Jornal Correio Braziliense

Economia

Apertados pelas contas, trabalhadores sacrificam investimentos na poupança

Gastos com viagens, despesas escolares e impostos. O começo de ano do brasileiro é recheado de preocupações com diversas despesas. Para não entrar no vermelho nos primeiros meses, os consumidores juntam as economias com o objetivo de eliminar as dívidas. A caderneta de poupança, tradicional opção para quem quer proteger o patrimônio, é a principal vítima na hora da quitação dos débitos. Segundo dados divulgados ontem pelo Banco Central, os brasileiros sacaram R$ 96,1 bilhões dessa modalidade de investimento em fevereiro e depositaram R$ 95,4 bilhões. O volume de retiradas não superava o de entradas desde abril de 2009 ; a diferença ficou negativa em R$ 745 milhões.

No ano, a caderneta já perdeu R$ 470 milhões, pior resultado desde o primeiro bimestre de 2006. Mesmo com a desesperada tentativa de torrar ativos para equilibrar as contas, o número de trabalhadores pendurados não para de subir. Em janeiro de 2011, o endividamento do brasileiro no sistema financeiro foi de R$ 787 bilhões. No mesmo período de 2010, eram R$ 643,9 bilhões. Em um ano, o salto foi de R$ 143,1 bilhões. Para Júlio Santos, educador financeiro do Instituto DSOP, sacrificar as economias para sanar dívidas é aceitável, mas não atinge a raiz do problema. ;O importante é que o consumidor faça uma reflexão sobre as prioridades de gastos. Não adianta limpar as reservas se não houver mudança de comportamento;, disse.

Na avaliação da economista Marianne Hanson, da Confederação Nacional do Comércio (CNC), o endividamento está alto, mas o bom momento econômico facilita o pagamento dos compromissos. ;O crescimento do emprego e da renda familiar permite a realização de mais empréstimos a longo prazo, mas que ainda cabem no bolso do consumidor;, explicou. ;O nível de inadimplência é baixo. Tudo isso contribui para que as pessoas se sintam mais confiantes e tenham as dívidas sob controle, mesmo que, para isso, precisem gastar suas economias.;

Usar as reservas para pagar dívidas é uma forma de garantir a tranquilidade. No caso de Ana Paula Lima, 26 anos, professora de educação física e estudante de radiologia, o dinheiro retirado da poupança serve para garantir a permanência em Brasília, além de ajudar na preparação para o concurso de oficial da Marinha. ;Peguei dinheiro da poupança para pagar a faculdade e o aluguel da minha casa. Gastei metade, mas vou poupar novamente, porque decidi não pular o carnaval, nem viajar nas férias;, disse.

No vermelho
O bancário Rodrigo Abraão, 23 anos, sacou economias para pagar roupas compradas no fim de ano. ;Gastei mais da metade da minha poupança. Quase fiquei no vermelho. Agora, pretendo fazer novos investimentos;, disse. Abraão lamentou ter precisado gastar suas reservas. ;O certo seria não ter tirado nenhum dinheiro, porque a poupança é segura, apesar de render pouco.;

A estagiária Noele Campos, 22 anos, economiza para concluir os estudos e entrar na carreira profissional com o pé direito. ;Tenho poupança e raramente tiro algo de lá, porque não faço muitas despesas, já que moro com meus pais. Mas, às vezes, preciso sacar dinheiro para pagar viagens e livros;, afirmou. De acordo com a pesquisa de endividamento e inadimplência do consumidor, divulgada pela Fecomércio-SP, 53,8% dos consumidores paulistas estão encalacrados. Entre as dívidas mais comuns, estão as contas do cartão de crédito (68,3%), carnês (30,6%) e financiamentos de veículos (12,9%). Na semana passada, a CNC divulgou levantamento segundo o qual 65,3% dos brasileiros têm débitos.

A principal função da poupança, quando foi criada, era financiar projetos de habitação e de saneamento. Na década de 1970, muita gente aplicava todas as sobras na caderneta. Ainda hoje, a modalidade é considerada uma das mais seguras para a posterior aquisição de bens. O servidor público Bernardo Francisco de Moraes Neto, 48 anos, economiza para comprar um apartamento em Águas Claras. ;Eu e a minha mulher economizamos para realizar esse sonho;, contou.