Jornal Correio Braziliense

Economia

Transferência de renda do Bolsa Família evita caos no DF

Da janela da presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto, podem ser avistadas comunidades que estão distantes dos invejáveis números do bem-estar econômico de Brasília. O Distrito Federal reúne 2,55 milhões de pessoas com a maior renda per capita metropolitana do país. Mas a menor unidade da Federação está cercada por 20 cidades do leste goiano que somam 1,3 milhão de pessoas com renda per capita abaixo da metade da média nacional. Esse anel de empobrecidos só não inchou mais porque os programas de transferência de renda evitaram o aumento da migração.

Júlio Miragaya, coordenador do estudo Mapa da Distribuição Espacial da Renda no Brasil, vai direito ao ponto. Ele ressalta que o contingente do Entorno do DF só não é maior devido ao Programa Bolsa Família, carro-chefe da ação social do governo. ;Graças à transferência de renda, 200 mil pessoas deixaram de migrar para a região nos últimos oito anos;, calcula o economista.

A Brasília de renda elevada se indigna com a pobreza da periferia. A administradora Inês Guimarães, 53 anos, tem duas graduações, come bem, viaja e mora numa boa casa, no Guará. ;Não esbanjo dinheiro, mas também não regro;, conta. Na sua opinião, a saída para distribuir renda está na educação. ;O país não dá condições para que pessoas de regiões pobres estudem. Assim, acabam em serviços braçais, que não pagam bem;, observa. Ela revela que nunca esteve em situação financeira ruim. ;Sei que a pobreza existe, mas não consigo me colocar no lugar dessas pessoas. Não consigo nem imaginar.;

Sem asfalto
O bairro Vila União, no Novo Gama (GO), é um desses lugares que aterrorizariam Inês. Os moradores convivem com esgoto a céu aberto e ruas sem asfalto. Famílias que enfrentam problemas com transporte e segurança não enxergam outra opção de moradia. Eugênio Antônio de Lima, 56 anos, vive com a mulher e três filhos num casebre localizado em um ponto de difícil acesso. ;Nossa renda é de um salário mínimo;, lamenta. O porteiro trabalha em Taguatinga e queixa-se da desigualdade: ;Enquanto lá as pessoas compram carros, aqui não temos nem bicicleta;. Ele saiu do Rio Grande do Norte há 28 anos com a esperança de melhorar a situação e nunca voltou. ;Aqui é ruim, lá é pior;, reconhece.

As razões do inchaço na periferia de Brasília estão em um expressivo fluxo migratório de brasileiros egressos de regiões pobres, sobretudo do Nordeste, atraídos pelas oportunidades de uma vida melhor na capital federal. E a particular disparidade econômica entre o DF e cidades vizinhas deve-se à ausência de atividades produtivas relevantes. Outra causa do contraste está no fato de as cidades periféricas estarem sob responsabilidade de outro governo regional. ;Há um vácuo institucional que impede a implementação de medidas em favor da economia. Isso fica claro ao se perceber o progresso de outros polos no interior de Goiás;, explica o economista.

No momento em que a presidente Dilma Rousseff acaba de lançar o Plano Brasil Sem Miséria, os autores do mapa concluem que as transferências de renda resultam em desenvolvimento social e ajudam a fixar cidadãos pobres em suas cidades de origem, mas não desenvolvem a região. ;A população fica menos miserável, mas muitos continuam a depender do assistencialismo;, diz Miragaya.

O economista Roberto Ellery, da Universidade de Brasília (UnB), avalia que, do ponto de vista do desenvolvimento regional, a política de inclusão social até acerta no alvo, mas erra no método. Em áreas que ainda não atingiram um estágio econômico ideal requer investimento mais qualificado nas pessoas mais pobres. ;O foco na desigualdade regional precisa ser o indivíduo;, defende. Para aproximar indicadores de centro rico e periferia pobre, Ellery afirma que devem ser atacadas deficiências variadas, que vão da falta de lâmpada na rua até a burocracia para abrir empresas.

Meta ousada
Com a meta de tirar 16,2 milhões de pessoas da extrema pobreza, o Plano Brasil Sem Miséria visa aliar transferência de renda com acesso a serviços públicos de educação, saúde, assistência, saneamento, eletricidade e geração de emprego. Serão beneficiados cidadãos que ganham até R$ 70 por mês. Entre os objetivos está acrescentar ao Bolsa Família mais 1,3 milhão de famílias, dar R$ 2,4 mil a pequenos produtores rurais e transferir R$ 300 a cada três meses para quem preservar florestas.