Jornal Correio Braziliense

Economia

Índia teme repetir o fiasco econômico do Brasil nos anos 1980 e 1990

Enviado Especial

Nova Délhi e Mumbai ; Antes de mais nada, que fique bem claro: tudo o que se refere à Índia é gigantesco. Qualquer coisa que se fale do segundo país mais populoso do mundo, com 1,2 bilhão de habitantes, não é exagero. Daí a razão de os olhos do mundo estarem voltados para a nação que, se tudo correr nos conformes, será a terceira maior potência do planeta nos próximos 40 anos. Deixará para trás Japão, Alemanha, Reino Unido e França, com um Produto Interno Bruto (PIB) estimado em US$ 31,3 trilhões, previsão chancelada pela Consultoria PricewaterhouseCoopers. No mundo de hoje, somente a China desperta tamanha atenção.

[SAIBAMAIS]Logo no trajeto que liga o Aeroporto Indira Ghandi ; inaugurado em julho, com capacidade para 34 milhões de passageiros, quase 50% a mais do que o de Guarulhos, em São Paulo ; ao centro da capital indiana, Nova Délhi, é possível ver a dimensão da transformação pela qual a Índia está passando. Um canteiro enorme de obras, no qual se misturam estradas, viadutos, pontes e prédios comerciais e residenciais, começa a dar um ar de modernidade ao país. Até 10 anos atrás, obras de infraestrutura eram utopia para os indianos. Agora, tornaram-se uma obsessão, que, ressalte-se, tem garantido crescimento econômico médio entre 8% e 9% ao ano.

Falar em desafios na Índia é chover no molhado. O país necessita tirar 37% da sua população da miséria absoluta. São 444 milhões de pessoas ; mais de dois Brasis ; que, dia sim, outro também, não sabem sequer se terão o que comer. A maioria desses miseráveis não tem documentos, não sabe o dia em que nasceu e sobrevive à base de migalhas que, nas grandes cidades, vêm do lixo despejado por uma elite pequena, mas riquíssima. No fim dos anos 1990, quando começou o processo de transformações da Índia, a proporção de pessoas que viviam abaixo da linha da pobreza era bem maior: quase 50% da população. Mas se, nos últimos anos, milhões foram resgatados da marginalidade, o país assiste a um efeito perverso, muito conhecido dos brasileiros: a concentração de renda.

Dados levantados por Jayant Sinha, do Instituto de Tecnologia da Índia, mostram que, no país que tem como maior símbolo Mahatma Ghandi e que registra um PIB próximo de US$ 1,2 trilhão, há 55 bilionários, número próximo do verificado na Rússia, o vice-campeão no ranking mundial, com um PIB de US$ 1,3 trilhão e 87 detentores de fortunas superiores a US$ 1 bilhão. Para Ragharam Rajan, professor da Booth Escola de Negócios da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, esse quadro revela que os dois países estão ficando muitos parecidos. Ou seja, ostentam uma ;oligarquia; em que a maior parte das pessoas que enriquecem se beneficiam de relações próximas com o governo. Não à toa, as queixas contra a corrupção se multiplicam nos jornais e na televisão.

Presidente da Comissão de Planejamento do governo e uma espécie de superministro, Montek Singh Ahluwalia reconhece que o modelo de crescimento da Índia ainda não é o ideal e realmente provoca distorções, como o aumento do Índice Gini, que mede a desigualdade social ; quanto mais próximo de um, maior é o fosso que separa pobres e ricos. Na última década, o indicador saiu de 0,3 para 0,4, aproximadamente.

Portanto, o grande desafio da Índia será não repetir o que se viu no Brasil, que, até os anos 1970, era o país que mais crescia no mundo, mas nas duas décadas seguintes, mergulhou na estagnação, com grande concentração de renda. ;Temos de garantir a continuidade do crescimento e fazer com que seja inclusivo, permitindo às famílias que vivem abaixo da linha da pobreza acesso à educação, à saúde, à água potável e ao saneamento básico;, diz.

Ahluwalia reconhece que não será tarefa fácil, dada a estrutura social da Índia, ainda baseada nos sistemas de castas, que dificulta a mobilidade social. A meta, que ele reconhece não ser a ideal, é reduzir a miséria absoluta em 0,8 ponto percentual por ano nos próximos 25 anos, o que permitirá que o total de pessoas sem condições mínimas de sobrevivência caia dos atuais 37% para 20% da população.



O jornalista viajou a convite do governo da Índia