Jornal Correio Braziliense

Economia

Indústrias não querem proteção, mas condições de competir, diz CNI

A indústria está apreensiva. Responsável pela manutenção do fôlego econômico durante a crise global, o setor enfrenta uma onda de desaquecimento. Entraves como a pesada carga tributária, juros altos e dólar desvalorizado em relação ao real têm prejudicado segmentos inteiros. Para o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, a queda do desemprego para níveis inéditos e o aquecimento nos serviços escondem a dificuldade de alguns ramos produtivos para competir com os estrangeiros.

;Os produtos fabricados em países desenvolvidos, onde o consumo foi reduzido, estão sendo vendidos em mercados como o nosso, que ainda têm potencial. A entrada dessas mercadorias contribui para reduzir as margens das empresas. Diante desse cenário, a indústria fica inquieta em relação ao futuro do país e os investimentos não saem;, afirma.

O empresário aguarda a divulgação da segunda versão da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), prometida pelo governo para agosto, na esperança de ver mais medidas para aumentar o incentivo à inovação e à competitividade dos produtos nacionais. ;A indústria não está pedindo proteção. Está pedindo igualdade de condições;, disse. Andrade defende a atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como financiador dos investimentos produtivos. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio.

Como o senhor avalia o cenário brasileiro atual em meio a escândalos de corrupção no governo e turbulências internacionais na economia?
Na questão política, como no caso recente do Ministério dos Transportes, o Brasil continua avançando. Há algum tempo, achávamos que corrupção era uma questão endêmica. Hoje, há punição e as providências são tomadas. Isso reflete um amadurecimento da sociedade e da política. Em relação à economia, há 20 anos, os reflexos de crises como a dos Estados Unidos e a da Europa demoravam para chegar, vinham de navio. Hoje, vêm por e-mail. É um pouco paradoxal, porque muitos setores no mercado doméstico estão com a utilização da capacidade das fábricas elevada, em torno de 83% e com emprego crescendo. Parece que está uma maravilha. Mas, nos detalhes, você percebe problemas.

Que tipo de problemas?
As margens dos produtos estão caindo muito, por conta dos juros altos e do crédito caro e escasso ao consumidor. Além disso, você tem um dólar desvalorizado em relação ao real que atrai as importações. Os produtos fabricados em países desenvolvidos, onde o consumo foi reduzido, estão sendo vendidos em mercados como o nosso, que ainda têm potencial. A entrada dessas mercadorias contribui para reduzir as margens das empresas. Diante desse cenário, a indústria fica inquieta em relação ao futuro do país e os investimentos não saem.

Então, não há o crescimento sustentado enxergado pelo governo?
Há crescimento em alguns setores. Ele é mais sustentado em determinados segmentos, como o dos alimentos. O brasileiro está comendo mais, está vivendo melhor. Em serviços e em setores da indústria ligados ao turismo e ao lazer, há uma relativa melhora, mas ela não é para toda a economia. Embora tenha que competir com 30% de veículos importados, a indústria automobilística consegue vender sua produção. Mas o setor de autopeças está tendo um problema enorme. Para disputar mercado com os importados, as montadoras trazem peças de fora, com preço mais baixo.

Mas a competição dos importados não faz bem ao consumidor, que pode ter acesso a produtos mais baratos? Há fatores que justifiquem, por exemplo, um carro fabricado no Brasil chegar ao México por R$ 25 mil, enquanto no mercado doméstico custa pelo menos R$ 59 mil?
Quando uma mercadoria é classificada como cara, é preciso fazer uma decomposição do preço, ver o que está por trás disso. Há um grande peso da carga tributária, por exemplo. Além do imposto, é necessário analisar o processo de fabricação. Se você produz para o mercado doméstico, há uma sequência de tributos em toda a sua cadeia. Se você está exportando, pode desonerar a cadeia por meio do Drawback (mecanismo do governo que isenta de impostos as compras de insumos destinados à produção de mercadorias que serão exportadas).

Então a indústria nacional precisa de proteção?
A indústria não está pedindo proteção. Está pedindo igualdade de condições. O produto importado entra hoje no Brasil livre de impostos, oriundo de países onde a carga tributária é de 20% ou 10% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto o que produzimos tem uma carga de quase 37%. Há ainda os custos elevados de mão de obra. Atualmente, várias empresas estão contratando engenheiros de Portugal e da Espanha por 1,8 mil euros. No Brasil, um profissional desses não vai trabalhar por menos de R$ 15 mil, e, por causa da legislação, custa R$ 30 mil à empresa.

A desoneração da folha de salários pode ser substituída por uma contribuição sobre o faturamento. Uma das propostas é aumentar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Não é uma troca ruim?
Na discussão com o Ministério da Fazenda, foi proposta a desoneração da folha e uma entidade sugeriu a retomada da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF). Todo mundo foi contra porque é um imposto ruim, que pesa sobre os setores de forma diferente. Os segmentos com uma cadeia produtiva longa, sofreriam mais. A CNI vai apresentar à Fazenda alternativas de compensação. Nas simulações que fizemos, não conseguimos achar um tributo que tivesse impacto igual em todos os setores. Acho que a solução é desonerar a folha em 6% ao longo de três anos, 2% de cada vez, em um processo gradual.

Não existe uma comodidade do setor empresarial de querer uma espécie de capitalismo sem risco, de só investir quando o governo dá garantias ou o BNDES participa?
Acho que não. O BNDES tem sido o ponto forte do país desde o segundo mandato do Lula. Hoje, ele é o grande financiador do desenvolvimento brasileiro. Ainda com taxas que não são as melhores do mundo, mas menores do que as dos bancos comerciais. É a única instituição que financia os programas de infraestrutura no Brasil. Se não fosse isso, estaríamos numa situação terrível.

O governo anunciou programas de incentivo. Porque até agora nada saiu? Partimos de um projeto pouco ambicioso?
A primeira Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) foi anunciada e muitas coisas foram feitas, mas outras não. Nós estamos aguardando o PDP 2, com medidas que possam trazer para o setor produtivo o que estamos esperando: o desenvolvimento de políticas voltadas para o incentivo e a igualdade competitiva.