Cerca de 1,5 milhão de mutuários com contrato assinado até julho de 2009, em todo o país, estão pagando seguro embutido nas prestações da casa própria até duas vezes mais caro que o cobrado dos novos tomadores de empréstimos habitacionais. Desse total, 600 mil são da classe média e financiaram seus imóveis com diversos bancos privados e públicos pelo Sistema Brasileira de Poupança e Empréstimos (SBPE). Os demais são da carta de crédito da Caixa Econômica Federal com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Essa cobrança diferenciada, aplicada pelas seguradoras ligadas aos principais bancos desde o segundo semestre de 2009, engorda os cofres das empresas em cerca de R$ 500 milhões por ano.
A Caixa Seguros, que detém 70% das apólices habitacionais no país, reduziu de 40% a 50% o seguro a partir de 3 de agosto de 2009, mas avisou que a medida só valia para novos contratos. Ao cobrar preços diferentes de mutuários de mesma idade e com idêntico saldo devedor, as seguradoras desrespeitam o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN), que determina o direito à mudança de apólice pelo mutuário a qualquer momento.
A servidora pública Ana Maria Pereira tem contrato com o Itaú desde 2007 e paga R$ 115,63 de seguro na prestação. Com o mesmo saldo devedor (R$ 158 mil) e idade (41 anos) de Ana, outro cliente paga hoje R$ 83,25, 30% a menos, conforme simulação obtida no site do Itaú. Na Caixa Seguros, a diferença é bem maior: uma pessoa de 42 anos com contrato assinado em julho de 2009 e saldo devedor de R$ 138 mil paga hoje R$ 157 de seguro. Para dívida e idade iguais, a Caixa cobra hoje
R$ 71 em um contrato assinado agora, numa redução de 55%. Em um ano, o mutuário antigo terá pago R$ 1.032 a mais que o novo.
Outro cliente da Caixa com financiamento de R$ 120 mil pela linha Pró-Cotista do FGTS começou pagando R$ 107,68 de seguro em maio de 2009. Doze meses depois, já estava desembolsando mais de
R$ 120, devido à correção aplicada pela seguradora. No entanto, se tivesse contratado hoje, mesmo estando mais velho, pagaria R$ 65,70, quase 50% a menos. Em um ano, a diferença chega a R$ 651.
Se as seguradoras não baixarem os valores dos contratos antigos ao preço de mercado atual, a tendência é que a Justiça seja abarrotada com ações. Segundo advogados e um juiz especializado em direito do consumidor consultados pelo Correio, a Resolução n; 3.811 do CMN, de novembro de 2009, que permite o acesso a seguradoras que ofereçam condições melhores, é clara quanto ao direito dos mutuários com contratos anteriores. O artigo 6; da resolução diz que ;a instituição integrante do SFH deverá aceitar a mudança de apólice, por opção do mutuário, durante o curso do contrato de financiamento habitacional;. Ou seja, a qualquer momento.
Mesmo que não houvesse essa resolução, a redução dos encargos de financiamentos habitacionais tem que alcançar os contratos assinados antes da norma, pois eles são de trato sucessivo, que se renovam periodicamente, afirma o juiz consultado. ;A Resolução n; 3.811 atinge também os mutuários com contratos anteriores à sua edição. Nem podia ser diferente, pois o direito está assegurado na lei. A resolução apenas disciplinou a aplicação desse direito;, afirma a advogada Carla Buiati, do escritório Buaiti & Passos.
O advogado Sérgio Sender, especialista em direito imobiliário que atua no Rio de Janeiro, garante que o direito de revisão contratual está previsto no inciso V do artigo 6; do CDC, que determina ;a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;. Segundo Sender, se as seguradoras estão oferecendo preço mais baixo para os segurados novos, o contrato ficou mais oneroso para os antigos. ;Cabe a revisão do contrato;, afirma.
Precedentes
O juiz lembra que, como os contratos de financiamento habitacional são de prestação continuada ou de trato sucessivo, tal como o da apólice do seguro, qualquer norma nova favorável posterior se estende aos novos e aos que já estão em vigência. Segundo o juiz, o mutuário da casa própria é considerado consumidor qualificado, ;nitidamente mais vulnerável;, por lidar com grandes conglomerados econômicos, sem possibilidade de discutir as cláusulas contratuais. Ele menciona precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que consolidam esse entendimento.
;Com relação à aplicação do CDC em casu, sendo o contrato de mútuo habitacional uma relação continuada, isto é, de trato sucessivo, a lei nova deve ser aplicada aos fatos ocorridos durante sua vigência;, assinala ementa de decisão do STJ publicada em junho de 2009. ;O fato de ser o contrato em apreço de trato sucessivo faz com que incida o CDC, mesmo que tenha sido celebrado anteriormente à vigência de diploma legal;, ressalta outro acórdão do tribunal, de 2005.
Isonomia
Não há discussão sobre a aplicação da Resolução n; 3.811 do Conselho Monetário Nacional (CMN) a todos os mutuários, segundo o entendimento do juiz ouvido pelo Correio. O contrato habitacional é de adesão, normatizado pelo Poder Público em função de sua importância social. Por isso, deve ser respeitada a igualdade entre os clientes, que estão protegidos pelo CDC e pelos princípios constitucionais da isonomia e da dignidade. O caput do artigo 6; do código garante como direito do consumidor a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações.
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