Jornal Correio Braziliense

Economia

ANS engaveta cerca de 10 mil queixas de consumidores sobre planos de saúde

A razão de existir da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é a proteção e defesa do cliente de plano de saúde. O órgão encarregado de regular e fiscalizar o setor estampa em sua página na internet que o consumidor é o protagonista de suas ações. Mas a prática revela que os usuários não passam de meros figurantes. No início do mês, a Diretoria de Fiscalização, responsável pelo atendimento às reclamações, mandou engavetar, por meio de memorando interno, todas as queixas e consultas acumuladas desde março sem resposta ; em torno de 10 mil. Quem quiser que reapresente a queixa, ;fornecendo o maior número de informações possíveis sobre o caso relatado;.

Essa é a resposta que têm recebido os consumidores que perderam tempo nos últimos meses acessando os canais de atendimento da agência, que custam aos cofres públicos R$ 4,07 milhões por ano. O contrato com a empresa prestadora do serviço, a Algar Tecnologia e Consultoria, foi encerrado em 18 de maio, mas foi prorrogado por mais três meses, até 18 de agosto, ao valor de R$ 1 milhão. Problemas com planos de saúde lideram o ranking de reclamações dos órgãos de defesa do consumidor.

A justificativa da agência é que o sistema de cadastro das demandas do ;Fale com a ANS; passou por processo de mudanças e que, por isso, não foi possível respondê-las. Mas não é de hoje que a ANS atende mal ao usuário. Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) realizada no órgão entre 2008 e abril de 2009 já havia detectado que o serviço destinado ao consumidor não funcionava bem.

Segundo o relatório do TCU, não foram apresentados dados sobre as taxas de resposta aos usuários, de reabertura de demanda ou outros indicadores de resolução das reclamações. Há dois anos, a ANS apresentou ao tribunal a mesma explicação ; de que a central de atendimento está em processo de mudanças para otimizar os serviços prestados ; repassada aos consumidores que reclamaram e não foram atendidos. Foi o que os auditores ouviram dos responsáveis pela Gerência-Geral de Relacionamento Institucional em reunião realizada na sede da autarquia em 13 de junho de 2009.

Colapso e morte

Em março deste ano, a ANS chegou a avisar na internet que ;o tempo de resposta das demandas; encontrava-se ;um pouco maior que o usual;, ressaltando que o atendimento ao consumidor permanecia ;em plena atividade pelo Disque-ANS (0800 701 9656);. Na realidade, o Disque-ANS estava entrando em colapso.

Ao Correio, a ANS minimizou o problema. Informou que ;os cidadãos que entraram em contato durante o período foram respondidos diretamente pela Central de Atendimento Disque ANS;. Só não foram atendidos ;os que não ofereceram elementos suficientes para a resposta;. Para eles, foi encaminhada mensagem solicitando o reencaminhamento da demanda. A assessoria da ANS disse ainda que ;não confirma o número de 10 mil; consultas ignoradas, mas não informou quantas ficaram sem resposta.

Os consumidores estão indignados. Margarete de Brito já protocolou diversas reclamações desde março. Para sua surpresa, recebeu três e-mails da ANS, todos dizendo para ela reapresentar a queixa, se tiver interesse. O servidor Valdemar Valverde já cansou de enviar e-mails para o órgão, sem obter resposta. ;Se fosse um caso de vida ou morte, o paciente já estaria enterrado;, reclamou. Foi o que ocorreu com o aposentado Affonso Luccas, de 85 anos. Ele morreu num hospital público em São Paulo, sem obter o retorno da ANS.

Desabafo
;Sabemos que as agências reguladoras não funcionam, não cumprem o objetivo de sua existência. Quando tratamos de telefonia ou de energia elétrica, nos conformamos com o mau atendimento. Porém, quando falamos de saúde, é absurdo e sem sentido a agência trabalhar com os prazos atuais e achar justificativas para isso;, desabafou o empresário José Boelle.

Ivone Ribeiro constatou que o Sistema Único de Saúde é mais rápido que a ANS. Ela protocolou reclamação à agência em 5 de maio por causa da negativa de seu plano de cobrir uma cirurgia. Sem resposta da autarquia e do plano, recorreu ao SUS para fazer a cirurgia. ;O SUS me atendeu mais rápido;, relatou.