Jornal Correio Braziliense

Economia

De cada 100 processos, 30 são contra empresas e prestadores de serviços

As ações movidas pelos consumidores já são maioria nos tribunais brasileiros. De cada 100 processos em análise, 30 se referem a queixas contra produtos ou serviços, segundo pesquisa realizada pela Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) ; as trabalhistas são 25%. Tal predomínio é resultado do amadurecimento dos brasileiros, fortalecidos na disputa contra o comércio e a indústria por meio do Código de Defesa do Consumidor, que, em setembro próximo, completará 21 anos, atingindo a maioridade.

;Esse quadro reflete a conquista da cidadania;, disse a coordenadora da pesquisa, Luciana Gross Cunha. Ela ressaltou que, quando se analisa todos os processos em tramitação no Judiciário, constata-se que quase a metade, precisamente 46%, dos brasileiros já moveu algum tipo de demanda. Sobre o predomínio de ações na área de defesa do consumidor, Luciana observou que foi feito um trabalho didático que popularizou o código editado em 1990.

Outro ponto relevante que motiva os processos dos consumidores é a maior agilidade nas decisões, pois acaba predominando o sistema de conciliação, já que os valores em discussão são baixos. Para a pesquisadora, a tendência é de que a procura pela Justiça seja ainda maior, tal o grau de satisfação observado entre os usuários: 89%.

;Nos próximos anos, a população terá mais conhecimentos e poderá acionar ainda mais o Judiciário, usando o mecanismo da conciliação que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vem trabalhando de forma muito eficiente, como alternativa legítima para dirimir os conflitos da sociedade;, afirmou.

Apesar de todos os avanços, o ministro Ives Gandra Martins, integrante do CNJ, critica o excesso de demandas pelo Judiciário. A seu ver, há um excesso de escolas de direito no Brasil, sustentando uma ;república de bacharéis; que em nada contribui para o processo de democratização da Justiça. O que se vê, na verdade, são profissionais com má formação, que nem sequer conseguem aprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e, quando passam nas provas, recorrem à Justiça por questões que poderiam ser equacionadas por meio da conciliação. Ou seja, protelam as decisões e encarecem os procedimentos.

;O Brasil tem 2,5 mil escolas de direito. É muito mais do que o número de similares existentes no restante do mundo. Talvez, por isso, o Brasil tenha um quadro de litigiosidade muito grande;, disse Gandra. Pelas suas contas, tramitam, atualmente, na Justiça brasileira cerca de 64 milhões de ações judiciais para 16 mil juízes. ;Alguma coisa está errada. Portanto, devemos estimular mecanismos como a conciliação não judicial;, destacou.

Mas Gandra admite: a popularização do Código de Defesa do Consumidor provocou uma importante revolução, levando as pessoas a buscarem os Juizados Especiais, nos quais cobram indenizações por serviços mal prestados e produtos de má qualidade, principalmente os oferecidos por empresas de telefonia e pelo comércio de móveis e de eletrodomésticos. ;São etapas da evolução do acesso à Justiça. Primeiro, foram criadas as Defensorias Públicas. Depois, vieram as Ações Coletivas. Agora, há os Juizados de Pequenas Causas e as Comissões de Conciliação;, disse.

O advogado Anderson Santana, no entanto, critica as decisões dos Juizados Especiais, que julgam processos de até R$ 20 mil. ;Há muitas decisões infelizes, superficiais, carentes de análise meritória e sujeitas a prorrogações, levando as causas para a segunda instância. Isso resulta em prejuízos às partes mais fracas. Recentemente, acompanhei três decisões absurdas que não respeitaram a legislação e que legitimaram casos de irregularidade;,
garantiu.

Pobres ainda sofrem
A falta de informação e de recursos financeiros prejudica aqueles que precisam usar a Justiça em busca de seus direitos. ;Como escreveu o ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), terá a melhor defesa quem dispuser de dinheiro para pagar bons advogados;, observou a advogada Fernanda Matielo. ;A população mais carente tem acesso à Justiça formal, mas falta a parte material. Há necessidade de acesso mais efetivo, porque os Juizados Especiais dão vitória nas causas de valores pequenos, mas, se for necessário ir a outras instâncias, o pobre fica desamparado. As melhores defesas são daqueles que podem pagar;, afirmou.