explicações à Fazenda
A última vez que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) superou o teto da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) foi em 2003, quando a inflação bateu em 9,3%, contra o limite, ajustado, de 8,5%. Esse fato obrigou o Banco Central a escrever uma carta ao ministro da Fazenda para explicar porque não conseguiu cumprir o que foi combinado. Mesmo procedimento terá que ser adotado para 2011, caso o índice fique acima dos 6,5%.
Risco reconhecido
Números mostram que a prioridade do BC passou a ser o crescimento e não a inflação na meta
Probabilidade de estouro da meta
Relatório Projeção
Março 20%
Junho 22%
Setembro 45%
Expectativas para o IPCA deste ano Índices estão em alta desde o fim de 2010
Cenário de mercado
Dezembro/10 4,8%
Março/11 5,6%
Junho/11 5,8%
Setembro/11 6,4%
Cenário de Referência
Dezembro/10 5%
Março/11 5,6%
Junho/11 5,8%
Setembro/11 6,4%
Fonte: Banco Central.