Um dos símbolos mais evidentes da corrupção que tomou conta do Ministério dos Transportes e derrubou Alfredo Nascimento da chefia da pasta e quatro de seus subordinados é o estado de calamidade das ferrovias brasileiras. Dados entregues à presidente Dilma Rousseff mostram que dois terços dos 28 mil quilômetros de linhas de trem privatizados nos anos 1990 foram sucateados sem que, nos últimos oito anos, o órgão tomasse qualquer providência para proteger o patrimônio do país, avaliado em R$ 40 bilhões.
O descaso é tão grande, segundo o Palácio do Planalto, que mesmo os projetos novos sob o comando da Valec, estatal presidida por José Francisco das Neves, o Juquinha, um dos defenestrados por Dilma, vinham sendo executados à base de propina, movidos a superfaturamento, sem qualquer compromisso com os interesses públicos. ;O que se vê no setor de ferrovias é um descalabro;, disse um assessor de Dilma.
Ele ressaltou que, não bastasse a destruição de um patrimônio de R$ 40 bilhões pela omissão, a cúpula dos Transportes aumentou, entre março do ano passado e maio deste, o orçamento para as ferrovias previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), sem qualquer justificativa técnica. O custo passou de R$ 11,9 bilhões para R$ 16,4 bilhões ; mais 37,8%. ;Em apenas um trecho, a Valec, com Juquinha à frente, inflou o gasto em R$ 828 milhões, o que a presidente considerou inaceitável;, acrescentou o assessor.
Respaldado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o Planalto está convencido de que, no caso das ferrovias privatizadas, o ministério nada fez para corrigir as imperfeições dos contratos e impor responsabilidades aos gestores privados. O resultado são toneladas de equipamentos, trilhos e dormentes pilhados ou apodrecendo ao ar livre. Diante do descalabro, o Ministério Público Federal exige que os concessionários assumam a manutenção e o restauro dos trechos abandonados.
Quem teve acesso aos documentos apresentados a Dilma é taxativo: a Valec, criada em 2008 para ocupar o vácuo deixado pela extinta Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), pode ser comparada a um trem desgovernado. E o que mais assustou a presidente foi o fato de a empresa ter, sob sua responsabilidade, cinco grandes novas estradas, incluindo a Ferrovia Norte-Sul. Esses projetos bilionários fizeram dela a ;Petrobras; da pasta dos Transportes. Como tal, servia de balcão de negócios para o esquema liderado pelo PR, partido do ex-ministro Nascimento.
Segundo denúncias que chegaram ao Planalto, o presidente da Valec seria o responsável pela cobrança de propinas de empreiteiras, reportando-se diretamente ao secretário-geral do PR, o deputado Valdemar da Costa Neto. As suspeitas estão sob investigação da Polícia Federal e do Ministério Público, que já identificaram um superfaturamento de R$ 71 milhões (valores atualizados) no trecho goiano de 105 quilômetros da Norte-Sul, que liga as cidades de Santa Isabel a Uruaçu (GO). As regras do edital teriam sido direcionadas em favor da Constran e aliados da construtora. Em uma ação pública, Juquinha e três dirigentes da Valec, além de três empreiteiras, foram denunciados por improbidade.
Não é apenas Dilma que se mostra indignada com o que ocorre nos Transportes. ;Estamos apurando a relação entre o esquema do Juquinha e problemas envolvendo demissões e débitos trabalhistas coordenados pela Valec;, disse ao Correio Walmir de Lemos, diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Transporte (CNTT). Um acordo feito com a Valec indicava passivos trabalhistas de até R$ 20 bilhões.
Para Rodrigo Vilaça, diretor executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), que representa as concessionárias, há uma excessiva descentralização na tomada de decisões sobre o setor. A elaboração e execução de projetos passam pelo crivo de várias siglas, todas envolvidas em denúncias de corrupção, como o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e a Valec.
Adiado leilão de aeroporto
A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) decidiu adiar a realização do primeiro leilão de concessão de um aeroporto, o de São Gonçalo do Amarante, na região metropolitana de Natal (RN). Previsto para ocorrer em 19 de julho, na Bolsa de Valores de São Paulo (BMF), o pregão foi remarcado para 22 de agosto, em razão de questionamentos apresentados no mês passado pelos interessados, além de manifestações formalmente encaminhadas à comissão de licitação. O órgão regulador optou pela prorrogação para que todos os grupos tenham tempo suficiente de adaptar suas propostas.