Jornal Correio Braziliense

Economia

Comprador deve ficar atento para não ser vítima de descontos falsos

O ideal é pesquisar e não se empolgar, diz especialista

Banners estampados em lojas anunciam reduções de até 80% nos preços e atraem milhares de compradores. As irresistíveis liquidações, entretanto, podem ser um perigo para o bolso do brasileiro. Vitrines ilustradas com letras garrafais e cores fortes escondem uma velha armadilha de consumo. Iludidos com descontos falsos, os compradores acabam levando para casa itens dos quais não necessitam e com o preço original. O comércio continua lucrando. A expectativa para este ano é de um crescimento de 13% nas vendas e de 18% no fluxo de pessoas em shopping centers nos períodos dos saldões, segundo dados da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop). Ainda assim, tomadas as devidas precauções, as ofertas são uma alternativa para quem quer gastar pouco. O educador financeiro Reinaldo Domingos ensina como tirar proveito das promoções. "A primeira coisa a pensar é se o produto é necessário. Em segundo lugar, vem o orçamento. Em seguida, as prioridades", adverte. Ele explica que o cliente, fascinado pelos descontos, é induzido a comprar. "O ideal é procurar o preço original na internet para não ser enganado. Depois, ir a, no mínimo, três lojas." Táticas A pedagoga Mariana de Melo Silva, 23 anos, está sempre atenta às promoções e conta que, ainda assim, esteve entre aqueles que são, frequentemente, enganados pelo comércio. "Como consumidora, eu nunca notei essas táticas. Mas já fui vendedora e sei que fazem isso. A peça é vendida inicialmente por um preço mais baixo do que o de tabela. Na promoção, comparam com o valor maior, mas o preço real ficou o mesmo. Nem se mexeu", revela. Em meio a tantas ofertas, ela acaba comprando além do essencial. "Eu já comprei várias vezes sem precisar, só pelo desconto." Domingos frisa que, mesmo quando um produto está em promoção, com o pagamento à vista, ele ganha uma redução ainda maior. "Compras feitas no cartão já têm os juros embutidos. No mínimo, há uma taxa. Então, em dinheiro, há grande possibilidade de se pagar menos", ensina. Para ele, a boa educação do cliente também conta na hora de pechinchar. "Ser cordial com os vendedores é importante. Um 'bom-dia' e simpatia sempre ajudam. Assim, é mais fácil ser bem atendido e, consequentemente, pagar mais barato pelo produto." O especialista destaca outros truques utilizados para persuadir o consumidor a gastar. "Geralmente, os itens em oferta ficam no fundo da loja. No caminho, o cliente acaba pegando outras coisas, que estão expostas", atesta. Ele alerta, ainda, para promoções que induzem à compra de mais de um produto. "Aqueles anúncios 'pague dois e leve três' fazem com que o cliente compre mais do que necessita. Além disso, é preciso fazer as contas para checar se o preço individual não é mais em conta." Finanças pessoais em perigo Por trás de grandes ofertas, estão vantagens e desvantagens, principalmente para o orçamento do consumidor. Alguns aproveitam as liquidações para renovar o guarda-roupa, mas se esquecem de prever despesas futuras, o que acaba desorganizando as finanças familiares. Além disso, preços baixos nem sempre são sinônimo de bom negócio. Peças defeituosas e alimentos com o prazo de validade esgotado estão sempre presentes em queimas de estoque. A dica é planejar, pesquisar e observar. A servidora Joseane Ribeiro de Souza, 32 anos, é especialista em promoções. "O melhor é comprar no primeiro dia da liquidação. Eu sempre dou o telefone e e-mail para que as lojas me avisem com antecedência a baixa dos preços", diz. Ela destaca que é importante ficar atento ao produto. "Nos feirões, é comum ver peças com cheiro de mofo, que estão lá há tempos. Nesses casos, elas já perderam a qualidade." Joseane confirma que a melhor opção é comprar à vista. "Eu sempre consigo um desconto maior assim. Mesmo em promoção, quando eu falo que vou pagar em dinheiro, eles tiram mais um pouco do valor", comemora. Ela sempre economiza, em média, 50% em suas compras. %u201CEu fiquei namorando uma calça de R$ 400 e quase comprei, mas me segurei. Depois de 15 dias, a peça saiu pela metade dessa quantia. Valeu a pena esperar". A servidora explica que, entre uma loja e outra, há diferenças expressivas de preço. "Em cidades do interior, os mesmos produtos das capitais custam menos. Dependendo do valor, é uma boa viajar para comprar." Reinaldo Domingos, educador financeiro, também faz um alerta para quem costuma gastar mais do que precisa. "É bom pensar nos próximos meses. A pessoa compra muitos produtos em promoção, em várias parcelas no cartão de crédito, com a desculpa de que estava barato, mas não olha para o futuro. No início do ano, é ainda mais difícil. É um período de promoções e de muitas outras despesas, como impostos", frisa. Ele destaca também que muitos compram produtos que não precisam só por causa da redução. "E pior, alguns nunca serão usados." Como aproveitar » O primeiro passo é avaliar as necessidades. Sempre dê uma olhada no guarda-roupa e na despensa para ver do que você realmente precisa. » A pesquisa é essencial. Procure saber o preço original dos itens e compare. É importante passar por várias lojas antes de comprar. » Se comprar à vista, pechinche. Há maior possibilidade de baixar ainda mais o valor do produto se a aquisição for feita em dinheiro. » Os primeiros dias da promoção são os mais proveitosos. Fique atento às ofertas. » Avalie a qualidade do produto. Os alimentos, por exemplo, ficam mais baratos quando a validade está chegando ao fim. » Quando entrar em uma loja, leve apenas o que se dispôs a comprar. Não caia na armadilha do consumismo. Calote A inadimplência tira o sono dos brasileiros, e escolher pagar à vista ainda é a melhor maneira de evitar o endividamento excessivo e correr o risco de sujar o nome na praça. De acordo com o Indicador Serasa Experian, o número de pessoas que não conseguem saldar suas dívidas com o comércio subiu para 6,3% no ano passado, o que representa um crescimento de 0,4% em relação a 2009. Com o aumento dos juros, o consumidor enfrenta mais dificuldade na hora de parcelar. O que diz a lei O Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, assegura os direitos básicos do comprador. As principais ressalvas dizem respeito à proteção contra a publicidade enganosa e métodos coercitivos de comércio. No entanto, especialistas apontam algumas falhas na norma, como a falta de regulamentação para o segmento de cartões de crédito, da qualidade da telefonia e da internet móvel. Também peca por não fixar prazos para as operadoras de saúde atenderem os usuários. Outro ponto que deve ser discutido é o crescimento das compras on-line, motivado pela popularização do acesso à internet. O descumprimento da lei pode acarretar multa, apreensão do produto e detenção de até seis meses para o infrator. Direitos suprimidos O Código de Defesa do Consumidor (CDC) completou 20 anos em 2010 e ainda é desrespeitado por muitos estabelecimentos. Em um país onde se comemora o fácil acesso ao crédito e a ascensão de milhares de brasileiros à classe média e ao mercado comprador, o bem-estar do consumidor continua em segundo plano na hora da redução dos preços nas lojas. Por isso, o brasileiro deve ficar atento às peças pregadas nas liquidações. De acordo com a lei, a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, bem como contra métodos comerciais persuasivos ou desleais, é direito básico do consumidor. Além disso, é dever do comerciante informar corretamente e de maneira clara sobre os produtos e serviços, com especificação de quantidade, características, composição, qualidade e preço. A psicóloga Luciana Verneque conhece seus direitos e procura sempre analisar as ofertas. "Os falsos descontos existem e as pessoas, ávidas por tendências da moda, acabam caindo", diz. Ela conta que prioriza o controle financeiro. "Eu prefiro esperar até que o produto tenha mesmo a redução do valor. Eu quero comprar uma bolsa e estou pesquisando. Eu pretendo comprar, pelo menos, 45% abaixo do preço original, mas é preciso pesquisar bastante para não ser enganada", recomenda. Fiscalização A advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Daniela Trettel explica que o consumidor pode, além de reivindicar o produto com o desconto anunciado, denunciar a loja ao Instituto de Defesa do Consumidor (Procon). "Nesse caso, o ideal é haver fiscalização. Cada caso é um caso, mas falsas liquidações se enquadram em propaganda enganosa", avalia. "O comprador deve reunir o máximo possível de provas mostrando que foi induzido a entrar na loja pela promoção ilusória." Muitas vezes, o consumidor é enganado por cartazes confusos. "Às vezes, a loja anuncia descontos de até 70%, por exemplo, para atrair o cliente, mas apenas uma peça está em oferta. Nesse caso, o estabelecimento não pode ser punido", contrapõe Daniela. É necessário, também, observar o produto antes de levá-lo para casa, já que as lojas não são obrigadas a trocar itens com desconto. A aposentada Cândida Maria Santos, 67 anos, gosta de pesquisar preços. Ela relata que sempre passa por esse tipo de situação. "Tenho muito tempo livre e acompanho os preços. Sei que, quando os produtos entram em liquidação, os descontos nunca são os anunciados. Eles até reduzem um pouco, mas não o total divulgado", reclama.