Os investimentos e as mudanças no modelo de administração dos aeroportos, anunciados pelo governo para tentar romper gargalos históricos do setor aéreo brasileiro, despertaram o interesse de empresas especializadas no ramo de tecnologia para aviação. Fornecedores garantem que, independentemente do modelo de privatização a ser adotado no país e do início das obras de construção e ampliação de terminais, há imensa margem para a implementação de medidas que podem, a curto prazo, resultar em aumento da capacidade, como otimização de recursos e compartilhamento de espaços. Coordenadas com melhorias nas demais áreas de gestão aeroportuária, elas poderiam ainda promover avanços duradouros no segmento.
O nicho é promissor: só neste ano, a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), planeja investir R$ 94 milhões na área de tecnologia da informação (TI). A preocupação com o setor é ainda maior no Brasil por conta da realização de eventos como a Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Uma das empresas com planos para abocanhar uma fatia desse bolo é a Sita. Ela garante que consegue elevar a capacidade dos principais aeroportos brasileiros em 40%, em seis meses, apenas com a otimização de recursos de TI, sem mexer na infraestrutura física.
O modelo da Sita já foi implementado com sucesso em diversos aeroportos do mundo, mas o caso mais emblemático é o de Dusseldorf, na Alemanha. Lá, o controle é dividido em 50% de participação pública e 50% privada. Por meio de uma joint venture com a construtura Hochtief, dona de metade do aeroporto, uma terceira empresa foi criada para ficar responsável pela gestão de tecnologia: a Sait, que tem 70% do capital nas mãos da Sita e 30% com a Hochtief. Dessa forma, na prática, a Sita tem o controle de tudo que envolve uso de tecnologia nos terminais de Dusseldorf, desde a supervisão das bagagens aos sistemas de informação em tempo real para passageiros e companhias aéreas.
Norbert Steiger, vice-presidente de vendas da Sita para a América Latina e o Caribe, explica que, se consideradas exclusivamente as intervenções feitas pela Sita no aeroporto de Dusseldorf, o resultado foi uma queda de 12% nos custos anuais de manutenção, somada a um incremento de 20 milhões de euros nas receitas (cerca de R$ 44,6 milhões). ;Nós implementamos uma nova filosofia de trabalho que muda a visão de negócio. A velha mentalidade, presente em muitos locais, é a de que o aeroporto vende espaço. No nosso conceito, o objetivo principal não é alugar espaço físico para lojas e companhias aéreas, mas serviços;, afirma o executivo.
Demanda calculada
Entre as transformações implementadas pela Sita, a mais visível no aeroporto de Dusseldorf é o compartilhamento de espaço. Lá, terminais de autocheck-in, guichês de atendimento das companhias aéreas e até locais para estacionamento de aeronaves ; slots ; são compartilhados. Sistemas de tecnologia calculam a demanda de cada empresa de aviação com base nas informações de pousos e decolagens. Desse modo, foi possível, por exemplo, reduzir o número de guichês, aumentar a quantidade de lojas e, consequentemente, a rentabilidade do aeroporto.
O sistema é o contrário do usado no Brasil. Aqui, a divisão de áreas leva em consideração, de forma rígida, o número de voos das companhias e o espaço disponível no terminal. ;O problema é que, nesse modelo, as grandes empresas dominam quase todos os espaços mas, na maior parte do tempo, não os utilizam. De que adianta a companhia aérea ter 20 ou 30 guichês e não usar nem metade disso? No fim, a eficiência do aeroporto acaba comprometida;, avalia Steiger.
No Aeroporto de Guarulhos, são 83 guichês para a TAM, 64 para a Gol, oito para a Webjet e 16 para a Avianca. Puma, Trip e Passaredo têm, cada uma, quatro. Um exemplo da ineficiência desse modelo ocorreu na última terça-feira. Uma pane de uma hora e meia no sistema de check-in da Gol, que foi solucionada às 8h30 daquele dia, causou atrasos generalizados em todo o país. Por volta das 16h, cerca de 40% dos voos ainda estavam atrasados.
Falhas por desconexão
Uma pesquisa recente encomedada pela empresa de tecnologia Amadeus mostra que os principais problemas enfrentados pelos passageiros incluem longas filas para o resgate e despacho de bagagens, demora nos check-ins e interrupção frequente dos serviços sem informação adequada. Gustavo Murad, diretor de negócios para o setor aéreo da Amadeus, avalia que um dos maiores problemas enfrentados pelo setor aeroportuário brasileiro é a falta de integração das informações.
;A viagem de um passageiro, na verdade, envolve uma cadeia complexa, que vai desde a escolha da companhia e compra da passagem à retirada da bagagem no destino final. Todas as etapas desse processo estão sujeitas a interferências diversas, como problemas meteorológicos, de tráfego aéreo e falta de pontualidade do próprio passageiro. Se um único ponto falhar, todo o resto trava em efeito cascata. Daí a importância de integrar o processo;, argumenta Murad.
Raciocínio semelhante tem Antônio Almeida, consultor da Ernst & Young Terco. ;Tudo pode ser um gargalo, desde o congestionamento na pista do aeroporto à demora na esteira para retirada de bagagem ou até a ineficiência do transporte urbano para a chegada e saída das pessoas ao terminal. O importante é ter todos os processos ajustados para que o passageiro fique o menor tempo possível no aeroporto. Nesse sentido, a tecnologia pode contribuir significativamente para a coordenação e otimização do processo;, afirma.
Gargalos
Um exemplo do potencial da integração dos processos de administração pode ser observado no Terminal 2 do Aeroporto da Portela, em Lisboa (Portugal). Lá, a empresa de tecnologia Siemens implantou o modelo Capacity Plus, no qual a responsabilidade de supervisionar todas as etapas que o passageiro percorre, do momento em que chega ao aeroporto até o embarque, fica cargo de um único sistema. Com um contrato de 10 anos, a Siemens construiu o módulo em cinco meses e ampliou a capacidade do aeroporto em 4 milhões de passageiros. ;Um dos problemas no Brasil é que cada etapa é feita com base em um sistema diferente e esses sistemas não conversam entre si, o que piora os gargalos existentes;, pondera Paulo Alvarenga, diretor executivo da divisão de mobilidade da Siemens no Brasil.
Em uma coisa os especialistas concordam: se aplicados de forma inteligente, os investimentos em melhorias nos aeroportos brasileiros significarão, a médio e longo prazo, visibilidade positiva para o país e desenvolvimento de setores como os de turismo e negócios. ;As pessoas já encaram os aeroportos como grandes centros de conveniência, interligados a lojas, restaurantes, entretenimento e hotéis. Quando mais organizados e eficientes, mais passageiros darão preferência por fazer conexões nesses locais, levando mais dinheiro, turismo e empregos;, resume Gustavo Murad, da Amadeus. ;O impacto também é sentido na rentabilidade do aeroporto. Passageiros irritados compram menos nas lojas dos terminais, que são responsáveis por boa parte da receita;, emenda Norbert Steiger, da Sita. (GHB)
Percalços no caminho
Problemas mais comuns relatados pelos passageiros - (Em %)
Demora para passar pela segurança - 25,2
Dificuldade para encontrar o voo desejado por um preço aceitável - 20,4
Atrasos e cancelamentos de voos - 18,4
Demora para fazer o check-in - 15,7
Demora para despachar a bagagem - 11,9
Extravio de bagagem - 11,2
Demora para entrega da bagagem - 11,2
Dificuldade para reservar um voo usando programas de milhagem - 10,9
Não recebimento de informações em tempo real - 9,9
Falta de compensação em casos de falha do serviço - 9,5
Dificuldade para trocar passagens - 9,4
Não receber o assento pedido - 7,7
Dificuldade para reservar um voo - 5,8
Demora para receber as milhas do programa de milhagens - 5,5
Atualização de milhagens - 5,2
Dificuldade em ser realocado em caso de perda do voo - 5,2
Dificuldade em reservar e pagar serviços extras - 3,4
Não recebimento de serviços reservados previamente - 2,2
Outros - 4,7
Fonte: Amadeus