Jornal Correio Braziliense

Economia

BC norte-americano aponta cenário ruim, mas não vai injetar mais recursos

O Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos Estados Unidos) admitiu, ontem, que a economia norte-americana ainda está em frangalhos e que uma recuperação consistente pode demorar pelo menos mais dois anos. Por isso, decidiu manter os juros básicos perto de zero até 2013.

Na maior economia do planeta, emprego, nível de produção e consumo das famílias não têm reagido como a instituição esperava. Ainda assim, a autoridade monetária preferiu aguardar antes de adotar novas medidas para estimular a atividade econômica, na esperança de que apenas os juros baixos tirem os EUA da rota da recessão. Analistas, entretanto, observam que o comunicado pelo qual o FED anunciou a manutenção dos juros deu a entender que é quase inevitável, mais adiante, uma nova rodada de quantitative esaing (QE, compra de títulos pelo governo com o objetivo de injetar mais recursos na economia).

O mercado se decepcionou, em parte, com a decisão do Fed de não colocar já mais dinheiro à disposição da economia. A notícia refreou um pouco do ritmo de recuperação nas bolsas ; os investidores tentavam repor os fortes prejuízos sofridos na última segunda-feira quando os pregões despencaram numa reação de pânico ao rebaixamento da nota da dívida pública dos EUA. Nos dois QE que já ocorreram este ano, quase US$ 2 trilhões inundaram o sistema econômico do país, mas não foram suficientes para resgatar os Estados Unidos do atoleiro. Assim, o mercado aguarda ansioso mais uma injeção de dólares.

A situação anêmica da economia norte-americana acendeu um sinal de alerta no mundo todo, que teme os riscos de uma recessão global. Os últimos dados dos EUA reforçaram esses temores. O nível de produtividade dos trabalhadores, por exemplo, caiu 0,6% no primeiro trimestre e 0,3% no segundo, o que não ocorria desde a recessão de 2008. O consumo das famílias acompanhou o ritmo de queda e encolheu 0,2% em junho.

Alívio
A preocupação do Fed, agora, é que os Estados Unidos voltem a registrar taxas de crescimento negativas. A inflação na China é mais um fator de preocupação. A carestia por lá chegou a 6,5% em julho e o governo deve frear o consumo para segurar os preços, o que vai afetar a economia do mundo inteiro. Permanece também o medo de que os esforços europeus para proteger as economias de Itália e Espanha não sejam suficientes para superar a crise da dívida.

A manutenção dos juros norte-americanos entre 0% e 0,25% ao ano, por outro lado, ajudou a dar um alívio aos mercados. ;Isso mostra que estão dispostos a agir, se necessário, ponderou Michael Yoshikami, estrategista-chefe da YCMNET Califórnia.

Bolsas voltam ao azul

A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) recuperou parte do que tinha perdido na última segunda-feira e fechou o dia com alta de 5,1%. Essa foi a maior elevação desde 29 de outubro de 2009, quando o índice havia subido 5,91%. O resultado foi influenciado pela decisão do Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos EUA) de manter as taxas de juros norte-americanas perto de zero pelos próximos dois anos.

A recuperação só não foi mais comemorada devido ao derretimento de 26,20% ainda acumulado no ano, que reduziu fortemente o valor de mercado das empresas que têm papéis na bolsa paulista. A ação mais negociada da Petrobras, por exemplo, mesmo tendo registrado incremento de 2,68% no dia, amarga ainda queda de 30,82% no ano. O valor da empresa no mercado acionário encolheu nada menos do que R$ 154,4 bilhões desde que realizou a megacapitalização do pré-sal, em março, quando chegou a R$ 413,3 bilhões.

Mercados
Além da bolsa brasileira, os mercados acionários na Europa e nos Estados Unidos puderam respirar mais aliviados ontem, depois da forte desvalorização que todas registraram na segunda-feira. Em Nova York, o índice Dow Jones fechou com alta de 3,98%, o indicador S 500 subiu 4,74% e a valorização da Nasdaq alcançou 5,29%. A Bolsa de Londres teve elevação de 1,89%. Em Frankfurt, na Alemanha, prevalece a estabilidade, com o índice registrando pequena queda de 0,10%.

Na Ásia, entretanto, os resultados ainda foram negativos. Houve recuos em Tóquio (-1,68%) e Shangai (-0,03%), mas a situação pior foi a da Bolsa de Seul, em que por duas vezes o pregão foi interrompido por causa da queda abrupta das cotações. No fim, a praça coreana terminou o dia com baixa de 3,61%.

Toda essa instabilidade também afetou o dólar. A moeda, que chegou a ser negociada acima de R$ 1,65 antes do comunicado do Fed, caiu para R$ 1,590, uma variação de 1,39% ante o dia anterior. O ponto de virada foi exatamente quando no meio da tarde chegou ao mercado a informação de que a autoridade monetária norte-americana não daria mais estímulos à frágil economia do país.

O euro também perdeu 2,77% ante o franco suíço, caindo a seu menor patamar histórico em relação a essa moeda, mesmo com a possibilidade de uma intervenção do Banco Central da Suíça para enfraquecer sua divisa. No mercado de renda fixa no Brasil, chamou a atenção dos operadores o menor volume de títulos ofertados pelo Tesouro Nacional. Integrantes do governo, entretanto, têm afirmado que ainda é cedo para avaliar o impacto da crise sobre os leilões da dívida pública.

Analistas e autoridades recomendam cautela aos investidores. ;A recente turbulência dos mercados é um lembrete oportuno de que os riscos, agora, apontam para uma queda do crescimento;, argumentou Neil Shearing, economista da Capital Economics. O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, também avalia que o momento é de observação. ;A situação hoje é completamente diferente da de 2008, mas é preciso aguardar o desdobramento dessa turbulência;, disse. ;O clima de aversão continua, o Fed não trouxe nenhuma grande novidade. A crise está aí. Você tem ainda a Zona do Euro que está tentando achar uma saída;, avaliou Eduardo Galasini, gerente de Renda Fixa do Banco Banif. (VM)