O consumo desenfreado dos brasileiros no exterior chegou ao seu patamar recorde em 2010. As viagens, principalmente a Miami, nos Estados Unidos, e a Buenos Aires, na Argentina, deixaram um saldo negativo de US$ 10,5 bilhões ; um montante que representa quase 25% do rombo nas contas externas. Frente a 2009, o volume do ano passado é 90% maior. Com o dólar cada vez mais baixo, a tendência é de que esses valores continuem em alta. Apenas em dezembro, US$ 1,1 bilhão foi deixado no estrangeiro.
O cartão de crédito é a opção de pagamento mais usada pelos brasileiros e, em 2010, os gastos com ele atingiram patamar recorde. De todas as despesas realizadas lá fora, US$ 10,1 bilhões foram com o dinheiro de plástico. Na comparação entre os números do ano passado e a média dos últimos nove anos, 2010 obteve um desempenho muito superior: 325,8% maior que a média do período.
Especialistas alertam que comprar no cartão de crédito oferece riscos e vantagens para o turista. Além da segurança de não ter de levar dinheiro em espécie, o consumidor pode se beneficiar caso a cotação do dólar, na data do fechamento da fatura, esteja inferior à da data da compra. Porém, o inverso também pode ocorrer e a moeda se valorizar no período, deixando a conta ainda mais cara.
Compras
O resultado expressivo de 2010 se explica em parte pelo dólar enfraquecido, mas as principais determinantes para o avanço da gastança foram as melhores condições de renda e emprego. ;O brasileiro passou a ter condições de viajar mais;, constata Altamir Lopes, chefe do Departamento Econômico do Banco Central. Outro fator que influenciou as compras em solo estrangeiro foi a pesada carga tributária no Brasil. Em função dela, torna-se mais vantajoso comprar no exterior do que no país.
A estudante Rayane Elisia Barbosa, 20 anos, é parte do contingente brasileiro atraído pelos bons preços no exterior. No fim de 2010, ela foi a Orlando e a Miami, trouxe uma mala cheia de bolsas, roupas, calçados e cosméticos. ;Dependendo da época, os preços de lá ficam até 45% mais baratos do que os daqui. Eu, geralmente, vou para fazer turismo, mas acabo comprando muito;, diz. Segundo a jovem, é um bom negócio fazer compras fora, mesmo em países da América Latina. ;Quando eu fui à Argentina, também voltei com muita coisa, principalmente, maquiagens;, relata.
O empresário Paulo de Tarso da Costa Leite, 27 anos, também faz muitas compras no exterior, a maioria delas no cartão de crédito. Só no ano passado saiu do país quatro vezes. ;Claro que é importante conhecer a cultura do lugar, mas os valores dos produtos são muito vantajosos. Uma camisa de marca aqui equivale a três lá fora;, frisa. Nas últimas duas viagens internacionais ; para Miami, em julho do ano passado, e o Uruguai, em dezembro ;, o empresário gastou cerca de R$ 17 mil em produtos como roupas, eletrônicos e perfumes. Neste ano, quer voltar aos EUA em dezembro. ;Eu gostaria de ir pelo menos duas vezes por ano, mas agora tenho que pagar as contas de cartão de crédito, referentes às viagens. Vou tentar juntar dinheiro até lá;, afirma. ;Muitas vezes a economia nos itens adquiridos no exterior até pagam a passagem;, acrescenta.
Para Altamir Lopes, é preciso destacar ainda que não só as despesas lá fora cresceram. Os gastos de estrangeiros no Brasil também alcançaram volume recorde no ano passado, um montante de US$ 5,9 bilhões. A tendência, na avaliação de especialistas, é que esses desembolsos em território verde e amarelo cresçam, mas não na proporção das despesas brasileiras no exterior.
Incertezas
A crise financeira que se propagou pelo mundo a partir de 2008 ainda faz sentir seus efeitos e impacta diretamente na decisão de gastos e viagens de europeus, norte-americanos e asiáticos. A maioria está em recuperação, com altos índices de desemprego e em um processo que diminui o alcance do estado de bem-estar social, gerando muitas incertezas para o futuro.
Investimento direto cresce 86%
O Brasil está no foco das principais empresas multinacionais e, em 2010, o ingresso de investimentos estrangeiros diretos, recursos destinados ao setor produtivo, bateu recorde. Foram US$ 48,4 bilhões, volume suficiente para cobrir o deficit nas contas externas, de US$ 47,5 bilhões, e ainda livrar o governo de uma dor de cabeça. Em dezembro, o país também recebeu mais investimentos do que frente a todos os meses desde 1947: registrou a entrada de US$ 15,3 bilhões.
Uma operação envolvendo a companhia petrolífera hispano-argentina Repsol YPF, no valor de US$ 7,1 bilhões, evitou que o país dependesse de capital especulativo para financiar parte do rombo nas transações correntes. ;Algumas operações que esperávamos para o início de 2011 se concretizaram em 2010;, disse Altamir Lopes, chefe do Departamento Econômico do Banco Central.
O desempenho dos investimentos para o setor produtivo foi 86,8% superior ao de 2009, quando esse capital somou US$ 25,9 bilhões. ;O potencial de crescimento no Brasil em um mundo estagnado tornou o nosso país interessante para investimentos;, justificou Armando Castellar, professor de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Os países que mais investiram no Brasil em 2010 foram Luxemburgo, com US$ 8,6 bilhões, Holanda (US$6,6 bilhões), Suíça (US$ 6,4 bilhões) e Estados Unidos (US$ 6,2 bilhões). Altamir Lopes alerta, porém, que grande parte dos recursos, a exemplo dos três primeiro países, podem ter outras origens. Luxemburgo, de onde vieram os recursos aplicados no setor petrolífero em dezembro, é um paraíso fiscal. O dinheiro da operação veio de uma empresa chinesa. ;Grande parte dos recursos vem desses paraísos;, explicou Lopes. (VM)
Invasão da moeda dos EUA
; A enxurrada de dólares em direção ao Brasil se acentuou neste início de ano com a elevação da taxa básica de juros em 0,5 ponto percentual. Até a sexta-feira, 21 de janeiro, o país registrava um saldo positivo de US$ 9,2 bilhões. Preocupado com todos esses recursos e com a incessante desvalorização do dólar, o Banco Central anunciou uma nova ferramenta para adquirir a divisa norte-americana. Além de atuar no mercado futuro e no à vista, vai entrar no mercado a termo, no qual compra dólares com data marcada e com um preço já acordado em um leilão com o mercado.