Jornal Correio Braziliense

Economia

Cuidado com os filhos força segunda jornada de trabalho das mulheres

A má distribuição de tarefas entre homens e mulheres em casa e no cuidado com os filhos é apontada como fator limitante para inserção das mulheres no mercado de trabalho, em carreiras com melhor remuneração.

;As mulheres não entram em condições de igualdade com os homens no mercado de trabalho por causa da dupla jornada que exercem e não são remuneradas por conta de cuidados com os filhos, com a casa e, com as pessoas doentes e, às vezes, até com com o trabalho comunitário;, aponta Eliana Graça, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e voluntária do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea).

;A responsabilidade dupla das mulheres acaba fazendo com que ela se insira de forma mais precária no mercado de trabalho; contribuindo decisivamente para que as famílias chefiadas por elas estejam mais presentes na pobreza do que as famílias chefiadas por homens;, complementa a economista Luana Simões Pinheiro, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Luana pondera, no entanto, que a inserção precária no mercado de trabalho não se deve apenas ao domínio masculino e a ações descriminatórias do mercado. ;Essa questão se reproduz pelos homens e pelas mulheres. É uma questão de dois lados. Não tem só vítimas, mocinhos e bandidos nessa história. Todo mundo reproduz no cotidiano;, enfatiza ao lembrar que ;as meninas nascem ganhando um kit cozinha, com panelinhas, e os meninos ganhando um carrão de brinquedo, que incentiva a velocidade a não ter medo, a ter coragem;.

O sociólogo e professor da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Venturi destaca que todo fenômeno de dominação e opressão só ocorre porque aqueles que têm um papel subalterno assumem valores do grupo dominante. ;Muitas mulheres contribuem para a reprodução dessa cultura machista, ainda que sofram fortemente suas consequências;, avalia.

Venturi coordenou a pesquisa Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado, feita para a Fundação Perseu Abramo (ligada ao PT) para o Serviço Social do Comércio (Sesc), na qual 30% dos homens se declararam machistas (4% ;muito machistas;).

A pesquisa recentemente divulgada pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (aplicada em agosto de 2010) foi comparada a outro estudo semelhante de 2001. Para Venturi, no intervalo de nove anos, foram poucas as mudanças no ;consenso; de que são as mulheres que devem cuidar dos filhos desde a primeira infância. De lá para cá, cresceu de 27,3% para 35,2% o número de famílias chefiadas por mulheres segundo dados do Instituto de Estudos do Trabalho e da Sociedade (IETS).

Eliana Graça, do Cfemea e do Inesc, aponta que as políticas públicas que foram criadas pelo governo federal nesse período, como o Programa Bolsa Família, mantém o preconceito de que o cuidado com os filhos é responsabilidade exclusiva das mães. Noventa e três por cento dos cartões do programa são em nome das mulheres. ;Assim, o programa cristaliza o papel da mulher que nós estamos acostumados: o papel da mãe cuidadora;.