A atual disparada das cotações dos alimentos ; acima das médias históricas dos últimos anos ; não está pressionando apenas os índices de inflação mundo afora. Os órgãos multilaterais de financiamento e governos também estão atentos a riscos de tensões sociais nos países mais pobres, puxados pelas altas frequentes dos preços de açúcar, grãos e soja. Essa preocupação já levou líderes mundiais a cobrarem medidas regulatórias para contrabalançar ataques especulativos e economistas a traçarem cenários de explosão de preços nas próximas décadas.
Ontem, foi a vez do Grupo de Cooperação em Avaliação (ECG, na sigla em inglês), que reúne técnicos de 19 bancos de desenvolvimento, divulgar relatório sobre o impacto dos programas de suas instituições voltados ao agronegócio. Preocupada com o aspecto humanitário de uma eventual crise alimentar, a rede de divisões técnicas ; que inclui o Banco Mundial (Bird) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) ; chamou a atenção para a necessidade urgente de ampliar a ajuda global em favor da produtividade agrícola.
O alvo principal do esforço são países africanos onde predomina o cultivo de subsistência. E os efeitos positivos esperados se estenderiam ao combate à fome, além da estabilização dos mercados. O ECG aponta desaceleração da produtividade agrícola nas duas últimas décadas em razão do recuo de doações de organismos e de investimentos de emergentes. A assistência bilateral e multilateral despencou 40% no começo dos anos 2000 em relação aos 1980.
O grupo recomenda mais investimentos em pesquisa e extensão, uma gestão mais eficaz dos recursos hídricos e da irrigação, fomento ao crédito e a busca por soluções de conflitos agrários. Na área de infraestrutura, o texto pede mais acesso e qualidade nas rodovias. Por fim, recomenda às instituições internacionais que se empenhem em aperfeiçoar os mercados e as cadeias de suprimento, incluindo o apoio do setor privado.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolveu modelo de agricultura tropical que pode ser aplicado na África. A presença de técnicos brasileiros em solo africano já é uma realidade, buscando produtividade, a exemplo do programa Pró-Savana, em Moçambique. Segundo o presidente da estatal, Pedro Antônio Arraes, o desafio é acompanhar a evolução da oferta de alimentos, sem prejuízo do meio ambiente. ;O Brasil poderá produzir 250 milhões de toneladas anuais de grãos até 2030, com a vantagem de ter fonte garantida de água;, resumiu.
Desequilíbrio
Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explicou que os altos preços refletem o desequilíbrio conjuntural entre demanda crescente nos países emergentes e avanço menor da oferta global devido a eventos climáticos. ;Esse mesmo ciclo também é empurrado pela especulação nos mercados futuros;, acrescentou. Apesar disso, o ex-ministro não acredita em mais fome no mundo, mesmo porque as próprias cotações levam a mais plantio. ;É o sobe e desce da oferta e procura;, resumiu.
Rodrigues lembrou que cerca de 85% do crescimento populacional até 2050 virá das regiões que concentram a maioria dos pobres: África, Ásia e América Latina. Nesses lugares, a renda per capita cresce mais. ;Tudo isso fortalece as expectativas de que o Brasil ampliará presença nos mercados;, reforçou, lembrando que a ascensão social afeta primeiramente o comércio de alimentos. O único receio de Roberto Rodrigues está na expectativa que o mundo deposita na resposta do país ao aumento do consumo global. Estudos recentes do Reino Unido e da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que a produção agrícola brasileira precisa crescer o dobro da demanda, ou seja, 80% em 20 anos.
Para a superintendente técnica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rosemeire Cristina dos Santos, a produção de alimentos no Brasil avançará via tecnologia e incorporação de áreas deixadas pela pecuária.
FAO estima preços recordes
; Os preços globais dos alimentos devem fechar janeiro perto das altas recordes de dezembro, quando os valores ultrapassaram até mesmo picos de 2008, estimou o órgão das Nações Unidas para agricultura e alimentação. ;A expectativa é de que o índice de janeiro seja muito próximo ou pouco abaixo (do índice) de dezembro;, disse Abdolreza Abbassian, economista da entidade. O Índice de Preço de Alimentos da FAO mede as mudanças mensais no preço para uma cesta que inclui cereais, oleaginosas, laticínios, carnes e açúcar. Em dezembro, apresentou alta histórica de 214,7 pontos, acima do recorde de junho de 2008, quando houve uma crise de alimentos e revoltas em diversos países.
Reflexos no bolso
A reclamação com a alta dos preços dos alimentos não poupa nem o Brasil, campeão mundial do agronegócio, revelam as donas de casa. ;Uma barbaridade: o preço da carne só aumenta. Tenho agora de escolher o que for mais barato e vou a vários mercados para comprar o que preciso. Estão começando a usar a maquininha de remarcar preços;, disse a professora Marta Mônica Reis, 55 anos, moradora do Cruzeiro Novo.
A costureira Maria Nunes, 67, prefere carregar da Ceilândia ao Cruzeiro Novo, uma distância de 25 quilômetros, o pão de queijo para o lanche na casa de sua filha, Ivanete Nunes Moraes, pensionista do Exército, 44.
;Meu dinheiro dura mais porque pesquiso muito antes de comprar;, resumiu. Segundo ela, o pão de queijo na Ceilândia custa R$ 9,90 o quilo, mas no Cruzeiro passa de R$ 12. ;Não perco meu tempo, ando sempre atrás de promoção;, afirmou Maria.
A comerciante Gabriela da França Bonfim, 25, disse, por sua vez, que terá de fechar o restaurante que serve 100 refeições por dia no Setor de Abastecimento Sul de Brasília para vender roupas, devido ao aumento dos preços dos alimentos. ;Não podemos repassar os reajustes porque a clientela não teve ganho de salário e vai nos abandonar. Troquei o corte de lagarto pelo de capa de filé para cozinhar e assar uma carne mais barata;, justificou. (JF)